O legado duradouro de um projeto pouco conhecido do Banco Mundial visando garantir plantações africanas para bilionários europeus

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Arquivos do BM “Banco Mundial expande ajuda à África. George Woods, presidente do Banco Mundial, com Alfred Matter, Abdel El Emary e John Garba”

Por que os governos pós-coloniais da África não desmantelaram o modelo colonial de plantações para exploração e extração, por que não devolveram as terras ao seu povo e incentivaram o ressurgimento dos diversos sistemas agrícolas e alimentares africanos? Uma peça importante pode ser encontrada nos arquivos do Banco Mundial.

Em outubro de 2020, um grupo de 79 quenianos entrou com uma ação na justiça do Reino Unido contra uma das maiores empresas de plantações do mundo, a Camelia Plc. Eles afirmam que a empresa é responsável pelos assassinatos, estupros e outros abusos cometidos por seus seguranças contra moradores locais ao longo dos anos, em sua plantação de 20 mil hectares, que produz abacates para supermercados europeus.

Infelizmente, esses abusos são muito comuns nas plantações industriais da África. Tem sido assim desde que os europeus introduziram as plantações de monoculturas no continente, no início do século XX, usando trabalho forçado e violência para roubar as terras das pessoas. As plantações da Camelia compartilham esse legado, e os abusos sofridos atualmente pelos moradores das aldeias do Quênia não são muito diferentes dos que acometeram as gerações anteriores.

Abusos e injustiças são fundamentais para o modelo de plantações. A pergunta que deve ser feita é por que algumas dessas plantações coloniais ainda existem na África. Por que os governos pós-coloniais do continente não desmantelaram esse modelo de exploração e extração, devolveram as terras ao seu povo e incentivaram o ressurgimento dos diversos sistemas agrícolas e alimentares locais?

Uma peça importante desse quebra-cabeça pode ser encontrada nos arquivos do Banco Mundial.

No ano passado, junto com GRAIN e WRM, uma aliança de organizações africanas produziu um banco de dados sobre plantações industriais de dendê na África. Essa pesquisa revelou que muitas das plantações de dendezeiros e seringueiras atualmente em operação na África Ocidental e Central foram iniciadas ou restabelecidas por meio de projetos articulados pelo Banco Mundial, implementados na região nas décadas de 1970 e 1980. O objetivo explícito desses projetos era desenvolver plantações estatais que pudessem impulsionar o “desenvolvimento nacional”. Aos governos participantes, o Banco Mundial forneceu não apenas grandes empréstimos, mas também os consultores que elaboraram os projetos em cada país e supervisionaram a gestão das plantações.

A cada caso examinado, descobríamos que os consultores contratados pelo Banco Mundial para esses projetos eram de uma empresa chamada SOCFINCO, subsidiária da holding luxemburguesa Société Financière des Caoutchoucs (SOCFIN). A SOCFIN foi uma empresa de plantações importante durante o período colonial, com operações que iam do Congo ao sudeste da Ásia. Quando as potências coloniais foram expulsas, na década de 1960, a SOCFIN perdeu várias das suas plantações, e foi então que criou o seu braço de consultoria, a SOCFINCO.

De acordo com os documentos que obtivemos nos arquivos do Banco Mundial, a SOCFINCO foi contratada pelo Banco para supervisionar o desenvolvimento e a implementação de projetos de plantação de dendezeiros e seringueiras em vários países africanos, incluindo Camarões, Costa do Marfim, Gabão, Guiné, Nigéria e São Tomé e Príncipe. A empresa supervisionou o desenvolvimento de projetos para programas nacionais de plantação de dendezeiros e seringueira, ajudou a identificar as terras para conversão em plantações industriais e foi paga para administrar as plantações e, em alguns casos, organizar as vendas da borracha e do óleo de dendê pelas empresas estatais de plantação estabelecidas por meio do programa.

Esses projetos renderam lucrativas taxas de administração à SOCFIN, mas, mais importante, posicionaram a empresa para assumir o controle do comércio de exportação de commodities agrícolas da África e, com o tempo, das próprias plantações. Foi uma jogada de mestre por parte da empresa. Como os projetos do Banco Mundial eram operados por empresas paraestatais (ou seja, cuja propriedade ou controle eram total ou parcialmente do governo), as comunidades locais poderiam ter suas terras desapropriadas para plantações sob a justificativa de “desenvolvimento nacional”, algo que seria muito mais difícil para uma empresa estrangeira como a SOCFIN. Na verdade, uma condição para os empréstimos do Banco Mundial era que os governos garantissem terras para os projetos, algo facilitado pelo fato de a maioria ser implementada por regimes militares.

Os projetos do Banco Mundial também possibilitaram que a SOCFIN não precisasse arcar com os custos das plantações e construção das instalações associadas a elas. Nos projetos, os governos africanos pagaram a conta por meio de empréstimos do Banco Mundial e de outros bancos de desenvolvimento.

Não demorou muito para que as empresas paraestatais criadas pelo Banco Mundial estivessem atoladas em dívidas. É claro que o Banco culpou os governos pela má administração e pediu a privatização das plantações como solução, mesmo que elas fossem administradas pelos gestores da SOCFINCO e outros consultores estrangeiros, que recebiam altos salários.

No processo de privatização que se seguiu, a SOCFIN e a SIAT, uma empresa belga fundada por um consultor da SOCFINCO, assumiram muitas das plantações mais valorizadas. Hoje, essas duas empresas controlam um quarto de todas as grandes plantações de dendezeiros na África, além de ser importantes atores no setor de borracha.

A Nigéria é um bom exemplo de como esse esquema funcionou. Entre 1974 e o final da década de 1980, a SOCFINCO elaborou planos gerais para, pelo menos, sete projetos de dendê apoiados pelo Banco Mundial, em cinco estados da Nigéria. Cada projeto envolveu a criação de uma empresa paraestatal que assumiria o controle das plantações existentes no estado e desenvolveria novas plantações e fábricas de óleo de dendê, bem como grandes esquemas de fomento envolvendo produtores integrados. Na supervisão de todo o trabalho da SOCFINCO na Nigéria estava Pierre Vandebeeck, que mais tarde fundaria a empresa SIAT.

Todos os projetos do Banco Mundial na Nigéria geraram longos conflitos de terras com as comunidades locais, como Oghareki, no estado do Delta, ou os moradores de Egbeda, no estado de Rivers. Após expropriar as terras de várias comunidades e gerar enormes perdas para o governo nigeriano, as empresas paraestatais foram privatizadas, com os ativos mais valiosos das plantações acabando nas mãos da SOCFIN ou da SIAT, de Vandebeeck.

A SIAT assumiu as plantações no estado de Bendel por meio de sua subsidiária Presco, e então, em 2011, adquiriu a indústria de óleo de dendê Risonpalm, do estado de Rivers, por meio de sua subsidiária SIAT Nigeria Limited. Entre 1978 e 1983, Vandebeek foi gerente de plantações da SOCFINCO para a Risonpalm, designado pelo Banco Mundial.

A SOCFIN, por sua vez, assumiu as plantações de dendezeiros na região de Okomu, também desenvolvidas no âmbito de um projeto do Banco Mundial. Foi a SOCFINCO que identificou pela primeira vez essa região para o desenvolvimento de plantações, como parte do estudo de avaliação para o qual fora contratada em 1974. Posteriormente, a Okomu Oil Palm Company Plc. (OOPC) foi estabelecida como empresa paraestatal em 1976, e 15.580 hectares de terra dentro da Reserva Florestal de Okomu, no estado de Edo, tiveram sua condição de reserva cancelada e foram retirados das comunidades locais para dar lugar às plantações de dendê. A empresa contratou a SOCFINCO para supervisionar suas atividades de 1976 a 1990. Há diferentes relatos, mas em algum ponto entre 1986 e 1990, a OOPC foi substituída pela Indufina Luxembourg, subsidiária da SOCFIN.

Essa história sórdida explica por que tantas subsidiárias da SOCFIN e da SIAT na África ainda têm nomes de sonoridade nacional, como a SOCAPALM em Camarões ou a Ghana Oil Palm Development Company. Também explica por que essas empresas são tão bem concebidas para gerar lucros a seus proprietários e o papel crucial do Banco Mundial em facilitar esse processo empresarial de busca de lucro em nome do “desenvolvimento nacional”. As duas famílias francesa e belga que controlam a SOCFIN embolsaram cerca de 30 milhões de euros da SOCFIN, somente em 2019!

GRAIN, www.grain.org