Incentivando a perda de biodiversidade: Biomassa para Biocombustíveis, Bioenergia, Biochar e as Tecnologias da nova Bioeconomia

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Resumo da questão

A bioenergia e os biocombustíveis em escala industrial, com suas novas demandas por madeira, produtos agrícolas e outra biomassa vegetal, vêm provocando impactos sérios e irreversíveis na biodiversidade, e em especial nas florestas. Movidos por investimentos estrangeiros, vastas áreas de terra estão se tornando matéria- prima para a bioenergia no Sul, minando os direitos dos Povos Indígenas, a soberania alimentar, a reforma agrária e os direitos territoriais. O discurso da CDB “para promover os impactos positivos e minimizar os negativos da produção de biocombustíveis” deve ser substituída por um apelo para dar fim a todos os perversos incentivos que estimulam a expansão da produção industrial de bioenergia.

O que está em jogo?

As indústrias se juntam para formar a nova bioeconomia
Os biocombustíveis e a bioenergia aparecem como a base energética do “conhecimento baseado na bioeconomia (KBBE)”, fundado na idéia da substituição dos combustíveis fósseis como fonte de energia e outros produtos com biomassa. As principais indústrias, incluindo as indústrias da biotecnologia GM, do agronegócio, a automotriz, petroleira, madeireira, do papel e celulose, todas vêem o lucro potencial na “nova bioeconomia” e o desenvolvimento da química vegetal. A UE e os EUA continuam promovendo a bioeconomia enquanto a Índia, o Brasil e a China estão entre aqueles que a exploram. A expansão da bioenergia (biocombustíveis e biomassa) industrial em grande escala faz parte de uma agenda política que diz que aborda a mudança climática e a segurança energética, mas compromete seriamente os usos tradicionais e em pequena escala.

Os objetivos bioenergéticos só dos EUA e da UE estão aumentando a demanda tão drasticamente que já grandes regiões do Sul estão se transformando em plantações industriais de monoculturas e lavouras energéticas para a exportação. Enquanto isso acontece em nome da redução das emissões dos gases de efeito estufa, o ciclo vital representa mais processos bioenergéticos que incluem o transporte de combustíveis e a queima para obter eletricidade indica um  aumento total das emissões    . A promoção do biochar (transformação de biomassa em carvão) para supostamente ‘sequestrar o carbono’ e assim providenciar compensações para as emissões irão aumentar ainda mais a demanda por biomassa.

Impactos sobre a biodiversidade
Desde a última COP da CDB em 2008, vários relatórios esclareceram e documentaram os impactos da bioenergia industrial. Entre eles:

(1) A medida que a demanda da bioenergia subsidiada cresce, a biodiversidade é destruída
A demanda de bioenergia está levando a maior transformação dos ecossistemas naturais em plantações industriais  , tendo também um impacto significativo nos recursos hídricos , com contaminação   por pesticidas e produtos químicos, e nas florestas. Na UE e nos EUA, novas instalações para a queima de madeira em escala industrial estão gerando uma nova fonte de demanda de madeira, o que compromete seriamente as políticas para conservar e restaurar a biodiversidade florestal   .

(2) A bionergia industrial concorre com a produção de alimentos e agudiza a fome
A bioenergia industrial concorre com a produção de alimentos por lavouras, água e terras . No entanto, o desvio para as ‘lavouras’ energéticas continua se intensificando, e assim desloca outras lavouras para remplazar biodiversidade e florestas em outros locais  . Seus promovedores alegam que as futuras tecnologias que exploram celulose, vegetais não comestíveis e árvores irão evitar esse conflito, mas as exigências subjacentes de terra, solo e água permanecem. As lavouras que são fonte tanto de suprimento para o biocombustível quanto para os animais, tais como a soja e o milho,se soman às pressões. Além disso, os estudos têm provado que  não há terra suficiente para a produção de biocombustíveis que possa satisfazer a atual demanda de energia  .

(3) A bioenergia industrial está alimentando a especulação e o investimento em terras, o que implica uma nova era de colonização e de “apropriações de terras”.
Os investidores estão se apossando de vastas áreas de terras no mundo todo, para satisfazer a demanda cada vez maior de lavouras de alimentos e de bioenergia  . Conforme o Instituto Internacional de Pesquisa de Políticas Alimentares (IFPRI), os investidores estrangeiros estão negociando acordos por mais de 20 milhões de hectares de terra na África, Ásia e América Latina. Alega-se frequentemente que tais terras são “marginais, abandonadas e degradadas" apesar de que, na realidade, podem ser usadas por pastores, pequenos produtores de alimentos, povos indígenas e comunidades locais. Os impactos são evidentes: as pessoas são despejadas de suas terras e sofrem insegurança alimentar, as mulheres e suas famílias perdem o acesso à bioenergia tradicional para uso local, os ecossistemas são degradados, fragmentados e perdem sua resiliência e capacidade de regeneração, os recursos hídricos são estragados e esgotados, a biodiversidade se perde e as plantações de bioenergia impedem a regeneração dos ecossistemas nativos nessas terras.

(4) A bioenergia industrial está aumentando o desenvolvimento e o uso de novas lavouras e de tecnologias potencialmente perigosas

As lavouras e as árvores geneticamente modificadas são apresentadas como soluções para tudo, desde aumentar a velocidade de crescimento até fazer que lavouras e árvores sejam mais fáceis de processar na produção de energia. Eucaliptos, álamos e outras espécies de árvores vêm sendo desenvolvidas e testadas para atingir o crescimento mais rápido e para terem menores quantidades de lignina (um material estrutural na madeira que interfere com seu processamento). Variedades de cereais recentemente desenvolvidas foram modificadas geneticamente para que tanto o grão quanto o talo possam ser transformados em etanol, entre outros exemplos . As árvores e as lavouras modificadas podem contaminar seus congêneres  silvestres e assim ameaçar seriamente a biodiversidade.

A biologia sintética promete a construção de micróbios “sintéticos” para ajudar na digestão das plantas de celulose para sua refinação e a transformação em biocombustível e “bioprodutos”. No entanto, a biologia sintética está em grande medida desregulada e as conseqüências da liberação de organismos sintéticos nos ecossistemas são completamente desconhecidas .

Espécies invasoras: Sabe-se que muitas lavouras de biocombustíveis são de espécies invasoras, a saber, painço, miscanto, jatrofa, moringa, eucalipto, salgueiro, no entanto, o cultivo dessas espécies vem sendo amplamente incentivado e apoiado .

O que aconteceria na COP 10 e depois?

A despeito de todos esses impactos cada vez maiores e das ameaças à biodiversidade, o discurso na CDB, de fato, encoraja o desenvolvimento dos biocombustíveis ao falar da “necessidade de promover os impactos positivos e minimizar os negativos da produção de biocombustíveis e seu uso na biodiversidade” . No entanto as Partes devem se manter fiéis aos princípios fundamentais da CDB, especialmente aqueles relacionados com os direitos indígenas, o princípio de cautela e a abordagem dos ecossistema.
As Partes na COP 10 devem:
•          Reafirmar que a biodiversidade e os ecossistemas são básicos para nossa sobrevivência e sua resiliência e restauração são fundamentais. Toda forma de incentivo para a bioenergia industrial deveria ser classificada como perversa e deve ser removida.
•          Apoiar uma moratória no uso comercial e na liberação ambiental de organismos sintéticos como foi parcialmente proposto pela SBSTTA 14.
•          Não dar nenhum incentivo à produção de biocombustíveis em grande escala; nenhum encorajamento aos combustíveis deveria estar implícito a través da CDB.