Atividades de mineração e proteção ambiental em Madagascar

 

Em Madagascar, uma grande ilha de 587.000 km2 no Oceano Índico, famosa por sua biodiversidade excepcional e por sua riqueza em minerais no subsolo, mais de seis milhões de hectares são classificados atualmente como áreas protegidas para a conservação da natureza. No entanto, as áreas de mineração também são numerosas e estão em expansão. Portanto, às vezes, esses dois tipos de espaços são próximos ou sobrepostos.

A partir de alguns fatos e exemplos, este artigo destaca situações em que esses interesses se chocam, a maneira em que os conflitos foram geridos pelos tomadores de decisão malgaxes e por seus parceiros de discussão. Esta reflexão trata das consequências desses processos de gestão para as comunidades locais.

No ciclo de um projeto de mineração, de acordo com a regulamentação malgaxe, a concessão de uma licença ambiental deve acontecer entre a concessão de licenças para pesquisa e para exploração. Essa licença ambiental é complementada por termos e condições relacionados ao plano de gestão ambiental do projeto de mineração.

As questões fundamentais em jogo

Até agora, a Agência Nacional do Meio Ambiente (ONE, na sigla em francês), que é responsável pela concessão das licenças ambientais, ainda não publicou qualquer informação relativa à recusa de uma licença ambiental solicitada por uma empresa de mineração.

Atualmente, no Sudoeste de Madagascar, a licença ambiental dada pela ONE para o projeto Toliara Sandst é um tema polêmico, pois seu principal acionista, a empresa australiana World Titanium Resources Ltd, obteve uma licença de exploração em 2012, sem ter a licença ambiental exigida pela legislação nacional, e isso durante o período do Governo de Transição (2009-2014), que não tinha autorização para tomar esse tipo de decisão de longo prazo. Além disso, a construção de estradas para o transporte da ilmenita extraída até o porto certamente levará ao desmatamento da floresta de Mikea, uma área protegida onde o povo Mikea depende totalmente da colheita, da caça e do uso de recursos florestais para sua sobrevivência.

Theo Rakotovao, artista local mundialmente conhecido, é presidente da associação jovem MA.ZO.TO, criada em outubro de 2014 pelos representantes das comunidades afetadas pelo projeto Toliara Sands e seus aliados, para defender e reivindicar seus direitos econômicos, sociais e culturais. Eles trabalham em conjunto com a associação do povo Masikoro, um grupo de pastores da região. Essas associações resistiram à licença ambiental do projeto Toliara Sands durante as consultas públicas realizadas desde outubro de 2014, e manifestaram sua rejeição, a fim de proteger a biodiversidade, a beleza, a cultura e os recursos naturais existentes e, mais importante, os meios de subsistência dos habitantes (1). Os impactos ambientais e sociais da extração de ilmenita já são conhecidos e foram amplamente divulgados por um documentário intitulado “Eu quero a minha parte da terra – Madagascar” (Je veux ma parte de terre – Madagascar), que descreve as realidades das comunidades na área de mineração QIT Madagascar Minerals (QMM), da Rio Tinto, no sudeste de Madagascar. Apesar dessa forte resistência, o projeto Toliara Sands obteve a licença ambiental em junho de 2015.

Durante uma conferência seguida de um debate em Paris, dois membros da diretoria da associação MA.ZO.TO. afirmaram que, em termos de proteção ambiental em Madagascar, “os principais interessados usam dois pesos e duas medidas. Quando pequenos agricultores praticam corte-e-queima e vendem carvão para sobreviver, eles [os interessados] dizem que a floresta é protegida, mas quando as empresas multinacionais destroem centenas de hectares de florestas para suas atividades de mineração, as florestas não são mais protegidas”. Nesse caso específico, a ONG WWF, que tinha feito o manejo da conservação da natureza na região de Toliara por muitos anos e dava lições em todo mundo sobre proteção das florestas, afastou-se da área protegida para deixar o terreno livre para o Projeto Toliara Sands (2).

Além disso, no noroeste de Madagascar, uma empresa alemã chamada Tantalus Rare Earths recebeu uma concessão de mineração de 300 km2 para a exploração de terras raras na península de Ampasindava. A empresa também obteve a licença de exploração durante o período do Governo de Transição. Em 2012, a empresa assinou uma carta de intenções para cooperação técnica com a empresa química francesa Rhodia (3) e, mais recentemente, um contrato de compra futura, de dez anos, com o grupo industrial alemão ThyssenKrupp (4). A mídia internacional escreve com frequência sobre o sucesso “da Tantalus em arrecadar fundos para sustentar seu projeto” (5).

Será que a Tantalus ousa levar adiante esses compromissos porque já garantiu o compromisso informal dos tomadores de decisão com as atividades de extração, não importando os riscos para o meio ambiente? Fotografias de locais de exploração de terras raras na China mostram a extrema gravidade dos danos ambientais causados ​​pela extração e dão motivo para muita preocupação com as atividades futuras da empresa.

Na verdade, foi criada uma área protegida na península de Ampasindava. O plano de desenvolvimento e gestão da Área Natural Protegida de Ampasindava-Galoko-Kalobinono para 2015-2020, que descreve as florestas e outros recursos naturais na área, menciona os riscos provocados por “um projeto de mineração industrial”, sem mencionar o nome da empresa nem os produtos em questão (6).

A ONG internacional Missouri Botanical Garden Madagascar é responsável por essa área protegida, que deveria existir com base em uma coexistência pacífica com a empresa de mineração. Mas como pode haver essa coexistência sem um impacto sério sobre a área protegida, considerando-se os interesses diferentes? Grupos comunitários locais expressaram o receio de perder suas terras e colheitas.

Um evento dramático ocorreu na região ocidental de Madagascar, onde um projeto de extração de ferro operado por uma empresa chinesa Madagascar Wuhan Iron and Steel Corporation, conhecida como WISCO, levou a um alerta em 2012 (7): a construção da uma estrada e um porto constitui um alto risco de destruição para o Parque Nacional de Baly Bay (8), em Soalala. As comunidades locais ficaram especialmente preocupadas com a questão, já que vários rios que fluem às aldeias vizinhas têm origem dentro do parque. As discussões que aconteceram entre a ONG de conservação da natureza que faz a gestão do parque e os defensores dos interesses da empresa não foram divulgadas. Em dezembro de 2014, os meios de comunicação malgaxes relataram um incêndio, provavelmente criminoso, que durou nove dias e destruiu 220 hectares do parque nacional (9). O incêndio teria resolvido parte do problema? As investigações sobre esse incêndio levarão à identificação e à sanção dos culpados e das pessoas por trás deles?

Empresas de mineração responsáveis ​​pela gestão e a proteção da biodiversidade?

Na região Oriental, a empresa Ambatovy, uma joint-venture entre as canadenses Sherritt e SNC-Lavallin, a japonesa Sumitomo Co e a sul-coreana Korea Resources Co, extrai níquel e cobalto desde 2013. A Ambatovy ganhou o “Nedbank Capital Sustainable Business Award” em 2014, na categoria “Recursos e Energia Não Renovável”, devido ao seu Programa de Biodiversidade em Madagascar (10). Algumas organizações da sociedade civil malgaxes citaram o exemplo dessa empresa para argumentar que a transferência da gestão da área protegida às empresas de mineração pelo Estado é inadequada, devido a uma questão fundamental ligada a produtores de agrião. Os camponeses que cultivam agrião dependem do acesso a um pequeno rio que atravessa a área protegida gerida pela Ambatovy. Três deles foram presos e acusados ​​de ter introduzido uma nova espécie na área protegida. Essas pessoas e suas famílias vêm plantando agrião no rio durante décadas. A decisão do tribunal libertou os três homens da cadeia, enquanto as 40 famílias que costumavam cultivar agrião no rio já não tiveram autorização para continuar e receberam indenizações de valores desconhecidos (11).

A QIT Madagascar Minerals (QMM) vem extraindo ilmenita no sudeste de Madagascar desde 2009. A multinacional anglo-australiana Rio Tinto tem 80% das ações da QMM, e 20% estão em poder do Estado malgaxe. Toda a área que contém ilmenita abrange 4.000 hectares, mas a área concedida à QMM-Rio Tinto é mais importante, já que parte dela foi dedicada à conservação da natureza. Investigações de campo resultaram em um documento intitulado “O nexo de mineração-conservação Rio Tinto. ‘Presentes’ do desenvolvimento e compensação contestada em Madagascar” (12), cujo autor escreve que o acesso à terra conecta os domínios aparentemente separados de conservação da natureza e extração mineira. A QMM também vem explorando ilmenita no local de mineração de Mandena, enquanto a extração em Petriky e Sainte Luce parece ter sido adiada devido ao baixo preço atual da ilmenita no mercado global. Todos os três locais foram declarados áreas protegidas em maio de 2015, ou seja, bem depois de a QMM receber suas concessões de mineração sobre as áreas. Em Mandena, as comunidades locais já haviam perdido o acesso à área quando a mineração começou, mas em Petriky e Sainte Luce, a mineração ainda não começou, e, portanto, a área deve permanecer disponível para uso local. A declaração desses locais como áreas protegidas já facilitou a restrição ao uso da comunidade, mesmo sem qualquer mineração ativa sendo realizada.

Considerações finais

Esses casos são exemplos das questões em torno de atividades de mineração e proteção ambiental em Madagascar. Algumas empresas deram início à extração sem qualquer licença ambiental. A fragilidade das capacidades e dos meios das instituições governamentais e estatais malgaxes para avaliar adequadamente os impactos ambientais é um dos motivos que levaram as organizações da sociedade civil e outras estruturas a exigir que o governo malgaxe suspendesse qualquer nova concessão da licença de exploração para mineração, para que se tivesse tempo de melhorar a regulamentação do tema segundo os interesses nacionais malgaxes.

Como mostrou a pesquisa de campo, restringir o acesso das comunidades locais às áreas protegidas não interrompe o desmatamento e pode aumentar a pobreza em alguns lugares. Estão sendo implementadas avaliações sobre os diferentes tipos de gestão florestal e de recursos naturais, incluindo diferentes métodos de financeirização da natureza aplicados em Madagascar.

A vontade do governo e dos tomadores de decisões malgaxes de proteger os direitos e interesses das comunidades locais quando se discute com empresas de mineração e multinacionais continua sendo uma questão importante a ser discutida.

Mamy Rakotondrainibe
Coletivo para a Defesa das Terras malgaxes – TANY

  1. http://www.madagate.com/madagascar-informations-politiques-malagasy-photos-madagascar/a-la-une-de-madagascar/madagate-video-et-affiche/4781-madagascar-environnement-sos-du-peuple-masikoro.html
  2. http://terresmalgaches.info/spip.php?article98
  3. http://www.mpe-media.com/index.php?option=com_content&view=article&id=398:accord-rhodia-tantalus-re&catid=37:actus-en-libre-acces&Itemid=18
  4. http://www.dgap.de/dgap/News/corporate/tantalus-rare-earths-tantalus-signs-supply-contract-with-thyssenkrupp/?companyID=360541&newsID=870713
  5. http://www.agenceecofin.com/mining/1107-30584-madagascar-tantalus-raises-funds-for-its-rare-earths
  6. http://www.mrpa.mg/sites/default/files/download/Etudes/PAG/PAG%20Ampasindava-Galoko-Kalobinono.pdf
  7. http://terresmalgaches.info/spip.php?article71
  8. http://www.madagascar-tribune.com/Un-port-dans-la-Baie-de-Baly,17361.html
  9. http://www.midi-madagasikara.mg/societe/2014/12/19/parc-national-de-la-baie-de-baly-soalala-222-ha-de-forets-et-des-especes-protegees-partis-en-fumee/
  10. http://www.sherritt.com/press-releases/sherritt-wins-prestigious-nedbank-capital-sustainable-business-award-for-achieve-tsx-s-201411050977220001
  11. http://sif-mada.mg/wp-content/uploads/2014/01/Communiqu%C3%A9-de-presse_Anandrano_Ambatovy_24-mai.pdf
    http://sif-mada.mg/wp-content/uploads/2014/01/Communiqu%C3%A9-de-presse_Anandrano_Ambatovy_7-juin.pdf
  12. C. Seagle, The mining-conservation nexus Rio Tinto. Development ‘gifts’ and contested compensation in Madagascar, LDPI, 2013,http://www.iss.nl/fileadmin/ASSETS/iss/Research_and_projects/Research_networks/LDPI/LDPI_WP_11.pdf
  13. http://www.lexpressmada.com/blog/information-live/region-anosy-trois-nouvelles-aires-protegees-dans-la-zone-dilmenite-33567/