Infraestrutura de e para comunidades florestais: a microusina em Long Liam, Sarawak

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Projeto de microbarragem, comunidade Long Liam, Malásia. Foto: Bruno Munster Funds

Após o cancelamento da megabarragem de Baram, em 2016, os moradores de Long Liam, entre os milhares que se opunham à construção de uma megabarragem, se uniram para instalar a fonte de energia tão necessária em sua comunidade. Algo que a megabarragem não teria proporcionado.

O ano de 2016 testemunhou uma grande vitória para os povos indígenas de Sarawak. Cancelou-se a construção da Usina de Baram, de 162 metros de altura, que teria inundado 41.200 hectares de florestas, desalojado pelo menos 26 aldeias indígenas e afetado até 20.000 pessoas. A decisão veio depois de repetidos protestos, bloqueios e oposição de indígenas e redes aliadas. Dois estratégicos bloqueios de rodovias foram criados em 2013 e conseguiram se manter por mais de dois anos: um para impedir que os trabalhadores entrassem no local da barragem e outro para impedir que caminhões de cimento e trabalhadores construíssem a estrada de acesso à barragem.

O cancelamento da barragem também fez com que todas as terras sob Direitos Consuetudinários Nativos que haviam sido desapropriadas para a construção e para o reservatório fossem devolvidas aos seus proprietários indígenas originais.

A megabarragem fazia parte do Corredor Sarawak de Energia Renovável (SCORE, na sigla em inglês), um dos cinco corredores regionais do país, que visa incentivar o investimento em indústrias com alto uso de energia, dando-lhes acesso a infraestruturas de energia, transportes e comunicações. Entre as dez indústrias prioritárias identificadas pelo SCORE, às quais a Usina de Baram teria fornecido energia, estão petróleo, alumínio, óleo de dendê, madeira e aço. (1)

Após o cancelamento da megabarragem, os moradores de Long Liam, uma remota comunidade no interior de Baram, que estavam entre os milhares que se opunham à construção de uma megabarragem, uniram forças para criar e instalar a eletrificação e o fornecimento de energia tão necessários em sua comunidade. Algo que a megabarragem não teria proporcionado. Em 2019, uma microusina hidrelétrica começou a funcionar em Long Liam. (2)

A história da resistência à barragem de Baram ainda se mantém, não apenas como fonte de inspiração para muitas comunidades ameaçadas por megabarragens, mas também para aqueles que tentam recuperar a infraestrutura para suas próprias necessidades e iniciar um processo energético includente, implementado de baixo para cima.

Bryan Anderson, que é de Long Liam, realizou duas entrevistas com pessoas de sua aldeia. Os dois entrevistados participaram ativamente do protesto contra a megabarragem e lideraram o trabalho comunitário (gotong-royong) durante a construção da microusina hidrelétrica.

Sam, a primeira pessoa entrevistada, é um dos principais porta-vozes do Projeto da Microusina e Nina tem um papel importante no grupo de mulheres (kaum ibu) e conhece os direitos das pessoas em relação às terras ancestrais sob Direitos Consuetudinários Nativos. (3)

Seus testemunhos nos ajudam a entender como a infraestrutura pode ser quando as necessidades das comunidades são o ponto de partida, assim como os muitos desafios e obstáculos que elas ainda precisam enfrentar.

Por que vocês se opuseram à barragem e como organizaram a resistência contra esse projeto?

SAM: Eu tenho várias respostas para a sua pergunta. A primeira é que optamos por rejeitar a barragem de Baram porque um megaprojeto como esse teria destruído os ecossistemas próximos à área da construção. Em segundo lugar, teria nos custado nossos lares; todo o povo afetado de Baram perderia suas casas. Em terceiro lugar, a inundação decorrente da construção da barragem também nos custaria a terra que herdamos, onde temos vários tipos de cultivos. Ela teria destruído as plantações feitas por nossos antepassados, onde continuamos colhendo há anos. Minha quarta resposta à sua pergunta é que a barragem de Baram teria prejudicado o povo Baram, que precisaria reconstruir novos assentamentos para suas famílias.

NINA: Na minha opinião, rejeitamos a barragem porque precisamos da terra para viver. Nossa terra é a fonte de nossa comida e outros recursos. A barragem teria causado graves danos a tudo o que temos agora. Não é um problema menor. A barragem também nos teria forçado a fugir de nossas casas e nos estabelecer em outro lugar.

A primeira coisa que fizemos para mostrar nossa rejeição à barragem foi uma demonstração em Nahah Uve’ [uma área da margem do rio Baram, perto do local proposto para o megaprojeto] durante a visita deles ao local. Nós realmente não queríamos a barragem. A próxima coisa que fizemos foi um bloqueio no Acampamento do Quilômetro 15 da estrada Long Kesseh porque, durante esse tempo, soubemos que os equipamentos e o maquinário da barragem seriam transportados por essa estrada. Montamos o bloqueio para impedir que aquelas pessoas levassem seus equipamentos para o local proposto para a barragem.

De que infraestrutura você realmente precisa como comunidade?

SAM: Como comunidade, nós realmente precisamos de eletricidade, mas não de uma forma que a construção da estrutura destrua a nossa natureza ou o nosso rio. A segunda coisa de que precisamos é uma estrada adequada que nos conecte. Uma estrada adequada facilitaria o transporte de nossos produtos agrícolas para a cidade e proporcionaria melhores conexões para a comunidade dentro da área de Baram.

NINA: Nós queremos projetos de infraestrutura, como telecomunicações, hospital, escola e estrada, mas o que mais precisamos é de uma estrutura de telecomunicações, pois ela tornará as coisas muito mais fáceis para nós. É claro que também precisamos de um hospital, mas já temos um em Long San e durante a estação das chuvas, quando o rio sobe, é difícil e perigoso ir até lá quando há emergências. Portanto, precisamos de uma estrada adequada.

Agora, a sua comunidade tem um microprojeto hidrelétrico para atender às necessidades energéticas da comunidade. Como surgiu o projeto?

SAM: Uma ONG sugeriu que construíssemos uma microusina hidrelétrica em Long Liam, e as pessoas da comunidade concordaram com uma cooperação mútua e trabalharam juntas para concluir o projeto do começo ao fim.

NINA: Esse projeto se tornou realidade porque os membros da comunidade concordaram em ter essa microusina hidrelétrica mais benéfica, em vez da danosa megabarragem. Nós consideramos que esse projeto nos beneficiou mais.

Vocês estão satisfeitos com o projeto? Quais foram as dificuldades?

SAM: Para ser honesto, eu me sinto um pouco insatisfeito porque a energia gerada pela microusina ainda é insuficiente para fornecer a eletricidade necessária a toda a aldeia. Apesar disso, estamos felizes porque, embora não seja suficiente para todos os eletrodomésticos em nossas casas, a energia pelo menos nos ajudou a iluminar as nossas casas. O principal desafio que precisamos enfrentar com essa microusina é manter um fornecimento contínuo de água. Não podemos operá-la se houver água insuficiente, e esse é um problema que estamos enfrentando agora. Não usaremos a usina durante a seca devido ao menor fornecimento de água, mas poderemos usá-la durante a estação chuvosa.

NINA: Estamos bastante satisfeitos com a microusina hidrelétrica nesta etapa inicial. No entanto, os problemas aumentaram depois de a usarmos por algum tempo e, devido a isso, começamos a nos sentir um pouco insatisfeitos. Ela não consegue nos fornecer energia durante as 24 horas do dia. Além disso, a energia gerada pela microusina é insuficiente para as necessidades de toda a aldeia. Outro desafio é que o tanque de captação da microusina não é forte o suficiente para suportar a força da corrente de água, fazendo com que ela vaze na parte de baixo do seu reservatório. É por isso que queremos qualquer melhoria que possa ser feita no projeto, para nos fornecer energia suficiente, porque nós certamente queremos essa tecnologia para a nossa aldeia.

Vocês acham que pequenos projetos locais de energia poderiam ser replicados em aldeias próximas, em Baram ou em outros lugares?

SAM: Eu adoraria recomendar essa microusina hidrelétrica a outras aldeias. É uma energia muito limpa porque não precisa de combustível para funcionar. Para uma comunidade de áreas rurais como nós, isso é uma vantagem porque não precisamos ir até o vendedor de combustível mais próximo para preenchê-lo. Então, também é muito econômico. Eu também gostaria de sugerir que, no futuro, caso este projeto seja implementado em outras aldeias, devem-se convidar engenheiros ou funcionários profissionais a participar da equipe local, para estudar as fontes e fluxos de água. Dessa forma, a microusina poderia ser construída da melhor maneira possível, permitindo que a comunidade aproveite a eletricidade, independentemente da condição climática, evitando moradores infelizes devido à falta de energia.

NINA: Eu não vejo nenhum motivo para não ser reproduzido em outros lugares. A única consideração é ter certeza de que o rio próximo tem fluxo suficiente para alimentar a microusina e gerar eletricidade para toda a aldeia. No entanto, como estamos enfrentando dificuldades com a que temos agora, talvez sejam necessárias algumas melhorias antes de implementá-la em outros lugares. Também é melhor ter outra fonte alternativa de energia pequena ao lado da microusina, como a energia solar, de modo que, quando o fluxo de água não for forte o suficiente durante a estação seca, possamos recorrer à energia solar para obter energia.

(1) http://smasarawak.com.my/cgi/subissues.cgi?file=56is.txt
(2) O projeto da microusina hidrelétrica (Micro Hydro) foi apoiado pela SAVE Rivers e pelo Bruno Munster Fund.
(3) Os nomes originais foram alterados por motivos de segurança