O desenvolvimento do setor extrativo e os impactos sobre as comunidades e a biodiversidade nos países da Bacia do Congo, na África Central

Os países da Bacia do Congo são conhecidos pela extraordinária riqueza da biodiversidade e a grande diversidade cultural de seus povos. Ao se falar dos recursos extrativistas da região, geralmente se faz alusão às impressionantes jazidas de cobre da República Democrática do Congo (RDC), aos diamantes da República Centro-Africana e ao petróleo da Guiné Equatorial e do Gabão. No entanto, o subsolo desse importante maciço florestal é cheio de outros recursos abundantes e variados, incluindo jazidas de nível mundial (principalmente ferro, urânio, bauxita, etc.). E o potencial é ainda maior do que revelam os dados existentes, já que as pesquisas sobre mineração foram interrompidas nesses países como resultado de ajustes estruturais ou de instabilidade política.Devido ao aumento dos preços dos recursos minerais, certas jazidas que não eram rentáveis passaram a sê-lo, e as autoridades políticas costumam considerar a descoberta delas em seu território como uma boa notícia. O objetivo deste artigo é explicar as razões do fracasso desses investimentos em nível social e ambiental, ilustrando alguns dos problemas do setor na África Central.

1. Por que as preocupações ambientais e sociais parecem secundárias no setor extrativo na África Central?

Inspirando-se nos exemplos das novas economias do Sudeste da Ásia (China, Índia, Coreia do Sul, etc.) e da América Latina (Argentina e Brasil), todos os países da região aspiram a se tornar economias emergentes dentro de uma geração. A exploração dos recursos naturais faz parte da estratégia de desenvolvimento e, para conseguir isso, o investimento estrangeiro parece inevitável. A legislação relativa ao setor extrativo é extremamente liberal nesses países e, para atrair investidores, impõe algumas obrigações relacionadas ao ambiente e à sociedade. Assim, fica claro que as considerações econômicas prevalecem sobre as ambientais, e os governos não hesitam em apresentar a estas últimas como obstáculos que o Ocidente procura lhes impor e que impedem suas iniciativas de desenvolvimento. Nenhum projeto extrativista foi rejeitado pelos países da Bacia do Congo por implicar um impacto ambiental significativo. No entanto, isso não se deveu à ausência de risco ou a violações da lei. Assim, a exploração de petróleo no Parque Nacional de Virunga, na RDC, um dos mais antigos da região, não foi interrompida pelo Estado congolês, que parecia não ver objeção à sua realização, mas graças a campanhas internacionais que levaram à empresa britânica Soco a finalmente se dar por vencida.

Este exemplo não é um caso isolado: na região, há muitas áreas protegidas para as quais foram concedidas licenças de extração de petróleo e mineração.

2. A precariedade dos direitos das comunidades diante do desenvolvimento atual das indústrias extrativasAs comunidades rurais da África Central dependem muito dos recursos naturais para sua subsistência. Os projetos extrativos costumam ser desenvolvidos em áreas rurais, e devem coexistir com a população. Embora os textos sobre gestão ambiental imponham a realização de uma avaliação de impacto social antes de se iniciar qualquer projeto extrativista em larga escala, na prática, as empresas têm pouco interesse em identificar e preservar os direitos da população, e o próprio Estado parece não se preocupar com essas questões. Por conseguinte, há muitos perigos e conflitos em torno às zonas de exploração ou prospecção de recursos extrativos.

A principal causa desses conflitos está centrada na devida compensação às comunidades pela destruição de seus bens. Em todos os países mencionados, as indenizações se aplicam ​​apenas a cultivos, casas e outros bens relacionados à exploração da terra. As comunidades não têm direito de receber qualquer compensação quando os recursos naturais que usam são destruídos. As indenizações também não se aplicam a recursos intangíveis (bens culturais, lugares sagrados, etc.) Portanto, o pagamento de indenizações não permite que as comunidades mantenham pelo menos o mesmo padrão de vida que tinham antes dos prejuízos sofridos. Além disso, o pagamento de uma indenização ou compensação costuma gerar extorsão por parte de funcionários locais, de modo que essas indenizações, insuficientes em si, não chegam em sua totalidade às comunidades beneficiárias.

Também se observa, muitas vezes, que a instalação de projetos de mineração em territórios comunitários provoca mudanças profundas na vida da população. Por exemplo, em Ebome, uma vila de pescadores que costumava ser próspera, situada a poucos quilômetros de Kribi, na costa atlântica de Camarões, as condições de vida mudaram radicalmente quando as obras de construção de um oleoduto destruíram um recife rico em peixes, localizado a dois quilômetros da costa, forçando a transferência da pesca a outra área, a mais de oito quilômetros dali. Como isso aumentou o custo de produção, os pescadores se tornaram menos competitivos em relação aos das comunidades vizinhas e se viram em uma situação precária. Já se passaram quase 15 anos, o petróleo flui pelo gasoduto e a empresa acumula benefícios substanciais, mas a economia local está destruída, sem que o Estado nem a empresa tenham previsão de encontrar uma solução de longo prazo.

A destruição dos meios de subsistência das comunidades é o principal risco associado ao desenvolvimento de projetos de mineração na região (1).

Vendo o alto preço que as comunidades pagam pelo desenvolvimento das atividades extrativas, é válido considerar que essas populações “subsidiam” as multinacionais do setor. No entanto, o Estado justifica dizendo que “não se faz omelete sem quebrar ovos”. Só que, neste caso, nem todos são convidados para a festa: a renda gerada pela exploração dos recursos naturais não contribui para o desenvolvimento das zonas de produção e das áreas rurais em geral. A distribuição das receitas do governo é altamente desigual, como mostra o gráfico a seguir:

O gráfico mostra como a riqueza nacional é distribuída entre a população dos países da África Central. A população de cada país foi dividida em cinco grupos, cada um dos quais compreende 5% dos habitantes do território. O quadro mostra qual porcentagem da riqueza nacional em cada país é controlada por qual grupo. Verifica-se que os 20% mais ricos controlam cerca 50% da riqueza nacional (por exemplo, 47% em Camarões e 63% na República Centro-Africana). Os 20% mais pobres controlam apenas entre 3 e 7% da riqueza nacional. Essas populações mais pobres geralmente estão situadas em áreas rurais, onde são realizados os projetos de extração de recursos naturais, para os quais elas perdem não apenas seu espaço, mas também os recursos de que necessitam para sobreviver. As receitas geradas são voltadas prioritariamente a atender as necessidades das classes sociais mais ricas.

3. As florestas recuam diante da primazia do subsolo sobre o soloUma das ferramentas de gestão florestal em toda a Bacia do Congo era a do ordenamento florestal. Ela organizava espaços, de forma supostamente racional, em áreas protegidas, zonas para vários objetivos e zonas para exploração madeireira em grande escala. Dentro desses espaços, a administração florestal se encarregava de evitar que as atividades planejadas levassem a uma deterioração irreversível da biodiversidade. O auge do setor extrativo perturba esse dispositivo, e o corte de florestas, em muitas zonas, será realizado sem respeitar o ordenamento florestal. Um estudo estimou que, em 2012, houve 50 casos de sobreposição de concessões florestais e licenças de mineração em Camarões, o que expôs a floresta a desmontes que não correspondiam a nenhum plano de exploração florestal. Além disso, por serem realizadas, às vezes, em concessões outorgadas, essas atividades de mineração violam as normas existentes, destruindo as parcas conquistas de duas décadas de gestão de florestas regionais.

As áreas protegidas não escapam desses impactos, e o próprio estudo constatou que, no caso de Camarões, 28 licenças de exploração de petróleo e mineração tinham sido concedidas em 15 áreas protegidas diferentes (2).

O quadro a seguir mostra as sobreposições no sul de Camarões.


Mapa da sobreposição entre licenças de mineração e zonas florestais (áreas protegidas e concessões florestais) no sul de Camarões.

Considerando-se que se estabelece em um entorno no qual já existem concessões florestais, plantações e outros usos do espaço e dos recursos, os projetos extrativistas em larga escala têm impactos ambientais que se somam aos já existentes. E, como os estudos de impacto são realizados por projeto, pois não se prevê que sejam feitos em nível estratégico e regional, qualquer novo projeto poderá fazer com que os impactos acumulados deixem de ser aceitáveis e passem a ser irreversíveis.

4. O que isso nos ensina?A principal lição é que, nos países da África Central, são as comunidades que pagam o preço mais alto pela exploração dos recursos naturais, principalmente quando se trata de atividades de mineração, mas essas mesmas comunidades são excluídas dos benefícios das atividades. Os riscos para o meio ambiente são grandes, como o é a capacidade desses projetos de destruir os meios de subsistência das comunidades vizinhas. Os países não têm os recursos humanos nem um sistema jurídico que lhes permita regulamentar e controlar de forma eficaz as atividades das multinacionais. Portanto, nada justifica que esses países tenham pressa de desenvolver a exploração de seus recursos extrativos enquanto não tiverem um dispositivo adequado para garantir que eles sejam rentáveis ​​para o Estado e que não causem danos para as pessoas e para o meio ambiente. Como os recursos do subsolo não são perecíveis, eles só vão se valorizar com o tempo.

Samuel Nguiffo, snguiffo@yahoo.fr
Edwige Jounda
Centre pour l’Environnement et le Développement (CED), Yaundé, Camerún.
http://www.cedcameroun.org/

(1) http://wrm.org.uy/es/articulos-del-boletin-wrm/seccion1/infraestructura-desarrollo-y-recursos-naturales-en-africa-algunos-ejemplos-de-camerun/
(2) Ver Schwartz, Hoyle e Nguiffo, Tendances émergentes dans les conflits liés à l’utilisation des terres au Cameroun, Yaoundé, WWF, CED, RELUFA, 2012.

Mais informações:

1) Informação sobre o projeto petrolífero do parque Virunga:
http://www.wwf.be/fr/que-faisons-nous/actualites/regions-menacees/parc-virunga-le-wwf-porte-le-cas-de-lexploration-petroliere-de-soco-devant-locde/53_1111,
http://www.wwf.fr/?2740/Une-victoire-pour-la-planete-la-compagnie-petroliere-SOCO-n-explorera-pas-dans-le-parc-des-Virunga,
http://www.wwf.fr/?1901/Une-grande-victoire-pour-la-protection-de-la-nature-remporte-contre-une-compagnie-petroliere.
2) Informação sobre o oleoduto Chade-Camarões:
http://ewebapps.worldbank.org/apps/ip/Pages/AllPanelCases.aspx.
3) Estudo sobre as sobreposições de licenças de exploração de recursos naturais e os riscos para as áreas protegidas de Camarões:
http://wwf.panda.org/wwf_news/?205591/Land-use-conflicts-Cameroon.