África: onde o óleo de dendê ainda é fonte de vida

Nos dias de hoje, com tantas empresas saltando para o negócio de plantações de dendezeiros, e com áreas cada vez mais extensas de florestas sendo transformadas em monoculturas, é fácil ignorar as origens e os usos tradicionais da palmeira do dendê. O fato é que dezenas de milhões de pessoas na África, o centro de origem do dendê, contam com essa palmeira para obter alimento e meio de subsistência. E a árvore e seu uso tradicional são de particular importância para as mulheres. Para elas, o óleo de dendê é um ingrediente essencial em pratos locais, uma fonte de medicina tradicional e rações para animais. As comunidades africanas usam todas as partes de um dendezeiro tradicional, das raízes aos ramos, para produzir tudo, de vinho e sopas a sabões e unguentos, e até mesmo toda uma gama de têxteis e materiais domésticos. No entanto, a concentração global de terras para plantações industriais de dendezeiros põe em grande risco essas pessoas, os dendezeiros de que elas cuidam e seus sistemas tradicionais de uso e produção.Uma história da diversidadeOs dendezeiros têm origem na África. E foi nessa região que a planta logo se tornou parte dos sistemas alimentares, das economias e das culturas locais. Segundo uma pesquisa da ONG GRAIN, nas canções tradicionais de vários países da África Ocidental e Central, o dendezeiro é chamado de “árvore da vida”.

Na África, a maior parte dos dendezeiros ainda é cultivada em pomares dentro de florestas mistas. Esses pomares costumam ser cuidados por uma família específica, que colhe os frutos, e isso passa de geração em geração. Esses pomares semisselvagens são encontrados em grandes regiões da África, desde o Senegal, no oeste, até o extremo sul de Angola, e às margens dos lagos Kivu e Tanganica, na costa leste africana, e mesmo na costa oeste de Madagascar. A Nigéria tem a maior área de dendezeiros selvagens ou semisselvagens do continente, com mais de 2,5 milhões de hectares. Os agricultores da África Ocidental e Central também cultivam dendezeiros, misturando-os com outras culturas, como banana, cacau, café, amendoim e pepinos.

É extremamente difícil encontrar dados confiáveis ​​sobre a área coberta por dendezeiros cultivados em sistemas tradicionais na África, devido 1) à dificuldade de separar áreas florestais – com dendezeiros como um dos componentes de pomares naturais de palmeiras, onde eles constituem a única ou a principal espécie de árvore, 2) à dificuldade de distinguir entre grupos de palmeiras selvagens e pomares de dendezeiros que fazem parte das práticas agrícolas de comunidades locais há séculos (alguns naturais, outros plantados), 3) à dificuldade de classificar grupos de dendezeiros como plantações pertencentes a famílias (que podem ou não vender o fruto para uma unidade de processamento industrial) ou como plantações geradas a partir de vínculos contratuais com uma unidade de plantação industrial, 4) à existência de plantações industriais abandonadas, que estão sendo usadas pelas comunidades locais como se fossem grupos naturais de palmeiras e 5) à falta de levantamentos atualizados sobre esses dendezeiros naturais, pequenas plantações e plantações industriais (Veja a publicação “Oil Palm in Africa”, do WRM).

De acordo com a GRAIN, o tipo de dendezeiro cultivado na África também é bem diferente daquele cultivado em outros lugares. A maior parte do óleo de dendê da África é produzida a partir da variedade tradicional dura, que cresce em áreas selvagens, e não dos cruzamentos de alto rendimento usados nas plantações. Muitos camponeses africanos a preferem porque ela faz menos sombra e, portanto, não impede o crescimento de outras culturas em suas terras. Eles também optam por ela pela qualidade do óleo que produz, que é vendido por um preço melhor em mercados locais.

Nos mercados locais da África Central e Ocidental, a qualidade do óleo de dendê costuma ser julgada por sua cor. As mulheres africanas dizem que o óleo extraído de dendezeiros tradicionais é melhor porque tem uma cor vermelha mais intensa do que o extraído das variedades modernas. No Benim, o óleo tradicional é vendido 20 a 40% mais caro nos mercados do que o de variedades modernas. As mulheres que usam o óleo cultivado tradicionalmente também dizem que seus molhos tradicionais feitos com amêndoas de dendê cozidas têm uma textura mais leve e, portanto, melhor, quando são feitos com as amêndoas tradicionais do que com as modernas.

O óleo de dendê na Costa do Marfim

Há muito tempo, o dendê é o óleo vegetal preferido na Costa do Marfim. O marfinense médio consome cerca de 10 quilos dele por ano. É usado não só para fritar, mas também como ingrediente principal em muitos pratos locais, como quiabo e vários molhos, e diversos pratos feitos com bananas ou fufu. O óleo de dendê dá a esses alimentos um sabor e uma cor especiais, que são altamente valorizados na culinária do país. As importações e o óleo de dendê altamente refinado de plantações industriais e fábricas modernas tomaram uma fatia desse mercado dos produtores tradicionais. Mas, apesar de preços mais elevados, os consumidores permanecem leais ao óleo tradicional, mesmo nas cidades.

Dendezeiros em Camarões

De acordo com Marie-Crescence Ngobo, da RADD, todas as partes do dendezeiro, incluindo seus derivados, são matérias-primas para fabricar remédios indígenas. O povo yambassa, em Mbam, usa as folhas dos dendezeiros tradicionais para tratar a cárie dentária. O vinho de dendê, misturado com vários outros ingredientes, é usado como remédio para impotência masculina, clamídia, infecção por gonococos, dor de estômago, icterícia e sarampo.

Os mveles, uma subtribo Beti, preparam uma refeição com as amêndoas para as novas mães, já que ela estimula o fluxo de leite. Outros usos incluem o óleo de amêndoa de dendê preto, que é usado em cuidados com pele e cabelo, e é um ingrediente indispensável e muito usado em fórmulas para recém-nascidos. Além disso, o carvão feito a partir da amêndoa também serve como clareador de dentes, e as comunidades no sul de Camarões o usam como pasta de dentes. As cinzas da casca da árvore queimada aliviam furúnculos.

Extrato de uma canção beninense (traduzida)
O que você pode tirar da minha canção
É isto: que o dendezeiro ali de pé,
Quem pretender se beneficiar dele deveria cuidá-lo e adorá-lo
Olhe as suas folhas, que são usadas para fazer vassouras
Olhe as partes, que são usadas para fazer cordas e tirar água do poço
A partir do dendezeiro, você obtém ramos e bolos
No mesmo dendezeiro, há grandes galhos que seguram frutos
Olhe os líquidos que ela produz: óleo de dendê e vinho
Quem quiser se beneficiar,
deve saber que obtemos o óleo de melhor qualidade desses frutos;

** Este artigo foi extraído de “A long history and vast biodiversity”, GRAIN, 22 de setembro de 2014, https://www.grain.org/article/entries/5035-a-long-history-and-vast-biodiversity