Nigéria: um exemplo singular de manejo comunitário de florestas na comunidade Ekuri

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Nigeria

Introdução/Antecedentes

A Nigéria, na África Ocidental, é o país de maior população do continente africano, estimada em 170 milhões de pessoas. Seu ecossistema, do sul ao norte, consiste em manguezal, floresta tropical, cerrado e zona semi-árida. Durante a época pré-colonial e depois da independência, em 1960, a floresta tropical do país ficou relativamente intacta. No entanto, o desmatamento, a degradação, a fragmentação e mudanças nos padrões de uso da terra para agricultura, exploração ilegal de madeireira, sobrecaça, coleta não sustentável de produtos florestais não madeireiros, incêndios descontrolados, coleta não sustentável de lenha e urbanização consumiram muito dessa floresta. Segundo Rainforests.Mongabay.Com, “o desmatamento é um problema sério no país, que atualmente tem uma das maiores taxas de perda de florestas do mundo (3,3%). Desde 1990, a Nigéria perdeu cerca de 6,1 milhões de hectares, ou 35,7% de sua cobertura florestal. Pior ainda, seus mais biodiversos ecossistemas – as florestas primitivas – estão desaparecendo a um ritmo ainda mais rápido. Entre 1990 e 2005, o país perdeu impressionantes 79% e, desde 2000, vem perdendo uma média de 11% de suas florestas primárias por ano – o dobro da taxa de 1990. Esses números dão à Nigéria a duvidosa distinção de ter a maior taxa de desmatamento de florestas naturais do planeta”. O estado de Cross River, um governo subnacional na Nigéria, situado na fronteira com a República dos Camarões, tem atualmente 50% das florestais remanescentes do país e é um dos principais pontos de biodiversidade do mundo.

Sistema de governança florestal

As florestas no estado de Cross River, da forma deixada pela administração colonial britânica, dividem-se em reservas florestais (controladas pelo governo), florestas comunitárias (manejadas por comunidades), florestas privadas (ONGs) e o Parque Nacional de Cross River (governo federal). Segundo a estratégia da União Internacional de Organizações de Pesquisa Florestal (IUFRO, em inglês) para 2010-2014, “as florestas são sistemas biologicamente diversos, que oferecem uma variedade de hábitats a plantas, animais e micro-organismos. A biodiversidade florestal está interligada a fatores socioeconômicos, fornecendo bens e serviços que vão desde a madeira, passando por produtos florestais não madeireiros, até a mitigação das mudanças climáticas e recursos genéticos” e são fundamentais para o sustento diário das comunidades, incluindo a de Ekuri e a comunidade global como um todo.

A comunidade Ekuri: quem são?

Uma das comunidades do estado nigeriano de Cross River que fez uma incursão substantiva e bem-sucedida no manejo comunitário de florestas é a de Ekuri, a qual consiste nas aldeias de Old Ekuri e New Ekuri, a sete quilômetros de distância uma da outra, com uma população de 6.000 habitantes. Ela pertence à tribo Nkokoli, que só ocupa cinco aldeias em toda a Nigéria e fala lokoli, uma língua única que não é falada em nenhum outro lugar. Devido ao legado colonial, a comunidade Ekuri tem 33.600 hectares de floresta primária em sua terra – a maior e relativamente mais intacta floresta controlada comunitariamente na Nigéria e, talvez, na África Ocidental.

Origem do envolvimento da comunidade Ekuri em manejo florestal comunitário formal

Em 1981, sem influência externa, a comunidade Ekuri concebeu a idéia de uma iniciativa formal de manejo florestal comunitário, primeiramente para sustentar a herança dos antepassados, seus meios de subsistência, promover o desenvolvimento da comunidade, reduzir a pobreza e evitar lições negativas aprendidas com comunidades que perderam suas florestas. Essa idéia continuou a ser desenvolvida ao longo dos anos por meio de uma participação ativa de chefes, anciãos, mulheres, homens, jovens e crianças, para salvaguardar os recursos comuns dos quais a comunidade depende para sua sobrevivência diária. Mais ainda, a Ekuri, como minoria diminuta na Nigéria, percebeu que seu desenvolvimento sustentável depende de sua floresta e que há poucas chances de o governo estadual ou o federal iniciarem ou promoverem esquemas de desenvolvimento que a beneficiem.

Problemas em Ekuri que desencadearam o manejo florestal comunitário

No início desta idéia, os moradores de Ekuri caminhavam quatro horas pela floresta ondulante até a mais próxima estrada trafegável por veículos automotores, para vender produtos florestais leves, mas de alto preço, e comprar bens essenciais, que eles também carregavam na cabeça de volta para casa. Não havia outras instalações comunitárias; doenças, analfabetismo, pobreza e mortalidade eram abundantes, motivando e intensificando esforços e compromissos unificados por parte de todos na comunidade, com vistas a superar o problema. Em 1992, a comunidade estabeleceu a Iniciativa Ekuri, na forma de uma ONG de base comunitária, com uma orientação para conservação, manejo florestal sustentável, desenvolvimento comunitário e redução da pobreza.

Realizações

Desde a sua criação, a Iniciativa Ekuri registrou conquistas inspiradoras:

1. Embora a Iniciativa tenha um conselho que formula políticas para a organização, as propostas são apresentadas antes da reunião da Assembleia Geral da comunidade Ekuri para receber contribuições diferentes, que são integradas às novas políticas, garantindo a apropriação das decisões pela comunidade e a sustentabilidade de políticas, programas e atividades comunitárias.

2. A colheita de madeira das duas parcelas de inventário de 50 hectares e a coleta sustentável de produtos florestais não madeireiros – gneto, manga africana, cordas de cana, sementes de achi, etc – gerou rendimentos usados para a construção de uma estrada de terra com 40 km com pontes, aquedutos para ambas as aldeias Ekuri, financiou parcialmente um centro de saúde, construiu uma escola e instalações da administração da comunidade, financiou bolsas de estudo e desenvolvimento de competências de jovens para aliviar as pressões da floresta. A Iniciativa também proporcionou capacitação técnica em agricultura sustentável para agricultores de Ekuri, melhorou variedades agrícolas, subsidiou a habitação, pagou despesas de saúde para os vulneráveis, proporcionou a manutenção de divisas para impedir invasões, etc.

3. Com apoio de doadores parceiros, a Iniciativa implementou um levantamento do perímetro da comunidade florestal de Ekuri (33.600 ha), um plano de uso da terra defendido com zelo pelos moradores, um detalhado plano quinquenal para o uso da terra, um plano para agricultura e produtos florestais não madeireiros; lutas jurídicas exitosas relacionadas à concessão de exploração ilegal e fraudulenta de madeira na floresta comunitária de Ekuri e várias atividades de capacitação, etc.

4. A história de sucesso da Iniciativa Ekuri inspirou a Comissão Florestal do Estado de Cross River a reformular sua estratégia para o setor, fazendo do manejo florestal comunitário o princípio de toda essa estratégia. Além disso, a Iniciativa Florestal Comunitária de Ekuri recebeu o estatuto de “projeto de manejo florestal comunitário de ponta na Nigéria”. O Departamento Britânico para o Desenvolvimento Internacional (DFID, em inglês) apoiou a Comissão Florestal para que esta reproduzisse o modelo de Ekuri em 33 comunidades florestais, bem como a Living Earth, uma ONG britânica, em cinco comunidades em todo o estado.

5. A Nigerian Conservation Foundation reproduziu o modelo de Ekuri no estado de Taraba, no nordeste do país. Várias comunidades já visitaram Ekuri para aprender com suas experiências inovadoras, incluindo algumas da Nigéria, de Camarões, de Uganda, de Moçambique e da África do Sul.

6. A Iniciativa Ekuri desenvolveu mecanismos de geração de renda que vão desde tarifas de registro de compradores de todos os produtos agrícolas e florestais até impostos sobre vendas e taxas de deposições que entram na tesouraria da comunidade diariamente, para uso pela comunidade. A comunidade de Ekuri desenvolveu um sistema no qual todas as árvores na floresta e nas fazendas (exceto aquelas plantadas por indivíduos) são de propriedade coletiva. Essa estratégia reduziu drasticamente a degradação de grandes extensões de floresta por parte dos ricos, para a agricultura ou para adquirir árvores a serem vendidas a madeireiros, como acontece em outras comunidades, para desvantagem dos pobres. O sistema tradicional de propriedade da terra por indivíduos em Ekuri se dá por meio de desmatamento para a agricultura, mas, com a nova experiência, a terra situada na zona agrícola do plano de uso é distribuída equitativamente entre os membros da comunidade, respeitando o gênero para garantir justiça, equidade e compromissos intransigentes de todos com os ideais que a comunidade tem de proteger seus recursos comuns. A Iniciativa também tem a responsabilidade exclusiva de extração de madeira para as vendas comerciais, com vistas a atender às necessidades da comunidade Ekuri contra a exploração madeireira individual praticada em outras comunidades.

7. A Iniciativa recebeu o “Prêmio Equador” do PNUD em 2004, em reconhecimento a seus êxitos na redução da pobreza através da conservação e do uso sustentável da biodiversidade.

8. A maior realização da iniciativa florestal comunitária Ekuri é a capacidade permanente de proteger seus recursos comuns, seu interesse reduzido na extração de madeira, apesar de várias tentativas comuns por parte de ricaços poderosos e colaboradores do poder. Isso contribuiu muito para que a floresta comunitária de Ekuri permanecesse relativamente intacta e para sustentar o desenvolvimento socioeconômico, ambiental e cultural de seu povo. Além disso, beneficiou as comunidades vizinhas, que também dependiam dessa floresta para o sustento cotidiano, bem como da água para as comunidades a jusante. A floresta comunitária de Ekuri é um armazém de carbono, contribuindo para mitigar a mudança climática e beneficiar o mundo inteiro. O papel proativo da comunidade na preservação de seu patrimônio natural tem a capacidade genuína de atender as necessidades das gerações presentes e futuras e merece ser imitado por outras comunidades para salvar a Mãe Terra do esgotamento total de recursos e suas consequências negativas para o ser humano.

Chief Edwin Ogar (Program Coordinator), Wise Administration of Terrestrial Environment and Resources (WATER), 6 AbasiIta Street, Off MCC Road, Calabar, Estado de Cross River, Nigéria. Fone: 234 803 546 1507. Email: newedeva@yahoo.com