A mulher e a propriedade em Camarões: entre o direito e a realidade

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A força agrícola do continente

Em Camarões, assim como em muitos países africanos, as mulheres suportam cotidianamente, em várias áreas da sociedade, práticas que possam ser consideradas discriminatórias, principalmente quando se trata de propriedade da terra. “Para a nossa família, a mulher é um bem, como a cabana ou a plantação”, disse Léon Mba, líder do Congresso Pamue, em 1949. (1)

O problema da propriedade está no centro do debate em Camarões desde o lançamento da reforma anunciada pelo presidente da república na assembleia agropecuária, em 17 de janeiro de 2011. Além disso, também há a questão do acesso da mulher à propriedade, pois, como dizem os defensores dos direitos das mulheres, elas poderiam não querer ou não poder investir em terras das quais não são proprietárias. Além disso, segundo alguns defensores desses direitos, é necessário esclarecer essa situação, já que “a quase totalidade das mulheres não tem acesso a direitos formais de propriedade. Essa exclusão enfraquece a capacidade das mulheres de investir na exploração de suas terras”. O direito consuetudinário, por sua vez, aplica-se em um contexto predominantemente patriarcal, no qual a mulher não herda a terra e, portanto, não tem controle sobre ela. As mulheres africanas são responsáveis por 60% da produção e possuem apenas 1% das terras do continente, e os números se repetem em Camarões, onde as mulheres representam 70% da força de trabalho. (2) De acordo com estimativas recentes, as mulheres africanas (da África subsaariana) representam mais de 70% da força de trabalho agrícola no continente e produzem cerca de 90% dos gêneros alimentícios. Considerando-se que o direito consuetudinário só lhes dá acesso à terra, é necessário distinguir entre acesso, uso e controle. Nas áreas rurais, a terra é a principal fonte de renda e sustento. Portanto, na prática, a falta de controle expõe a mulher a uma grande insegurança e torna sua situação econômica muito precária, principalmente no contexto de transferência de terra em grande escala.

Este artigo tem quatro partes. A primeira trata do contexto do direito consuetudinário em Camarões; a segunda mostra como é difícil para as mulheres ter terras, devido ao peso das tradições; a terceira explica que essa dificuldade é agravada por mudanças no estado civil das mulheres; a última compara a situação das mulheres rurais com a das mulheres nas cidades grandes, no que diz respeito à propriedade imobiliária, a fim de mostrar que é urgente encontrar uma solução para o problema da posse da terra pelas mulheres rurais.

A evolução do regime de posse em Camarões e seu impacto sobre os direitos de propriedade das mulheres

Não poderíamos falar de direitos de propriedade das mulheres em Camarões sem examinar brevemente a evolução desse direito no país. Com efeito, o direito de propriedade nos Camarões é caracterizado pela coexistência do direito consuetudinário com o direito “positivo” ou “moderno”. O regime de propriedade camaronês distingue terras registradas e de propriedade privada daquelas não ocupadas, pertencentes ao Estado, mas usadas por comunidades tradicionais. Por outro lado, o decreto-lei de 1974 segundo o qual o registro é a única prova de propriedade, complica ainda mais a situação das comunidades rurais. Na verdade, o setor rural é regido principalmente pelo direito consuetudinário, que ainda não integrou a questão do título de propriedade. Nessa situação, o direito da mulher à propriedade é uma questão muito problemática e desintegrada.

A terra é um fator importante no processo de desenvolvimento e ocupa um lugar central na luta contra a pobreza das populações rurais. A legislação territorial camaronesa reconhece direitos iguais para homens e mulheres. No entanto, na prática, as mulheres estão sujeitas à marginalização originária de práticas tradicionais discriminatórias. São elas que possuem menos terra no mundo – apenas cerca de 10% – e enfrentam cotidianamente uma situação de dependência. Por isso, é preciso refletir sobre por que as mulheres rurais têm de enfrentar essa situação de discriminação e por que o fato de elas não poderem ser proprietárias de terras representa um problema nesse contexto.

Práticas patriarcais e dificuldade de acesso à terra para a mulher

Em áreas rurais, a terra é administrada coletivamente. Em Camarões, as mulheres têm um papel central nessa administração, mas são as primeiras afetadas pela insegurança territorial, o que enfraquece a sua capacidade de investir. Isso é explicado pela natureza discriminatória da gestão da propriedade rural. Em geral, a mulher não é proprietária da terra e, na maioria das vezes, recebe um pequeno lote emprestado para cultivar, mas a “propriedade” é de sua família ou de seu marido. As mulheres ignoram o direito escrito que rege seus direitos de propriedade, e também os usos e costumes as levam a uma espécie de autoexclusão em relação à gestão da propriedade na comunidade, que é percebida como uma questão de homens.

Parece claro que, no mundo dominado pelo costume, o individualismo não conta e tampouco há liberdade total no sentido que damos a essa palavra. Nessas sociedades, as mulheres parecem estar sujeitas aos homens e às obrigações impostas por eles. Seja na família do homem com quem ela se casou ou em sua própria família, elas estão sempre sob a autoridade dos homens. Só eles têm direito à terra, e esse direito é dividido entre os homens da família. Em Camarões, como na maioria dos países africanos, esses sistemas de gestão patriarcal existem nas aldeias, embora as mulheres levem adiante a luta para melhorar as condições de vida e, em sua maioria, sejam agricultoras que não dispõem de terra por causa dos costumes que as impedem de herdar. Em suma, elas não têm acesso direto à terra.

A mudança de estado civil das mulheres é um fator que altera seus direitos consuetudinários à propriedade?

O direito consuetudinário dá à mulher solteira um pedaço de terra que ela pode usar toda a vida, mas se ela decidir se casar, a terra vai para a herança de sua família de origem.

A mulher casada, por sua vez, adquire uso da terra através do marido, e não pode fazer todas as atividades que quiser; a maioria faz cultivos. Em geral, a mulher casada tem apenas usufruto da terra que ocupa. A questão da propriedade matrimonial não costuma surgir em áreas rurais, onde a maioria dos casais vive em concubinato ou pratica a poligamia. No entanto, é necessário conhecer o estado civil para determinar o grau de acesso e controle que as mulheres têm, pois costuma haver interações entre todas as leis, sejam religiosas, consuetudinárias, civis ou outras.

A situação da viúva varia se ela tiver filhos ou não. Quando tem, sua família do marido falecido pode expulsá-la e lhe retirar as terras. Assim, a condição para que possa continuar usando a terra é ter filhos. Em Ndikibil, por exemplo, uma vila da cidade de Ndikinimeki, como em muitas outras regiões do Camarões, quando uma mulher perde o marido, é comum a família dele lhe tirar as terras. Mesmo quando ela teve filhos, a decisão depende muitas vezes da ganância dos parentes de seu falecido marido, que podem argumentar que ela só teve filhas ou que os filhos homens são jovens demais para reivindicar para si o direito à terra do pai.

A fragilidade dos direitos é, portanto, uma consequência da aplicação de regras consuetudinárias, justificada pela necessidade de preservar o patrimônio tradicional. Os motivos alegados pelas autoridades tradicionais são, entre outros:
• a situação das mulheres não é estável; mais tarde, ela deve se casar;
• o homem prevalece sobre a mulher por sua condição de chefe de família;
• as práticas tradicionais só dão à mulher o direito de trabalhar a terra, mas não de ser sua proprietária;
• a mulher que possui terras pode ser facilmente enganada e dá-las ao homem por quem se apaixonar.

Assim, segundo os guardiões da tradição, a exclusão das mulheres em matéria de sucessão seria uma maneira de preservar a herança da família.

A relação entre governo territorial e direito consuetudinário para as mulheres

Em termos de propriedade, as mulheres que vivem nas cidades têm situação diferente das que vivem no campo. Mesmo que a terra pertença tradicionalmente aos homens, que têm direito a herdá-las e administrá-las, as mulheres que vivem na cidade e têm meios financeiros podem comprar terras como homens. Isso é cada vez mais comum nas cidades, no caso de mulheres solteiras e mulheres casadas em regime de separação de bens. O mesmo não acontece nas áreas rurais, porque a sociedade das aldeias é patriarcal e são os homens que herdam a terra e decidem como usá-la. Essa situação continua a existir mesmo que a Constituição de 1996 garanta o direito de propriedade, independentemente do sexo, e a lei não especifique nada de diferente a esse respeito quando define o direito à propriedade da terra. Isto nos faz ver até que ponto o costume é importante e prioritário na propriedade em áreas rurais, mesmo quando a lei parece limitar sua influência ao defender a igualdade para todos e a não discriminação.

A situação das mulheres no meio rural resume o estudo de seus direitos patrimoniais, pois elas vivem sob tutela permanente. O regime de propriedade consuetudinária de Camarões, como é hoje, não reconhece o direito das mulheres à propriedade da terra; a opinião da mulher importa muito pouco quando se trata de questões territoriais porque, de acordo com os defensores do direito tradicional, ela está constantemente mudando de estado. Além disso, existe uma clara diferença entre a jovem solteira e a mulher casada: enquanto se pode aceitar que a primeira tenha, de certa forma, uma maior capacidade porque sua família pode lhe dar o usufruto de um lote, a segunda é sempre considerada uma estranha por sua família do marido, nunca se separa completamente de sua própria família, e está sempre pronta para partir em caso de divórcio ou morte do cônjuge.

Conclusão

Em vista da análise sobre a situação da posse da terra para as mulheres em Camarões, parece claro que seria necessário encontrar uma maneira de conciliar o direito consuetudinário e o direito escrito, para que as mulheres pudessem desfrutar de segurança e, ao mesmo tempo, tomar precauções para evitar que a aldeia perca seu patrimônio tradicional. Certamente devemos olhar além das reformas políticas e adotar uma verdadeira mudança de comportamento, tanto homens quanto mulheres, no que diz respeito ao direito da mulher sobre a terra, uma vez que os direitos de propriedade das mulheres são essenciais não só para elas próprias, mas também para garantir a segurança alimentar coletiva.

Michèle ONGBASSOMBEN, michelebatende@yahoo.fr
Centre pour l'Environnement et le Développement (CED), www.cedcameroun.org

(1) Citado por G. Baladier em “Sociologie de l’Afrique noire”, PUF, 1955.
(2) MINADER/DESA/AGRI-STAT Nº 16, http://www.minader.cm/uploads/DESA/AGRI-STAT%2016.pdf