Tailândia: valorizando florestas como créditos de carbono

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Rio Salween, Tailândia. Foto: Prachatai, 2022.

As áreas de florestas da Tailândia contêm a rica diversidade das florestas tropicais, incluindo as relações e interconexões com povos indígenas e comunidades locais que coexistem com essas florestas. Com seus próprios princípios baseados em conhecimentos e práticas tradicionais, essas comunidades preservaram suas florestas por gerações, fazendo com que suas áreas estejam entre as mais biodiversas do mundo. Além disso, praticam diferentes formas de “manejo” comunitário de suas terras, florestas e economias locais. Mas os sistemas comunitários estão ameaçados devido a políticas problemáticas que pretendem transformar todas as florestas em propriedade estatal e privada, agregando um novo tipo de ativo: os créditos de carbono.

Políticas tailandesas de conservação florestal

A política de conservação florestal na Tailândia começou em 1896, quando foi fundado o Real Departamento Florestal (RFD, na sigla em inglês) para administrar concessões de florestas, seguido pela Lei Florestal do ano de 2484 da Era Budista (1941) e a Organização da Indústria Florestal (FIO) em 1974. Essas políticas transformaram as áreas do país com florestas em bens estatais para exportação de madeira, criminalizando cerca de 10 milhões de pessoas de comunidades que dependiam das florestas e que moravam nelas muito antes de surgirem essas leis e políticas.

Após protestos generalizados de comunidades das florestas em toda a Tailândia contra a extração de madeira e os muitos impactos da indústria, o plano de manejo das concessões econômicas florestais foi alterado em 1989, estabelecendo a proibição da exploração madeireira. No lugar dela, as áreas com florestas foram declaradas Florestas de Reserva Nacional para serem geridas exclusivamente pelo Departamento de Parques Nacionais (DNP). O DNP ainda tem autoridade para aprovar qualquer projeto público ou privado nessas Reservas Florestais, ao mesmo tempo em que controla os meios de subsistência de mais de 4 mil comunidades que dependem das florestas.

A proibição da extração de madeira marcou o surgimento de uma abordagem cada vez mais militarizada à conservação das florestas, e o Real Departamento Florestal adotou uma postura “linha dura” contra aqueles que viviam dentro de áreas protegidas, principalmente as comunidades indígenas das terras altas do norte, que não têm cidadania tailandesa. As florestas eram vistas como espaços onde não se deveria praticar nenhuma atividade agrícola. Todos os tipos de sistemas de agricultura itinerante foram agrupados como se fossem uma coisa só, e estigmatizados como irracionais e destrutivos.

Além disso, a aplicação relativamente frágil da legislação e a confusão sobre as reivindicações de posse da terra nas Reservas Florestais criaram novas camadas de complexidade. Por exemplo, houve escândalos de corrupção em atividades de turismo e exploração de recursos nas reservas.

A tentativa de categorizar as florestas ficou clara nas Diretrizes da Política Florestal Nacional da Tailândia de 1985 e de 2019 (1), que visam transformar 40% do país em áreas florestais. Esse objetivo seria dividido em 25% das “Florestas de Reserva” controladas pelo Estado (parques nacionais, santuários de vida selvagem, áreas de bacias hidrográficas) e 15% de “florestas econômicas” (reservadas para diversos fins), que incluem florestas comunitárias e plantações privadas em terras estatais. O governo afirma que, até março de 2023, alcançou 31,59% dessa meta.

As florestas comunitárias variam em cada região. Em geral, buscam manter os sistemas ecológicos, garantir a soberania alimentar, preservar remédios tradicionais, apoiar as economias locais e promover o bem-estar espiritual das comunidades. Portanto, toda comunidade florestal reconhecida tem direito de manejar suas próprias florestas. Mas quando o governo proclamou a Lei das Florestas Comunitárias, em 2019, os direitos das comunidades dentro das áreas de Reserva Florestal foram limitados em muito. O Departamento Florestal é o único órgão autorizado a estabelecer e classificar as florestas, o que significa que apenas aquelas registradas por ele podem ser consideradas florestas comunitárias.

Por outro lado, o propósito das “florestas econômicas”, que inicialmente era explorar madeira (ou seja, plantações de árvores), mudou para permitir que empresas privadas também usassem as áreas para ecoturismo e atividades de responsabilidade social corporativa (RSC).

No entanto, a pressão da crise climática e as negociações internacionais transformaram a condição, o valor econômico e o uso das florestas (e das plantações de árvores) para agregar um novo tipo de ativo: os créditos de carbono.

O carbono nas florestas

As negociações internacionais sobre o clima transformaram as florestas em “sumidouros de carbono”, destinados a gerar “créditos de carbono” a serem negociados em “livres mercados” internacionais. Esses sumidouros de carbono são chamados de projetos de compensação, porque os créditos resultantes deles devem compensar a poluição de outros. Sendo assim, os créditos podem ser comprados por governos, empresas ou pessoas que queiram compensar uma quantidade “igual” de emissões ou alegar “neutralidade” de carbono. (2) Esses projetos de sumidouros também podem ser plantações industriais de monoculturas, pois a importância é atribuída apenas à capacidade das árvores de absorver dióxido de carbono para gerar os créditos negociáveis. Essa lógica de compensar e transformar as florestas em sumidouros de carbono beneficia as maiores indústrias emissoras, principalmente os setores de energia e agronegócio, ao permitir que eles se expandam e operem sob o pretexto de serem “neutros em carbono”.

As empresas investem em projetos de reflorestamento de grande escala e baixo custo (principalmente de plantações de monoculturas de árvores) a ser usados como compensações de carbono. Elas também podem comprar créditos de projetos situados em Áreas Protegidas que afirmem estar “armazenando” e “conservando” o carbono.

Consequentemente, as metas do governo tailandês de aumentar o número de áreas cobertas por árvores no país, bem como os projetos privados de reflorestamento, não devem ser consideradas iniciativas benevolentes, geralmente na forma de atividades de RSC, e sim uma agenda oculta para lucrar com os créditos de carbono.

Em 2007, a Tailândia começou a integrar o conceito de mercado de carbono às suas políticas. A Organização Tailandesa de Gestão de Gases do Efeito Estufa (TGO) foi fundada com o objetivo de implementar mecanismos para o mercado de carbono e administrar o Programa Voluntário de Redução de Emissões da Tailândia (TVER). Além disso, o país participa do programa de REDD+ (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal) com o apoio do Banco Mundial e do Real Departamento Florestal. Todas essas políticas e programas causam preocupação entre organizações da sociedade civil e grupos florestais comunitários, pois ameaçam restringir os direitos das comunidades a usar, acessar e manejar suas florestas. Mas, apesar dessas preocupações, o programa de REDD+ continua avançando.

Espera-se que os mercados de carbono cumpram um papel cada vez mais importante no país. O governo lançou sua Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) na ONU, com metas para aumentar a “capacidade de sequestro de carbono” baseada em florestas. Florestas e plantações industriais de árvores tornaram-se um aspecto essencial para que o governo possa alegar “neutralidade de carbono” até 2050 e “emissão líquida zero” até 2065.

Nesse contexto e com esses objetivos em mente, o governo tailandês lançou um Plano Estratégico Nacional de 20 anos (2018-2037) que visa aumentar as áreas de cobertura arbórea para 50% do território do país. Isso significa que a Tailândia precisaria ter 11,29 milhões de Rais (3) (cerca de 2 milhões de hectares) a mais em Reservas Florestais e outras áreas de conservação e 15,99 milhões de Rais (cerca de 2,5 milhões de hectares) em áreas de plantações até 2037.

Para concretizar essas metas, vários órgãos governamentais adotaram leis e regulamentos específicos em apoio ao mercado de carbono, principalmente atividades de REDD+:

    • O Real Departamento Florestal vai expandir as Reservas Florestais a mais 4,5 milhões de Rais (cerca de 720 mil hectares). Isso inclui mais de 11 mil florestas comunitárias cadastradas com 300 mil Rais (cerca de 50 mil hectares);
    • O Departamento de Recursos Marinhos e Costeiros estabelecerá 3 milhões de Rais de plantações de manguezais (cerca de 500 mil hectares).
    • O Departamento de Parques Nacionais vai estabelecer mais Áreas Protegidas, abrangendo uma área de 1,28 milhão de Rais (cerca de 205 mil hectares).

Espera-se que as empresas privadas obtenham 90% dos créditos de carbono (e dos lucros) gerados por esse plano, com os 10% restantes ficando para o governo. Não há informações públicas sobre quanto será pago aos membros da comunidade que forem contratados como trabalhadores para fazer as atividades de manejo florestal e plantações. Algumas atividades são proibidas, como as tradicionais queimadas controladas para práticas de agricultura itinerante, consideradas prejudiciais à função de absorção de carbono da terra.

Um “modelo bio-circular-verde” para expulsar comunidades florestais

Para ajudar ainda mais a política do mercado de carbono, a Tailândia lançou recentemente um plano de desenvolvimento econômico chamado de Modelo BCG (Modelo Bio-Circular-Verde, na sigla em inglês), que visa aumentar as “florestas de carbono” em 32 milhões de Rais (cerca de 5,1 milhões de hectares). Essa área está contemplada no plano de 20 anos e deverá ser concretizada com investimentos de grandes empresas privadas. No entanto, o modelo BCG tem sido criticado pela limitada participação das comunidades locais e o domínio de grandes empresas. Em 5 de outubro de 2022, o governo tailandês também aprovou uma resolução que permite que empresas privadas invistam em atividades de reflorestamento (plantações) em terras do Estado.

Muitas empresas da Tailândia, inclusive nos setores de combustíveis fósseis, petroquímica e cimento, estão ávidas por estabelecer plantações que rendam créditos de carbono, que poderiam ser usados para diminuir a pressão sobre a poluição que as próprias empresas causam, bem como criar oportunidades de negócios. Por exemplo, o Grupo PTT (Petroleum Authority of Thailand Public Company Limited), uma das maiores empresas petrolíferas do país, anunciou recentemente um projeto de plantação de 2,1 milhões de Rais (cerca de 336 mil hectares).

Enquanto isso, a Fundação Mae Fah Luang e a Comissão de Valores Mobiliários da Tailândia têm promovido projetos de “manejo florestal comunitário” nas regiões norte, centro e sul do país. Esse programa contemplará 300 mil Rais (cerca de 48 mil hectares) com o objetivo de aumentar a renda das comunidades por meio da venda de créditos de carbono e da compensação da poluição causada pelas empresas. Cada comunidade participante deve cumprir os requisitos de registro no Programa Voluntário de Redução de Emissões da Tailândia (T-VER). (4)

A injustiça estrutural e o manejo florestal insustentável mostraram que esses tipos de projetos levarão à destruição ambiental, à violação dos direitos das comunidades florestais e ao aumento dos conflitos entre empresas, órgãos governamentais e comunidades florestais.

Em 2014, o Conselho Nacional de Paz e Ordem aprovou uma política de recuperação florestal em nome da conservação. O governo afirma ter conseguido recuperar 435.731 Rais (cerca de 69 mil hectares) de florestas, mas o processo levou à expulsão de muitas comunidades florestais, que foram alvo de mais de 46.600 ações judiciais. Além disso, o governo planeja expandir essas áreas de conservação criando 20 novos parques nacionais reservados.

Há uma agenda oculta promovida em nome da proteção da floresta. O objetivo final dessa política de “recuperação florestal” para a conservação é maximizar o número de hectares de florestas sob propriedade do Estado, que são transformados em “sumidouros de carbono” voltados a gerar lucros para o setor privado.

As muitas leis aprovadas em nome da conservação florestal e da mitigação climática não foram elaboradas para proteger os direitos das comunidades florestais, e sim para restringir o uso que elas fazem de suas florestas e terras, a as empurrar para áreas menores.

Problemas estruturais ao transformar as florestas em créditos de carbono

Há muitos problemas estruturais nesse forte impulso para atribuir às florestas essas novas camadas de interesses econômicos e poder, como:

1. Não há área florestal suficiente para absorver toda a poluição dos combustíveis fósseis
O setor energético e outras empresas poluidoras não pretendem interromper nem reduzir a extração e uso de combustíveis fósseis. As florestas nunca conseguirão absorver o carbono emitido pelos depósitos fósseis subterrâneos.

2. Não existem florestas vazias
As áreas de floresta são habitadas por comunidades que dependem dessas florestas’. Quando as empresas são autorizadas a estabelecer plantações, florestas comunitárias, manguezais e terras férteis são expropriadas para a produção de créditos de carbono.

3. O risco de reivindicar créditos de carbono em excesso
O método de contabilização de créditos do TVER inclui plantações e florestas restauradas. A recuperação das existentes contradiz isso, pois essas florestas já foram contabilizadas para a mitigação de carbono. Sem critérios claros, existe o risco de as empresas usarem isso para lucrar ainda mais com esse esquema.

4. O carbono armazenado nas árvores não é permanente
As florestas não são máquinas; elas têm um ciclo de absorção e liberação de carbono em cada condição diferente. Além disso, decisões políticas e interesses econômicos também podem levar a desmatamento em grande escala ou a desastres, como incêndios florestais. No entanto, alguns dos créditos de carbono gerados por essas árvores podem já ter sido contabilizados e vendidos.

5. As empresas privadas têm interesses conflitantes com os interesses públicos
Empresas privadas irão obter lucros com os créditos de carbono gerados nas comunidades ou florestas estatais. Enquanto isso, as comunidades serão contratadas apenas como mão de obra em suas próprias terras.

6. As florestas existem e estão enraizadas na sabedoria e no conhecimento das comunidades
As florestas fazem parte das comunidades humanas que coexistem com elas há gerações, e essas comunidades também fazem parte das florestas. Essas florestas podem se regenerar em um ambiente favorável. Assim, um projeto de monocultura, por definição, destrói o meio ambiente, as florestas e as interligações com todos os seres vivos, inclusive as comunidades.

Portanto, é imperativo perguntar: “Qual é o objetivo final dos créditos de carbono?”

A propaganda que o governo, as ONGs e as empresas poluidoras da Tailândia criaram em torno dos créditos de carbono florestal induz ao equívoco de que eles gerarão um benefício mútuo para todos. Afirmam, por exemplo, que o governo ou a comunidade proprietária da floresta geradora dos créditos se beneficiariam com o recebimento de investimentos privados. Isso pressupõe que as comunidades das florestas não sejam capazes de manejá-las de forma independente sem investimento privado e que esse investimento tornará as coisas mais fáceis e melhores. Na realidade, porém, a experiência com esses projetos em florestas tropicais no mundo todo mostra que eles resultam em conflitos internos, promessas descumpridas, insegurança alimentar, entre outras coisas. Os créditos de carbono são apenas uma ferramenta para que as empresas privadas continuem liberando suas emissões poluentes e lucrem, sem ter que reduzir nada, ao mesmo tempo em que se dizem “verdes” ou “neutras em carbono”.

O mercado de carbono nas florestas da Tailândia continua crescendo. Há uma demanda insaciável por créditos, que ameaça resultar em uma apropriação de terras em uma escala imensa para áreas protegidas e plantações industriais, por um lado, e agricultura industrial, mineração e atividades de extração de combustíveis fósseis, por outro.
 
É hora de denunciar que os créditos de carbono nada têm a ver com a redução das emissões de gases de efeito estufa nem com a mitigação das mudanças climáticas. Eles são apenas mais um impulso para os atores capitalistas expandirem sua destruição nas florestas.

 

Kritsada Boonchai
Thai Climate Justice for All, Tailândia

 

(1) Política Florestal Nacional da Tailândia no ano 2528 da Era Budista (1982) e, subsequentemente, emenda do ano 2562 da Era Budista (2019). Veja o Plano Estratégico Nacional de 20 anos (2018-2037) aqui.
(2) A neutralidade do carbono (tailandês: การหักลบระหว่างการปล่อยคาร์บอนกับการลดหรือดูดคาร์บอน) se refere a um suposto equilíbrio entre as emissões de carbono e a remoção dessas emissões da atmosfera; isso é feito em grande parte por meio de compensações.
(3) Um Rai (tailandês: ไร่) é uma unidade usada para medir áreas de terra. É muito usado na Tailândia, e equivale a 0,16 hectare.
(4) Mae Fah Luang Foundation and SEC Innovate Carbon Credit Offsetting Project to Combat Climate Change.