Os evangelizadores do desenvolvimento

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Este boletim procura alertar para as estratégias adotadas por quem se impõe nos territórios promovendo o “desenvolvimento” – agora camuflado sob outras palavras, como “sustentável” ou “neutro em carbono” – cada vez mais em aliança com o capital financeiro, considerado aliado e reforçado com recursos públicos.

Este boletim busca refletir criticamente sobre o chamado desenvolvimento e alertar sobre as estratégias que seus promotores vêm utilizando para entrar nos territórios. O desenvolvimento imposto por centenas de agências, órgãos, bancos e programas – agora camuflado sob outros termos, como “sustentável” ou “neutro em carbono” – é útil ao avanço voraz da pilhagem, com a consequente destruição de florestas e do sustento de milhões de pessoas. Além disso, nos últimos anos, esses atores trabalham cada vez mais em aliança com o capital financeiro, que consideram um aliado do desenvolvimento e reforçam com recursos públicos.

Não podemos nos esquecer que a noção de desenvolvimento foi proclamada após a Segunda Guerra Mundial, quando Truman, ex-presidente dos Estados Unidos, aproveitou o colapso europeu e afirmou que os Estados Unidos deveriam dispor de seus avanços e do progresso para o crescimento das áreas subdesenvolvidas. Além disso, ele exortou todos os governos a seguir seus passos na busca pelo desenvolvimento.

Foi lá que eles dividiram o mundo em dois: os países desenvolvidos do Norte e os subdesenvolvidos do Sul. Considerando o processo histórico em que se enquadram, esses dois “blocos” bem poderiam ter sido chamados de colonizadores (do desenvolvimento) e colônias (para desenvolver, ou melhor, para saquear).

Nessa cruzada desenvolvimentista, foram algumas entidades transnacionais e capitalistas, lideradas essencialmente pelo governo dos Estados Unidos e pelo bloco do G-8, que impuseram as regras do desenvolvimento, principalmente ao Sul global. O Banco Mundial (BM), o Fundo Monetário Internacional (FMI), a Organização Mundial do Comércio (OMC), os Bancos Regionais de Desenvolvimento, entre outros evangelizadores, consolidaram-se como atores absolutos (quase imperiais) do poder político e econômico, levando a Bíblia do desenvolvimento debaixo do braço.

Assim, os Programas de Ajuste Estrutural, ditados pelo FMI e pelo Banco Mundial, obrigaram os países do Sul a impor políticas duras de abertura ao “livre mercado” em nome do desenvolvimento, do progresso e do crescimento. Posteriormente, as Parcerias Público-Privadas são estabelecidas pelos governos por terem sido (e ainda serem) exigências para receber empréstimos dessas instituições, mesmo que essas Parcerias beneficiem plenamente o capital privado à custa do setor público. Bancos e agências de desenvolvimento costumam ser acionistas importantes dessas parcerias.

Assim, centenas de hidrelétricas, estradas e ferrovias de grande porte que atravessam florestas e terras comunitárias, plantações industriais de monoculturas, megaprojetos de infraestrutura e até mesmo projetos de exploração e extração de minérios, petróleo e gás foram financiados, legitimados e promovido por esses atores do desenvolvimento. O Banco Mundial, por exemplo, há décadas promove a titulação individual da propriedade da terra, o que facilita em grande parte a penetração de atividades industriais em terras comunitárias e o enfraquecimento da organização e da coesão social.

Paralelamente, os países do Norte estabeleceram suas próprias agências de cooperação para o desenvolvimento, como a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), a Agência Alemã de Cooperação Internacional (GIZ) ou o Banco de Desenvolvimento do Estado Alemão (KfW), a Agência de Cooperação Internacional do Japão (JICA), etc., para implementar e monitorar suas próprias políticas externas e seus interesses de forma calculada no Sul.

Assim, muitas empresas de plantações industriais do Norte devem grande parte da sobrevivência de suas atividades nos países subdesenvolvidos às doações de seus governos. Sem subvenções, financiamento barato e outros subsídios, essas plantações e fábricas de celulose extremamente caras nunca produziriam. Alguns desses subsídios são transferidos por meio de agências multilaterais antes de ser desviados para o setor empresarial. Em outros casos, os recursos arrecadados por meio de impostos pagos pelos cidadãos no Norte são canalizados aos cofres dessas empresas privadas por meio de agências de cooperação para o desenvolvimento. (1)

A noção de desenvolvimento, criada a partir de um ponto de vista ocidental branco, nega ou denigre as muitas diversidades, existências e visões de ser nos territórios. Os territórios não brancos e não ocidentais (que incluem uma pluralidade de pessoas e povos, práticas, florestas, espaços e tempos de vida, rios, histórias, saberes...) são constantemente subordinados, violentados e estigmatizados sob o conceito de subdesenvolvimento. Isso anda de mãos dadas com sociedades capitalistas cada vez mais imersas em uma visão de crescimento que é racista, classista e patriarcal. Uma visão que se proclama universal e por isso torna invisíveis ou silencia (quase sempre pela força) territórios não brancos, e que, no fundo, visa engrandecer a economia capitalista da opressão.

Em reação à forte resistência no Sul e à pressão internacional em função da emergência climática e ambiental, os atores do desenvolvimento começaram a apoiar o conceito de crescimento verde. A ONU lançou uma chamada para o crescimento verde em 2011 e o Banco Mundial lançou, em 2012, o relatório Crescimento Verde Inclusivo – O Caminho para o Desenvolvimento Sustentável.

Extremamente útil ao capitalismo, essa mudança de retórica (mas não de substância) permitiu que a indústria do desenvolvimento continuasse e expandisse suas práticas, seus negócios e sua acumulação e, portanto, o saque, a violência e a expropriação.

Além disso, nas últimas duas décadas, os bancos e fundos de desenvolvimento cresceram enormemente. Esses atores estão cada vez mais ligados às finanças globais. A carteira das instituições financeiras de desenvolvimento europeias quadruplicou, de 10,9 bilhões de euros em 2005 para 41,2 bilhões em 2018. Essas instituições atuam cada vez mais como qualquer outro investidor, considerando o setor financeiro privado como um ator do desenvolvimento e o reforçando com recursos públicos. Assim, vemos uma participação cada vez maior desses atores no agronegócio e na concentração de terras. (2)

Mais recentemente, alguns desses bancos e fundos criaram suas próprias empresas de gestão de ativos. São os chamados fundos de desenvolvimento, ou seja, de investimento e de capital. O Banco Mundial criou sua gestora para administrar esses fundos, a Asset Management Company, que hoje administra 10 bilhões de dólares através de 13 fundos. (3)

Mais de 70 anos depois de Truman dividir o mundo, a noção de desenvolvimento continua sendo usada para a pilhagem. Seus evangelizadores são importantes impulsionadores das políticas de privatização, que abrem caminho para que empresas e atores financeiros possam entrar e destruir cada vez mais territórios e florestas.

Esperamos que este boletim contribua com a reflexão para a construção e o fortalecimento de alianças entre movimentos e grupos de base no repúdio a esse desenvolvimento colonizador, racista e patriarcal.

(1) Ricardo Carrere e Larry Lohmann, 1996, Pulping the South
(2) Focus in the Global South, TNI, Fian International, 2020, Rogue Capitalism and the financialization of territories and nature
(3) Idem (2)