Guatemala: Isla Chicales – as terras estatais devem ser manejadas pelas comunidades

A comunidade de Isla Chicales, situada em Nueva Concepción Escuintla, compõe-se de cerca de 140 famílias que direta e indiretamente se beneficiam da pesca e outros bens do ecossistema de mangue. Há vários anos, quando se deram conta da degradação do ecossistema, elas implementaram ações e medidas para sua conservação, como a autorregulação comunitária da pesca e da caça e o reflorestamento do mangue em áreas alteradas.
Geograficamente, Isla Chicales não é uma ilha, e seu nome faz referência ao fato de estar cercada por fontes de água por todos os lados. Mas as terras úmidas e os manguezais dessa comunidade estão realmente sendo isolados e degradados por um intenso processo de concentração de terras destinadas ao monocultivo de melancia, cana de açúcar, banana, dendê e a fazendas de camarão.

Como consequência disso, os habitantes locais vão ficando sem possibilidade de semear seus alimentos, arrendar as terras ou ter acesso aos pesqueiros locais, gerando uma dramática situação de perigo para as famílias pescadoras e camponesas, que estão perdendo seus meios de vida e subsistência e sua soberania alimentar.

Em uma viagem realizada no mês de maio por representantes do Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais e da Redmanglar Internacional, foi possível constatar o impacto dos monocultivos sobre os meios de vida locais. Foram recolhidos testemunhos de moradores, que enfatizaram os problemas ocasionados pela expansão da cana de açúcar, como a concentração de terras, o uso e o abuso das fontes de água, incluindo desvio e represamento dos rios, uso de agrotóxicos e os impactos provocados pela queima da cana.

Quando consultamos os moradores locais sobre o que significa o mangue para as comunidades costeiras, eles responderam:

- refúgio para os peixes
- barreira contra os maremotos
- gerador de um bom ambiente para viver (microclima)
- fonte de lenha e madeira para nossas casas
- proporciona trabalho para as mulheres (pesca)
- grande biodiversidade
- pesca de subsistência e comercial em pequena escala
- estreita relação com os estuários (pesca)
- fonte de alimentação sadia, pois todos, até o mais pobre e o mais idoso, podem ter acesso,”

“É nossa vida, é daí que comemos e vivemos” foi a conclusão de um dos representantes locais, que teve total aprovação de seus pares.

Por outro lado, a partir de uma visita recente dos membros do Conselho Diretor da Redmanglar Internacional, realizou-se uma avaliação dos impactos ambientais que vivenciados em Isla Chicales a partir da chegada dos monocultivos agrícolas e das fazendas de camarão, dos quais se destaca que:

- Essas atividades não respeitam a legislação ambiental, represam rios e fontes d’água, cortam árvores, inclusive aquelas consideradas protetoras da água e do solo, como o mangue, que é uma espécie protegida, despejam resíduos sem tratamento nos rios.

- Além disso, degrada-se a faixa hidrorreguladora ao redor dos estuários. O avanço contínuo da fronteira agrícola teve como resultado a violação gradual da norma que estipula respeitar 50 metros da vegetação natural em ambas as margens dos rios como forma de conservar minimamente a faixa hidrorreguladora responsável por proteger o rio da erosão dos solos e, portanto, do fechamento de partes do rio e de estuários na zona costeira. A redução da capacidade de autodepuração desses ambientes acaba por provocar a morte do mangue, com impactos sobre a fauna associada e, como resultado, as comunidades locais.

- Os impactos provocados sobre o ecossistema de mangue geram uma perda de biodiversidade, em função do significado dessa formação vegetal para o ciclo de vida dos ecossistemas costeiros e as bacias hidrográficas. Também deixam os ecossistemas costeiros mais vulneráveis diante de alguns dos efeitos da mudança climática, como a elevação do nível do mar e a resultante penetração na costa, diminuindo a capacidade do manguezal de reduzir o perigo de inundação, mitigar a intrusão marinha e, por consequência, a salinização dos aquíferos. Além disso, a deterioração do mangue diminui significativamente a produção de nutrientes para as espécies marinhas, reduzindo assim, de maneira sensível, as populações dessas espécies que servem de sustento às comunidades locais.

O papel das comunidades locais na defesa do manguezal

A entrega de vastas áreas de mangue a interesses particulares por parte da OCRET (Agência de Controle das Áreas de Reservas Territoriais do Estado, na sigla em espanhol), implicou um aumento da concentração de terras e da perda da soberania alimentar das populações locais. Anos atrás, a OCRET cedeu mais de 250 hectares de manguezal ao empresário José Bonilla, fazendeiro dedicado à plantação de melancia. Como consequência disso, as famílias que residem em Isla Chicales viram limitado seu acesso e seu uso do ecossistema do mangue.

Diante de um novo episódio de degradação do ecossistema em seu território por parte de um fazendeiro dedicado à plantação de cana de açúcar, a comunidade de Isla Chicais, junto a outras comunidades locais e com o apoio da prefeitura de Nueva Concepción, respondeu por meio de uma denúncia legal.

Eles conseguiram influenciar o Ministério do Meio Ambiente, o Instituto Nacional de Florestas (INAB, na sigla em espanhol) e o Conselho Nacional de Áreas Protegidas (CONAP). Como resultado de suas denúncias, as atividades na propriedade responsável pela degradação das terras úmidas e do mangue foram interrompidas pouco antes de se plantar a cana. Seus responsáveis tiveram que assinar uma ata de compromisso onde se obrigavam a reflorestar o mangue afetado e a deixar uma faixa de terreno sobre a terra úmida, onde não se poderia semear cana. Para a comunidade de Isla Chicales, esta semeadura de mangues em uma faixa de 6 metros de largura por uns dois quilômetros e meio de comprimento, realizada no primeiro semestre de 2013, foi uma grande conquista. A faixa de mangue também protegerá a comunidade de possíveis inundações no futuro.

Em resposta ao significativo avanço da concentração de terras nos últimos anos, a Coordenadora Guatemalteca para a Defesa dos Manguezais e da Vida – COGMANGLAR – a Redmanglar Internacional e o Conselho Comunitário de Desenvolvimento – COCODE – de Isla Chicales, analisam a possibilidade de que as comunidades locais possam ter acesso a terras estatais e arrendá-las, já que a maior parte da zona costeira guatemalteca pertence ao Estado (chegando até cerca de três quilômetros terra adentro).

Com essa iniciativa, as comunidades costeiras estariam contribuindo com seus conhecimentos sobre o uso, o manejo e a conservação do mangue, ao mesmo tempo em que protegem um dos ecossistemas mais ameaçados do país.

Carlos Salvaterra, Secretário-executivo da Redmanglar Internacional, email: salvaterraleal@gmail.com. Com informações obtidas na saída de campo realizada por WRM, Redmanglar e Cogmanglar, em maio de 2013, e da visita realizada pelo Conselho Diretor da Redmanglar em junho de 2013.