O Projeto de REDD+ PIREDD/Plateaux em Mai-Ndombe, na RDC: conflitos e um mecanismo de queixas

Imagem
redd drc
Área do projeto de REDD em Mai Ndombe, RDC. Foto: WRM.

Este artigo faz parte da publicação "15 anos de REDD:

Um esquema corrompido em sua essência".

 

 

O projeto discutido neste artigo faz parte de uma das maiores iniciativas de REDD+ jurisdicional do mundo: o Projeto PIREDD/Plateaux REDD+. Como a maioria dos projetos de REDD+, ele possui um mecanismo de reclamações. Histórias de comunidades afetadas revelam a falsa promessa de que esse mecanismo ajudaria a responsabilizar o projeto diante das pessoas afetadas por ele. O formato do mecanismo fracassou sistematicamente em resolver as reclamações das comunidades. Mas então, por que ele existe?

A República Democrática do Congo (RDC) possui a maior área de floresta tropical da África e, portanto, é um alvo preferencial dos defensores do REDD+, como o Banco Mundial e ONGs conservacionistas. A história que eles vêm contando nos últimos 10 a 15 anos é que as pessoas que dependem da floresta na RDC são responsáveis pelo desmatamento, e que os projetos de REDD+ irão reduzir isso. Essa história erra ao apontar as principais causas do desmatamento e ao propor restringir as formas como as comunidades – e não as indústrias de madeira ou de mineração – podem usar suas florestas. O resultado é um índice crescente de desmatamento e numerosos conflitos entre as comunidades e os defensores de projetos de REDD+ (consulte, por exemplo, este artigo do boletim do WRM)

O governo da RDC adotou sua estratégia de REDD+ em 2012, principalmente para abrir caminho para mais financiamentos do Banco Mundial e de outras fontes. Elaborou um plano de investimentos visando operacionalizar a estratégia de REDD+ para o período 2016-2020, e adotou diversos instrumentos jurídicos relacionados ao REDD+.

Este artigo trata de um projeto que faz parte de uma das maiores iniciativas de REDD+ jurisdicional do mundo: o Projeto PIREDD/Plateaux REDD+, na província de Mai-Ndombe. (1) Como na maioria dos projetos de REDD+ – se não for em todos – a implementação do projeto causou conflitos com comunidades cujo uso da terra ele restringiu. Como a maioria dos projetos de REDD+ – se não for em todos – o PIREDD/Plateaux também inclui um mecanismo de queixas. Embora esse mecanismo deva servir para que os afetados por projetos de REDD+ possam exigir responsabilização, na realidade, a maneira como o mecanismo está concebido não possibilita responsabilizar seus implementadores.

O fracasso do mecanismo de queixas descrito neste artigo levanta uma questão mais ampla sobre o papel desses mecanismos em gerar aceitação por parte de doadores e do público para iniciativas de REDD+ que afirmam ser participativas. A disfuncionalidade do mecanismo de reclamação do Projeto de REDD+ PIREDD/Plateaux não é uma mera questão de má implementação. Ao contrário da ideia por trás da sua concepção, o mecanismo é implementado de uma forma que não funciona e não consegue resolver as reclamações das comunidades.

O Projeto de REDD+ PIREDD/Plateaux

A província de Mai-Ndombe abrange 12,3 milhões de hectares, dos quais 80% são cobertos por florestas. Em 2016, a Parceria de Carbono Florestal (FCPF) do Banco Mundial aprovou 13,1 milhões de dólares para o projeto de REDD+ PIREDD/Plateaux. É a primeira parte de um financiamento maior acordado com o governo da RDC. O projeto é a primeira fase do programa de REDD+ Mai Ndombe, e é considerado a iniciativa de REDD+ jurisdicional mais avançada no país. Está sendo implementado em quatro regiões administrativas (Mushie, Kwamouth, Bolobo e Yumbi).

A ONG WWF é a chamada “agência local de implementação”, com responsabilidade de colocar o projeto em prática nessas quatro regiões. Sob o objetivo declarado de “reduzir a pressão sobre as florestas”, as atividades do projeto se concentram em reflorestamento, agricultura e controle de incêndios, (2) e fazem parte do chamado Projeto de Gestão Aprimorada de Paisagens Florestais (PGAPF). Em troca do plantio de mudas e da proteção das savanas, prometem-se às comunidades pagamentos baseados em resultados, benefícios monetários por serviços prestados pela comunidade, como a manutenção de estradas secundárias para a agricultura ou a instalação de uma madeireira. Os pagamentos devem ser feitos anualmente pelo Programa de Investimento Florestal do Banco Mundial (FIP), tendo o WWF como intermediário.

Para a interação com as comunidades, o WWF estabeleceu Comitês Locais de Desenvolvimento (CLDs) em cada comunidade. O CLD representa comunidades, funciona como ponto de contato da comunidade para aqueles que implementam os projetos, encaminha queixas, e recebe e distribui pagamentos aos membros da comunidade por tarefas específicas. O projeto deve estabelecer 175 desses CLDs. Cada comunidade dentro da área do projeto deve preparar um Plano de Gestão de Recursos Naturais, identificando, entre outras coisas, áreas a ser protegidas e outras nas quais árvores seriam plantadas.   

Conflitos com comunidades

O governo da RDC afirma que um dos pilares da estratégia de REDD+ do país, além de reduzir o desmatamento, é melhorar as condições de vida das pessoas mais pobres e mais vulneráveis ​​do país.

No entanto, pesquisas realizadas por uma rede de grupos de base e apoiadas pela organização congolesa Action pour la Promotion et Protection des Peuples et Espèces Menacées (APEM) em parceria com a Rainforest Foundation do Reino Unido (RFUK), sugerem que a realidade está longe dessa aspiração. Eles se reuniram com pessoas em mais de vinte comunidades nas regiões administrativas de Mushie, Bolobo e Kwamouth em 2018 e 2019. Principalmente durante seus encontros com mulheres, foi exposta uma longa lista de problemas e conflitos relacionados ao projeto de REDD+, que inclui:

- As mulheres não estão autorizadas a continuar com as práticas agrícolas tradicionais
Durante as reuniões, as mulheres descreveram como manejam tradicionalmente as savanas. Depois de arar o terreno que planejam usar para o cultivo, usam o fogo em pequena escala para eliminar o capim que foi arrancado. Essa queima também cria um ambiente ideal para coletar posteriormente cogumelos, frutas, lagartas, folhas e outras plantas. Com a proibição do uso do fogo pelo projeto de REDD+, as famílias ficaram sem fontes de alimentos vitais. Moradoras da comunidade Bosina denunciaram a falta de espaço para o cultivo de alimentos nas savanas. Não houve consultas à comunidade sobre o uso dessas áreas para atividades de reflorestamento do REDD+. Como resultado, elas agora têm que andar distâncias muito maiores para encontrar áreas onde possam cultivar mandioca. A maioria desses locais é arborizada e, portanto, as mulheres precisam da ajuda de homens para limpá-los. Isso não apenas cria uma dependência dos homens que elas não tinham antes, mas também gera mais desmatamento. Como resultado do projeto de REDD+, a produção de mandioca por mulheres caiu. Moradoras da aldeia de Maa explicaram que a proibição do uso da savana também tira outras fontes de alimento e renda, principalmente a coleta de cogumelos. O projeto de REDD+ piorou a situação econômica das famílias. Isso, por sua vez, afeta, por exemplo, sua capacidade de pagar pela educação dos filhos. Ao mesmo tempo, o risco de insegurança alimentar e doenças aumentou. Situações semelhantes foram descritas por pessoas em outras aldeias, como Bompensole, Mbala II, Camp Ferrera, Twa à Kwamouth, Lovwa, Nkô, Mbali e Bopaka.

- Nenhum pagamento por atividades de reflorestamento
As mulheres das comunidades de Bosina e Komambi informaram que não receberam nenhum dinheiro pelo reflorestamento das espécies de árvores de crescimento rápido e frutíferas que plantaram para o projeto.

- Escolha inadequada de espécies de árvores para reflorestamento
Members of the community of Maa exposed that the fast-growing species chosen by the project, like acacia and eucalyptus, are not in the interest of the communities. Women argued that they collect dead wood as firewood to cook for their families and do not need acacia or eucalyptus trees for that.

- Sem pagamento pela manutenção de estradas
Embora tenham trabalhado na manutenção de estradas e finalizado sua tarefa claramente definida, os membros da comunidade de Komambi não foram pagos por esse trabalho. Pessoas que vivem nas comunidades de Maa, Camp Molart e Komambi relataram o mesmo problema, explicando que representantes do projeto chegaram a assinar os documentos atestando a finalização de seu trabalho, mas, mesmo assim, elas não receberam o pagamento.

- Pagamentos atrasados ​​por “serviços ambientais”
O trabalho de membros da comunidade de Bosina, classificado como “serviços ambientais” (proteger a savana, contendo incêndios florestais) não foi pago por duas temporadas. As comunidades de Masiambio, Lovwa, Komambi, Bompensole, Mbala II e Maseke também relatam atrasos no pagamento por seu trabalho de combate aos incêndios florestais. Em junho de 2019, depois de sofrer com a escassez de alimentos por ter tido que abandonar suas plantações para trabalhar no combate a incêndios florestais e pela alocação de terras no âmbito dos Planos de Gestão de Recursos Naturais, e porque ainda não haviam recebido os pagamentos, as comunidades decidiram protestar queimando savanas que deveriam proteger dentro do projeto. Na comunidade de Maa, o presidente do CDL, que assinou o contrato com o projeto de REDD+ em torno desses pagamentos, acrescentou que se sente ameaçado por essa situação. As comunidades de Masiambio, Lovwa, Bosina, Bompensole, Komambi e Maseke também reclamaram do atraso no pagamento por fazer aceiros.

- Contratos de pagamento decididos unilateralmente pelo WWF
O presidente do CDL em Komambi explicou que os contratos do projeto de REDD+ para pagar os membros da comunidade por serviços prestados são decididos unilateralmente pelos proponentes do projeto. Ele explicou que não teve assistência para que pudesse avaliar, com a comunidade, os termos dos contratos propostos pelo projeto. Membros da comunidade Lovwa acrescentaram que, embora não haja estipulação de multa ou valor ajustado a ser pago em caso de atrasos nos pagamentos do projeto, o contrato prevê penalidades para as comunidades que não cumprem bem o seu trabalho, no caso, o combate a incêndios florestais.

- Pagamentos extremamente baixos
Os membros da comunidade de Komambi reclamaram do pagamento muito baixo para combater incêndios florestais e fazer a manutenção dos aceiros: 5 dólares anuais por hectare. Na comunidade de Maa, também relataram que recebem muito pouco em troca de várias atividades do projeto em que estão envolvidos. Eles argumentaram que ganhavam muito mais com as atividades pastoris e agrícolas que costumavam desenvolver como meeiros antes do projeto. Explicaram que esse era um dos motivos para não fazer mais parte do projeto de REDD+.

- Falta de transparência na seleção dos facilitadores dos comitês e do presidente do CLD
Membros da comunidade da Lóvoa criticaram a falta de transparência na forma como os facilitadores dos diferentes grupos dentro do Comitê Local de Desenvolvimento (CLD) foram selecionados pelo projeto de REDD+. Muitas comunidades disseram que não tiveram a oportunidade de eleger os presidentes de seus comitês. Também desaprovaram a falta de relatórios financeiros dos CLDs para as comunidades. Essas questões foram comunicadas ao WWF, mas a ONG não interveio, e os problemas continuam.

- Exacerbando antigos conflitos de terras
Os promotores do projeto de REDD+ exacerbaram um antigo conflito de terras nas fronteiras entre as comunidades Komambi e Maa. Como parte da criação do Plano de Gestão de Recursos Naturais para cada comunidade, os promotores do REDD+ produziram um mapa que aloca parte das terras tradicionais da comunidade à comunidade de Maa, o que acabou reacendendo o antigo conflito de terras e resultou em um processo judicial.

- Criação de novos conflitos de terra
Um novo e delicado conflito de terras surgiu quando foram criados os mapas produzidos como parte do Plano de Gestão de Recursos Naturais para cada comunidade. A fronteira mostrada no mapa entre as aldeias de Mongana e Nkó estava incorreta. Embora as comunidades saibam exatamente onde fica a fronteira entre seus territórios tradicionais, as autoridades de ambas viram os mapas com os limites errados. Membros da comunidade de Nkó explicaram que isso gerou mais desconfiança entre as duas comunidades, também porque os promotores do projeto de REDD+ não revisaram os mapas para corrigir o problema. Outra reclamação relacionada à terra foi mencionada pelo chefe da Masiambio, que argumentou que seus direitos de posse sobre as terras tradicionais não foram respeitados. Da mesma forma, na comunidade Nkuru, as aldeias se recusaram a assinar a ata da validação do Plano de Gestão de Recursos Naturais porque ele alocava parte de suas terras à comunidade de Hebi. (3)

- Falta de informação e participação
Membros da comunidade de Bosina relataram que não participaram da elaboração de seu Plano de Gestão de Recursos Naturais. Em Komambi, as pessoas acrescentaram que nem foram consultadas sobre o projeto, e denunciaram que o WWF costuma usar outra comunidade, Maa, para representá-los. O chefe da comunidade Maa, por sua vez, disse que nunca deu permissão para o projeto. Após consultar os membros, ele decidiu escrever uma carta dizendo que a comunidade não deseja mais fazer parte do projeto de REDD+. Os moradores de Mongana afirmaram não saber o que é o projeto de REDD+ PIREDD/Plateaux, e os pesquisadores da comunidade descobriram que apenas 20% da população da aldeia consultada dentro do PIREDD/Plateaux já tinham ouvido falar de REDD+.

Um mecanismo de queixas disfuncional

Em teoria, os mecanismos de queixas devem se tornar ferramentas muito importantes nos casos em que surgem conflitos, ou melhor, um último recurso para que as comunidades possam ter alguma prestação de contas com relação aos direitos e benefícios sociais que foram prometidos e acordados. A disfuncionalidade exposta do mecanismo de queixas do Projeto de REDD+ PIREDD/Plateaux coloca em questão o real propósito desses mecanismos em projetos REDD+ em geral. Eles são realmente projetados para resolver conflitos que surgem da implementação do projeto? Quais são os interesses por trás do estabelecimento desses mecanismos?

Em 2014, quando o governo da RDC ainda estava na fase preparatória do processo de REDD+, o Banco Mundial pagou 5,2 milhões de dólares ao governo para operacionalizar as salvaguardas do REDD+, incluindo um mecanismo de queixas. Quatro anos depois, em 2018, o decreto governamental n° 047, de 9 de maio de 2018, estabelece o procedimento para a aprovação de investimentos em REDD+ na RDC e as salvaguardas e padrões a ser desenvolvidos. O decreto também afirma que um mecanismo de gestão de reclamações e recursos é um imperativo para o processo. Os padrões nacionais de REDD+ que aguardam validação incluem este, do princípio 3: As atividades de REDD+ devem minimizar perdas e danos, proporcionar reparação e implementar mecanismos para reparação justa e equitativa de qualquer perda e/ou dano sofrido pelas comunidades e outras partes interessadas. No entanto, de acordo com informações oficiais de 2020, o mecanismo ainda está em fase experimental.

Ainda assim, os promotores do REDD+ dão a impressão de que os mecanismos de queixas estão bem estabelecidos e funcionando. O Programa de Investimento Florestal do Banco Mundial (FIP) elaborou um modelo de como o mecanismo de queixas deve funcionar para seus projetos de REDD+, composto por sete etapas detalhadas de como as queixas devem ser recebidas, avaliadas, investigadas e tratadas. (4) O projeto de REDD+ PIREDD/Plateaux afirma que capacitou as comunidades para usar o mecanismo de queixas.

Mas as visitas de campo coordenadas pela APEM mostraram que as comunidades não foram devidamente informadas sobre esse mecanismo, não sabem como usá-lo e não têm a assistência nem a orientação necessárias. O resultado é que, na prática, o mecanismo não é realmente acessível para aqueles afetados negativamente pelo projeto de REDD+. As visitas também revelaram que as autoridades locais identificadas como entidades encarregadas de receber e encaminhar as reclamações não estão informadas e/ou não estão dispostas a cumprir essa função.

O mecanismo de queixas foi concebido sem que houvesse que consultar às comunidades que deveriam se beneficiar dele. Portanto, é projetado para beneficiar a parte contra a qual a queixa é apresentada. Nenhum mecanismo facilita às comunidades a apresentação de suas queixas, por exemplo, tendo as informações e os formulários disponíveis nos idiomas locais. Outro exemplo é que não existem definições claras sobre prazos, acesso às informações e transparência no procedimento geral. As visitas de campo também observaram que, entre as 26 aldeias visitadas, apenas os presidentes dos CLDs de Bosina e Nkô conheciam o mecanismo de queixas.

Tudo isso indica que a intenção e o interesse não eram realmente criar um mecanismo de queixas acessível. O resultado tem sido o fortalecimento de relações desiguais de poder e a criação de um mecanismo de fachada que só prejudica os denunciantes, ou seja, as comunidades. O desenvolvimento e a concepção do mecanismo de queixa é outro exemplo da abordagem de cima para baixo, que define toda a arquitetura do REDD+.

Testando o mecanismo

A equipe da APEM decidiu apoiar várias comunidades no teste do funcionamento do mecanismo de queixas. Eles ajudaram as comunidades a apresentar queixas oficiais às autoridades competentes, garantindo que as queixas fossem preparadas e apresentadas de acordo com as diretrizes do mecanismo. As comunidades em diálogo com a APEM optaram por se concentrar em questões como o reconhecimento dos direitos tradicionais à terra, a falta de espaço para as mulheres cultivarem seus alimentos, a seleção - feita de cima para baixo -  de espécies de árvores para reflorestamento, as formas não participativas de produção de mapas em cada uma das comunidades, a ausência de participação das comunidades no projeto, e a falta de informação adequada e/ou de consentimento das comunidades ao projeto de REDD+.

As comunidades de Komambi e Maa foram as primeiras a apresentar sua queixa à autoridade competente em Mushie, em 10 de novembro de 2019. Inicialmente, a queixa foi recusada, com a explicação de que o mecanismo ainda não estava operacional. Após a insistência dos reclamantes, a pessoa que não quis receber a queixa da primeira vez apresentou outro argumento: disse não ter orientação sobre como lidar com as queixas e que não havia recebido nenhuma até o momento.

Após 5 dias de insistência, a queixa foi finalmente recebida e uma confirmação foi entregue aos reclamantes. No documento de confirmação, no entanto, faltava um número de registro para identificar claramente a queixa que acabava de ser apresentada. Os reclamantes apenas receberam uma promessa verbal de que a queixa seria examinada. Aparentemente, nada aconteceu depois. Durante uma visita ao escritório do FIP em Kinshasa, em 18 de dezembro de 2019, para obter informações sobre o status da queixa, o responsável por “salvaguardas” afirmou não ter recebido nenhuma queixa.

Considerações finais

O caso do Projeto de REDD+ PIREDD/Plateaux mostra que todos esses anos e milhões de dólares gastos na suposta preparação dos países para a implementação de projetos de REDD+ em consonância com as salvaguardas adotadas nas conferências da ONU sobre o clima para prevenir conflitos e violações de direitos humanos foram, em grande parte, desperdiçados. Problemas sociais e conflitos locais têm surgido sistematicamente desde que os primeiros projetos de REDD+ tiveram início, há quase 15 anos (5). Além disso, uma análise preliminar do PIREDD/Plateau mostra que as atividades do projeto de REDD+ não reduziram a perda anual de florestas.

Este caso também mostra que os promotores de REDD+ definitivamente não estão preocupados com as comunidades e com o que elas têm a dizer sobre a defesa da floresta. Promotores do REDD+, como o Banco Mundial e o WWF, impõem suas próprias ideias e planos. Eles não parecem ter nenhuma preocupação com proteger as comunidades dos impactos sociais, culturais, econômicos e ambientais e das violações de direitos humanos em geral. As salvaguardas permaneceram burocráticas. Pior ainda, quando os conflitos existentes permanecem sem solução e os proponentes do REDD+ podem alegar que adotam padrões sociais e ambientais em seus projetos de compensação, abrem-se as portas para mais conflitos.

O resultado final é que os mecanismos de reclamação e as discussões em torno das salvaguardas parecem funcionar muito bem para garantir que os doadores continuem financiando esquemas polêmicos e propensos a conflitos como o REDD+. Esse falso mecanismo de reclamação cria a aparência de que haverá responsabilização quando algo der errado. A realidade é que não há intenção de assumir responsabilidades, porque os conflitos são inevitáveis ​​na realidade da implementação do REDD+, onde as comunidades são responsabilizadas pelo desmatamento e enfrentam a imposição de mudanças e restrições no uso da terra. Também se ignora que essas comunidades fazem uma boa gestão dessas mesmas florestas e as protegeram sem a intervenção de terceiros. Se essa é a intenção dos projetos de REDD+, por que alguém esperaria que um mecanismo de queixas funcionasse para resolver os próprios conflitos decorrentes daquilo que o projeto de REDD+ busca: restringir o uso da terra por parte das comunidades?


Prince LUNGUNGU
lungprince@gmail.com
APEM - Action pour la promotion et protection des peuples et espèces menacées (Ação para a promoção e proteção de povos e espécies ameaçadas), RDC

(1) Artigo baseado nas informações do relatório da APEM, não publicado, “Retour d’expérience de suivi des plaintes et recours des communautés locales dans la mise en œuvre de la REDD+ dans la Province de Mai-Ndombe en République Démocratique du Congo : Cas de PIREDD/Plateaux” (Avaliação do monitoramento de reclamações e apelos das comunidades locais na implementação do REDD+ na Província de Mai-Ndombe na República Democrática do Congo: Caso de PIREDD/Plateaux). As informações contidas no relatório da APEM são baseadas em várias visitas de campo feitas por membros da ONG em 2018 e 2019 às comunidades no projeto de REDD+ PIREDD/Plateaux. As visitas foram realizadas para entender se e como o mecanismo de reclamação do projeto está funcionando. Veja também “REDD-MINUS: The Rhetoric and Reality of the Mai Ndombe REDD+ Programme”, Norah Berk and  Prince Lungungu, December 2020
(2) WWF, REDD+: PIREDD-plateaux, an encouraging model in the fight against deforestation in the DRC.
(3) Dos 24 Planos de Gestão de Recursos Naturais que foram elaborados no território de Bolobo, nove foram validados/aprovados sem objeções, 11 foram validados/aprovados pelas comunidades sob a condição de que os erros fossem corrigidos e, em quatro casos, as comunidades se recusaram a aprovar os Planos devido à gravidade dos conflitos que haviam sido criados. Esses conflitos continuam até hoje.
(4) Programme d'investissement pour la Forêt de La Republique Democratique Du Congo PIF RDC.
(5) REDD: Uma coleção de conflitos, contradições e mentiras.