Comunidades resistindo aos extrativismos: da bioeconomia aos monocultivos e à mineração
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A expansão insana do dendê industrial nas terras de Papua e a luta de resistência de Kampung Bariat
Numa noite de outubro de 2023, dezenas de mulheres de Kampung Bariat, uma aldeia no distrito de Kondo, regência de Sorong, na província da Papua Ocidental, reuniram-se no centro da sua comunidade para compartilhar os diferentes usos que fazem e relações que desenvolvem com a floresta, e os catalogar. Esses usos e relações são essenciais para suas tarefas de cuidado, alimentação e garantia da saúde e do bem-estar de suas famílias e sua comunidade. Iluminadas por umas poucas lâmpadas, elas anotaram e descreveram conhecimentos tradicionais sobre locais de importância especial no entorno da sua comunidade – por exemplo, onde se podem encontrar palmeiras para um bom sagu, alimento básico da comunidade, plantar determinadas cultivos, coletar certas ervas medicinais, raízes e folhas, lugares sagrados, e assim por diante. Foi um exercício alegre, revelando um vínculo profundo e forte das mulheres com o seu território.
Mas a razão para se fazer esse exercício não era nada alegre. Em 2014, o governo indonésio, em Jacarta, decidiu dar uma concessão de 37 mil hectares em Sorong do Sul à empresa PT Anugerah Sakti Internusa, uma subsidiária do Grupo Indonusa Agromulia (1). As licenças outorgadas posteriormente pelas autoridades de Papua permitiram que a empresa começasse a destruir 14.467 hectares naquela área de concessão (à época, composta por 96% de floresta intacta) e plantar milhões de dendezeiros (2). O futuro da aldeia de Kampung Bariat ficou ameaçado porque a concessão se sobrepõe ao seu território. A comunidade não foi informada e muito menos deu sua opinião ou consentimento sobre a concessão.
Naquela noite de outubro, as mulheres deKampung Bariat também falaram sobre a empresa. Irritadas com a situação, elas dizem: “Precisamos impedir que os dendezeiros entrem aqui!” e “nós podemos cuidar do nosso território!” Os cerca de 300 mulheres e homens que vivem em Kampung Bariat cuidam do seu território há gerações, desde que dez clãs familiares se uniram e se estabeleceram na área. Eles se identificam como Tehits, um grupo indígena pertencente ao povo Afsya.
Expansão industrial do dendezeiro em Papua e na Indonésia
De acordo com dados oficiais, há em torno de 16 milhões de hectares de plantações industriais de dendê na Indonésia, cerca de metade da quantidade total no mundo. Contudo, a Sawit Watch, uma ONG indonésia que monitora o setor de dendê, estima que a área total dessas plantações no país esteja próxima dos 25 milhões de hectares (3) e prevê milhões a mais no futuro. Em 2023, as plantações industriais de dendezeiros na Indonésia aumentaram 116 mil hectares, um crescimento de 54% em comparação com 2022 (4).
Com as ilhas de Kalimantan, Sulawesi e partes de Java, Papua pretende ser a nova fronteira para a enorme expansão do dendê na Indonésia e no mundo. Isso se deve ao seu vasto território e às condições que o governo do país oferece a empresas e investidores. Essas condições se tornaram cada vez mais favoráveis, facilitadas em parte pela chamada Lei Geral (5). As províncias são alvo de muitos outros megaprojetos de mineração, plantações de cana-de-açúcar, projetos agrícolas de grande escala denominados “propriedades alimentares” e o antigo projeto hidrelétrico de Mamberano, todos os quais causariam impactos devastadores. Não é por acaso que Papua, com os seus vastos “recursos naturais”, foi o último território sobre o qual os colonizadores holandeses tentaram manter o controle, mas eles tiveram de desistir devido à pressão internacional (6).
A justificativa jurídica que o governo central, em Jacarta, usou para entregar terras florestais a empresas que promovem a monocultura do dendê e extração de outros produtos em Papua se baseia em uma decisão do Ministério da Agricultura tomada durante o regime de Suharto (n.º 820/1982). Segundo essa justificativa, a área florestal de Papua, estimada em 41 milhões de hectares, é de “florestas estatais”, o que retirou o poder dos Povos Indígenas para manejar e tomar decisões sobre os territórios que tradicionalmente ocupam e dos quais dependem.
Uma expansão insana
Tanto o governo holandês do passado como o governo indonésio posterior afirmaram ser “donos” da Papua, ignorando completamente a presença de comunidades indígenas. Eles agiram como se aquelas fossem terras vazias e sem uso, onde os interesses capitalistas poderiam extrair e lucrar. No entanto, uma pesquisa de Pusaka revelou a presença de pelo menos 10.472 aldeias em Papua, habitadas principalmente por Povos Indígenas. O relatório acrescentava que todas essas comunidades dependem de um território mais vasto, que elas manejam segundo suas práticas, seus costumes e suas crenças, etc. (7). A maior área sob concessão para a plantação de dendezeiros é o chamado projeto Tanah Merah, na regência de Boven Digoel, província de Papua do Sul. Sete empresas controlam a área, em um total de 280 mil hectares. O projeto viola o território onde o Povo Awyu reside e do qual depende (8).
Os 29 milhões de hectares já cobertos por plantações industriais de dendê em todo o mundo também não estavam “vazios” quando foram ocupados para essa atividade, muito pelo contrário (9). Há muitas experiências bem documentadas sobre comunidades cujas terras foram tomadas por empresas de dendê. Essas experiências – histórias de violência que vivenciaram, abusos enfrentados pelas mulheres, destruição e contaminação da terra e da água – são surpreendentemente semelhantes, e é por isso que uma nova rodada de expansão do dendê em grande escala, com foco em Papua, é uma ideia tão insana.
Entre os aspectos comuns a essas histórias e experiências de Indonésia, Malásia, Tailândia, Colômbia, Nigéria, Guatemala, Papua Nova Guiné, Costa do Marfim, Honduras, Brasil, Equador, Camarões e muitos outros países estão:
- Os territórios das comunidades indígenas e negras são os mais visados, violando seus direitos territoriais e destruindo seus meios de subsistência. Nas terras de Papua, por exemplo, a expansão do dendê causou conflitos com comunidades indígenas em todos os casos. Até 2018, 272 mil hectares de área majoritariamente florestal em Papua tinham sido convertidos em plantações industriais, deixando para trás um rastro de destruição não só de florestas, mas também de meios de subsistência (10).
- Além da terra, o dendê industrial se apropria da água. Mais terra e água foram apropriadas para os dendezeiros industriais em Kalimantan Ocidental do que em qualquer outro lugar do planeta. Uma investigação revelou a apropriação, a contaminação e a destruição de água em grande escala em toda a cadeia de produção de óleo de dendê, o que afeta toda a região e a sua população. Sem água, ninguém sobrevive (11).
- O dendê passou a ser o óleo vegetal mais barato do mundo devido à implacável exploração de mão de obra de pessoas que anteriormente se sustentavam da floresta, da agricultura e da pesca. Os lucros das empresas de dendê são reforçados pela exploração e o controle dos corpos das mulheres. Quando os dendezeiros industriais invadem o território de uma comunidade, a vida das mulheres fica extremamente difícil. A destruição de um rio, por exemplo, tem implicações profundas para elas. Devido à atual divisão sexual do trabalho, em que são as mulheres que sustentam a vida, os impactos destrutivos dos dendezeiros aprofundam a opressão que elas sofrem. As empresas também exploram o trabalho das mulheres nas plantações. A prostituição e a violência sexual contra as trabalhadoras são generalizadas nesse contexto (12).
- Mesmo quando há evidências de contaminação da água ou outras leis foram descumpridas, as empresas de dendezeiros desfrutam de impunidade. Entretanto, ao dizer NÃO às plantações industriais de dendê e defender seus direitos humanos em seu território, os ativistas comunitários enfrentam intimidação, ameaças de morte, criminalização, acusações de terrorismo e prisão.
- Certificados de “controle de qualidade”, como o da RSPO (Mesa Redonda sobre Óleo de Palma/Dendê Sustentável), criado há 20 anos, tornaram-se ferramentas de lavagem verde para o setor. Esses certificados não alteram os padrões estruturais de injustiça, violência e destruição, e seus mecanismos internos para denúncia não mudam o comportamento das empresas na prática, e sim garantem lucros para produtores de óleo de dendê, investidores, comerciantes e fabricantes (13). Essas ferramentas e certificados são corresponsáveis pelas múltiplas opressões causadas pelas indústrias extrativas no Sul Global.
Hoje em dia, os “biocombustíveis” ou “agrocombustíveis” provenientes do óleo de dendê são vendidos ao público como “energia renovável” e fazem parte da chamada “transição energética”. Essa é a mais recente mentira que a indústria do óleo de dendê espalhou para justificar a sua imensa expansão. Já em 2013, uma pesquisa da GRAIN revelou que o atual sistema alimentar impulsionado pelo agronegócio, do qual o setor do óleo de dendê é um ator fundamental, é responsável por cerca de metade das emissões globais de gases de efeito de estufa (14).
Kampung Bariat e outras comunidades estão reagindo
De volta a Kampung Bariat, em outra noite de outubro de 2023, a comunidade se reuniu para assistir ao vídeo sobre uma visita de alguns membros da comunidade à capital da Indonésia, Jacarta, a cerca de 3 mil km dali. As imagens mostraram moradores manifestando suas preocupações a diferentes autoridades em Jacarta. Yuliana Kedemes, uma das participantes da visita, resumiu a mensagem em uma entrevista: “Não podemos permitir que [as empresas de dendê] venham para cá. Onde nossos filhos e netos vão viver no futuro?” (15)
No dia seguinte, a comunidade recebeu autoridades da regência de Sorong do Sul e do distrito de Kondo. Elas foram recebidas na língua tehit por representantes dos dez clãs, que lhes contaram a história da fundação de Kampung Bariat e entregaram uma pasta com documentação e um mapa que mostra o profundo vínculo de mulheres e homens com seu território. Eles afirmaram que precisam de, no mínimo, 3.200 hectares para garantir a sobrevivência da sua comunidade, e as autoridades declararam que apoiariam as reivindicações do povo de Kampung Bariat. A luta dessa comunidade e de muitos outros povos indígenas de Papua contra as permanentes ameaças dos dendezeiros recebeu um apoio sem precedentes quando, em abril de 2021, quatro empresas de dendê tiveram suas licenças revogadas pelo regente de Sorong. Esse apoio se baseou em uma auditoria iniciada em 2018, que identificou descumprimento de leis e medidas administrativas por parte das empresas. As licenças de outras 12 empresas de óleo de dendê foram revogadas em junho de 2021 em Sorong do Sul, incluindo as da PT Anugerah Sakti Internusa, cuja concessão se sobrepõe ao território de Kampung Bariat (16). No entanto, a PT Anugerah Sakti Internusa recorreu à Justiça em dezembro de 2021 para contestar a decisão, na tentativa de recuperar suas licenças.
Outros povos indígenas de Papua estão envolvidos em processos judiciais. No caso da maior área de plantação de dendezeiros de Papua – o projeto Tanah Merah – o povo Awyu está lutando por seus direitos na justiça, inclusive no Supremo Tribunal. Em maio de 2024, os povos indígenas Awyu e Moi viajaram a Jacarta, onde fizeram orações e rituais e realizaram danças pedindo ao Supremo Tribunal que protegesse suas terras da destruição (17).
Parte do que os Povos Indígenas de Papua estão apontando ao governo central é o abandono generalizado das concessões por parte das empresas em Papua. Uma pesquisa de Pusaka mostrou que, de 1988 a 2011 (quando se declarou uma moratória presidencial sobre o desmatamento florestal), apenas 125.284 hectares dos 1.162.893 concedidos a 51 empresas de dendezeiros (10,7% da área) foram realmente convertidos em dendê. Enquanto isso, várias dessas empresas pararam de operar. Se também forem incluídas as concessões para plantações visando a exploração de madeira, a quantidade de terras abandonadas, considerando as concessões outorgadas durante esse período de 1988-2011, essa área chega a 1.925.306 hectares. Os Povos Indígenas reivindicam que o governo lhes devolva essas terras, por serem seu território ancestral, e reconheça seus direitos territoriais (18).
Extrativismo “verde”
Em vez de responder às reivindicações legítimas dos Povos Indígenas, o governo indonésio está permitindo que mais um tipo de extrativismo se expanda no país, com toda a apropriação de terras e especulação que lhe está associada: o extrativismo “verde” dos projetos e programas de carbono florestal. Nos últimos anos, desde o Acordo Climático de Paris, a demanda por créditos de carbono tem sido alimentada pelo frenesi das grandes indústrias poluidoras para se tornarem “neutras em carbono”. Na verdade, ao comprar esses “créditos”, essas empresas poluidoras continuam com suas atividades e até aumentam a queima de combustíveis fósseis, principal causa do caos climático. É por isso que os “créditos de carbono” deveriam ser chamados de “créditos de poluição”.
Esse mercado de carbono é do interesse do governo indonésio, que já recebeu dezenas de milhões de dólares do Banco Mundial, do Fundo Verde para o Clima e dos governos de países industrializados, como Noruega, Alemanha, Japão e Reino Unido, para se tornar “pronto para o REDD”. Isso significa implementar a “infraestrutura” necessária, como legislação favorável e métodos para supostamente medir e confirmar a quantidade de carbono nas florestas indonésias, que são comparados com valores de referência definidos pelo governo e pelos próprios doadores (19).
Além de ser uma possibilidade para a chamada “indústria da conservação” – por exemplo, organizações como The Nature Conservancy (TNC), Conservation International (CI) e World Wildlife Fund (WWF) – aumentar as “áreas protegidas”, o negócio do carbono em Papua também se tornou uma nova oportunidade para indústrias extrativas, como as que promovem plantações de dendezeiros e a exploração de madeira. Mas seu novo negócio está agravando o caos climático e tornando ainda mais difícil a luta dos Povos Indígenas por seus direitos territoriais..
Quadro: O mercado de carbono e o comércio de carbono: uma nova oportunidade para as indústrias extrativas, uma nova ameaça para os Povos Indígenas em Papua.
Empresas de dendê e outras podem agora explorar uma nova fonte de receita em Papua. Em vez de destruir florestas para explorar madeira ou plantar dendezeiros, elas podem deixar a floresta “em pé” e ainda assim ganhar dinheiro, vendendo um novo produto chamado “créditos de carbono”, com base na promessa de que manterão a floresta intacta em vez de desmatá-la. O governo indonésio permite que empresas da categoria de concessão PBHP (Licença para Uso Comercial de Florestas) usem áreas de concessão para mais de uma atividade, que pode incluir créditos de carbono. O Grupo ALS (grupo Alamindo), por exemplo, proprietário de três madeireiras e indústrias em Papua, pretende estabelecer um negócio de carbono através da PT Rimbakayu Arthamas, em colaboração com outras nove empresas, fazendo uso desse tipo de licença (20).
No Brasil, as empresas de dendê entraram no mercado de carbono de maneira semelhante, prejudicando ainda mais as comunidades indígenas. A Agropalma, no estado do Pará, na região amazônica, está usando terras florestais (não cultivadas com dendê) para vender “créditos de carbono”. Essas “florestas de carbono” são “protegidas” por guardas fortemente armados que perseguem as comunidades indígenas Turiwara e quilombolas. Esses povos sempre tentarão entrar na floresta, pois ela é seu território tradicional, onde estão localizados seus cemitérios ancestrais e locais de pesca e caça (21). Com o recente projeto de carbono florestal, sua luta de longa data para recuperar estas terras se tornou ainda mais difícil.
Em nível global, 17 anos de experiência com carbono florestal e outros projetos do tipo REDD mostraram que, onde o negócio do carbono avança, a luta das comunidades indígenas por seus direitos territoriais se fragiliza. Isso apesar de os promotores e apoiadores de projetos de carbono afirmarem e prometerem que esses projetos irão promover e aprimorar os direitos territoriais dos povos indígenas” (22). O que é pior, os projetos pouco fazem para reverter o desmatamento e agravam o caos climático, o que acabará afetando negativamente as florestas tropicais e, portanto, os Povos Indígenas. Segundo pesquisas, a floresta amazônica está em rápido processo de “secagem”, e poderá se tornar uma grande savana em um futuro próximo se os governos, em particular dos países industrializados, não decidirem rapidamente proteger da extração o estoque subterrâneo de combustíveis fósseis (23).
Considerações finais
O governo indonésio não pode mais ignorar a existência de Povos Indígenas nas terras de Papua, cujas delegações visitam regularmente os seus gabinetes na capital, Jacarta. Entregar as terras desses povos a empresas privadas e permitir que elas as destruam ou pratiquem o extrativismo “verde” é uma flagrante violação do artigo 33 da Constituição, que afirma que, embora pertença ao Estado, a terra deve ser “utilizada, em maior medida, para a prosperidade do povo indonésio.” Numa entrevista recente à Al Jazeera, o presidente eleito do país, Prabowo, chegou a afirmar que “os interesses, a segurança e o futuro de todos os povos indígenas são a maior prioridade, na [sua] opinião. Temos que protegê-los, temos que garantir a sua subsistência” (24).
Contudo, garantir os seus meios de subsistência significa garantir que eles possam exercer livremente o controle sobre seus territórios. Essa exigência tem sido sistematicamente ignorada pelo governo. Portanto, é fundamental fortalecer a luta de resistência, o que pode se dar através de processos de aprendizagem horizontais, que conectem comunidades em todo o mundo, para que elas possam compartilhar toda a sua diversidade de experiências de resistência contra as plantações. Um exemplo disso é a aliança informal contra a expansão industrial dos dendezeiros na África Ocidental e Central, que desde 2016 tem conectado comunidades que lutam para recuperar suas terras das empresas de dendê em vários países africanos (25). Conectar as lutas contra o dendê e outras ameaças extrativistas pode ser fundamental para fortalecer a luta permanente das comunidades de Papua para defender seus territórios.
Secretariado Internacional do WRM
(1) https://awasmifee.potager.org/uploads/2015/04/atlas-sawit-en.pdf
(2) https://news.mongabay.com/2022/01/spurred-by-investor-friendly-law-palm-oil-firms-sue-to-get-licenses-back/ (3) Sawitwatch. Catatan&Proyeksi perkebunan sawit Indonesia tahun 2023, 2023
(4) https://nusantara-atlas.org/2023-marks-a-surge-in-palm-oil-expansion-in-indonesia/
(5) https://www.wrm.org.uy/bulletin-articles/indonesia-legalizing-crimes-under-the-slogan-of-creating-jobs
(6) Depois que o governo indonésio assumiu o poder, o primeiro investimento estrangeiro aprovado para as terras de Papua, em 1967, abriu a porta para a Freeport Sulpur Inc. extrair minério daquela que é considerada uma das maiores reservas de ouro do mundo, com impactos devastadores sobre as comunidades, os quais se mantém até hoje.
(7) Brief Paper: Karena ada Hutan Tong Hidup, Jacarta, 2023
(8) https://pusaka.or.id/en/the-awyu-tribe-fights-the-tanah-merah-project-companies-up-to-the-supreme-court/
(9) https://grain.org/en/article/7123-oil-palm-in-latin-america-monoculture-and-violence
(10) https://www.cifor-icraf.org/publications/pdf_files/factsheet/7444-factsheet.pdf
(11) Toxic river. The fight to reclaim water from oil palm plantations in Indonesia, dezembro de 2020, Kruha et al,
(12) https://www.wrm.org.uy/publications/breaking-the-silence-harassment-sexual-violence-and-abuse-against-women-in-and-around-industrial-oil-palm-and-rubber-plantations and https://www.aljazeera.com/news/2020/11/18/rape-abuses-in-palm-oil-fields-linked-to-top-cosmetic-brands-ap
(13) Ver, por exemplo: https://chainreactionresearch.com/report/latin-american-palm-oil-linked-to-social-risks-local-deforestation/ or https://news.mongabay.com/2015/03/whos-funding-palm-oil/
(14) https://grain.org/en/article/5272-how-much-of-world-s-greenhouse-gas-emissions-come-from-agriculture
(15) https://news.mongabay.com/2022/01/spurred-by-investor-friendly-law-palm-oil-firms-sue-to-get-licenses-back/ (16) Idem
(17) https://pusaka.or.id/en/land-back-supreme-court-ceremonial-venue-for-papuan-indigenous-peoples-fighting-palm-oil-companies/ Até agora, apenas sete comunidades garantiram o controle de suas terras por meio de uma categoria jurídica criada por alterações na Lei Florestal de 2012, a das chamadas “florestas consuetudinárias”, que totalizam 39.841 hectares. É um passo importante, embora insignificante quando comparado com as áreas liberadas para as empresas, que estão tendo fortes impactos sobre os meios de subsistência e ameaçando o futuro dos Povos Indígenas.
(18) Brief Paper: Karena ada Hutan Tong Hidup, Jacarta, 2023
(19) Estratégia Nacional da Indonésia para o REDD+ 2021-2030; Ministério do Meio Ambiente e das Silvicultura da República da Indonésia, novembro de 2022
(20) https://pusaka.or.id/en/tag/papuanforests/
(21) https://www.wrm.org.uy/bulletin-articles/redd-and-the-green-economy-exacerbate-oppression-and-deforestation-in-para-brazil
(22) https://www.wrm.org.uy/publications/15-years-of-redd
(23) https://www.the-scientist.com/amazon-rainforest-nearing-savannah-tipping-point-69782
(24) https://www.youtube.com/watch?app=desktop&v=51Rctpb_EJg
(25) Ver a declaração da última reunião dessa aliança em 2022 em https://www.wrm.org.uy/bulletin-articles/communities-in-west-and-central-africa-are-determined-to-put-a-stop-to-oil-palm-plantations-expansion
O caráter destrutivo da bioeconomia e a luta pelo território da comunidade Virgílio Serrão Sacramento no Pará, Brasil
Em 06 de junho de 2024, o juiz André Luiz Filo-Creão Garcia da Fonseca da Vara Agrária em Castanhal, estado do Pará, Brasil, expediu um mandado de reintegração de posse a favor da empresa de monocultivo de dendê, a Brasil Bio Fuels (BBF). A decisão significa a expulsão imediata de 38 famílias camponesas da comunidade Virgílio Serrão Sacramento de seu território. O juiz na sua decisão advertiu as famílias que caso elas não saiam de forma voluntária, a Polícia Militar do Pará deve cumprir a decisão à força. Até o momento, as famílias aguardam a intimação sobre essa decisão.
O assentamento Virgílio Serrão Sacramento nasceu quando no final de 2015, dezenas de famílias se juntaram no município de Mojú, região Nordeste do estado do Pará na região Amazônica, para retomar uma área de cerca de 700 hectares de onde várias delas tinham sido expulsas no passado por madeireiros e fazendeiros. A motivação das famílias foi a ameaça de que a BBF se apropriasse dessa área como parte de seu projeto de expandir ainda mais a monocultura do dendê na região. Além disso, as famílias sabiam que os 700 hectares retomados eram terras públicas, do estado do Pará. E como prescreve a Constituição do país, essas terras devem cumprir sua função social, o que significa beneficiar famílias camponesas e não empresas privadas como a BBF.
Mas não é isso que ocorre no estado do Pará. Logo depois da retomada em 2015, as famílias pediram ao órgão estadual de terras, o ITERPA, a regularização da área. Mas o ITERPA se recusou a atender as famílias durante anos apesar de prometer mais de uma vez que faria o estudo fundiário da área. Quando a BBF entrou na justiça em 2019 afirmando que ela era o proprietário legítimo da área, o ITERPA lavou as mãos de vez, alegando que não podia fazer mais nada porque o caso estava judicializado. Em 2020, a empresa conseguiu a primeira liminar judicial favorável a ela, determinando a desocupação da área pelas 38 famílias.
Mas de acordo com as famílias, a BBF usou de má-fé, apresentando títulos improcedentes ao juiz. A defesa das famílias entrou com recurso e conseguiu reverter a liminar. No entanto, em meados de 2023, a BBF conseguiu outra vez uma liminar favorável a ela. Foi quando o caso passou para a análise da Comissão de Soluções Fundiários do Poder Judiciário do estado do Pará, um órgão criado para tentar mediar conflitos fundiários no Brasil. Mas as partes não chegaram a um acordo porque as famílias camponesas, na certeza de seu direito legítimo sobre os 700 hectares, não estavam dispostas a abrir mão de nem um centímetro do território. Sem acordo, o processo voltou para o Juiz que outra vez, como já foi dito, decidiu dar as terras para a BBF levar adiante seu projeto de monocultura de dendê.
O Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) no Pará, membro da Via Campesina, articulação internacional em defesa de camponesas e camponeses no mundo inteiro, denuncia em nota que “nem é justo e nem moral privilegiar uma empresa que viola direitos em detrimento de 38 famílias que produzem alimentos.” As famílias plantaram suas roças com uma grande variedade de alimentos que não só servem de alimentos para as famílias, mas também beneficiam a população regional. Nos quase 9 anos de ocupação, construíram seus lares, criaram e recriaram seus laços com o território. Desde 2020, e sobretudo neste momento, sofrem com as constantes ameaças de expulsão, como afirma um dos moradores: “Meu irmão tá chorando igual uma criança, ele tá com a área toda pronta pra plantar melancia quando recebemos essa notícia, faz três dias que eu não consigo dormir”. (1)
A opção do governo do estado pela ‘bioeconomia’ e o agronegócio do dendê
A opção feita pelo governo do Pará, sob comando do governador Helder Barbalho, de atuar no sentido de aumentar os lucros privados de uma empresa como BBF e outras empresas do setor de óleo de dendê, em detrimento de comunidades camponesas, não gera surpresa. Afinal, o governador nos últimos tempos não fala em outra coisa além de ‘bioeconomia’, e o azeite de dendê é considerada uma das “energias renováveis” estratégicas na qual a ‘bioeconomia’ Paraense se baseia.
Um exemplo de sua atuação para beneficiar as atividades da BBF foi a participação do governador do Pará num evento em abril de 2023 em Londres, ao lado de Milton Seagall, o principal executivo da Brasil Bio Fuels. Em sua fala durante o evento, Barbalho destacou que: “Chamo atenção dos presentes para a importância de darem atenção para essa nova atividade econômica [a bioeconomia] do nosso país. A bioeconomia, a partir de investimentos em inovação, tecnologia e pesquisa permitirá a alavancagem de novos negócios. Certamente se olharem as janelas de oportunidades globais, irão perceber o quanto a bioeconomia é a agenda oportuna que permitirá com que o mundo possa dialogar com os negócios, mas acima de tudo, com a sua biodiversidade. Sendo o Brasil o país com a maior biodiversidade tropical do planeta, não podemos perder a oportunidade”. (2)
Barbalho se orgulha do fato de que o Pará é o primeiro estado no Brasil a ter um “plano de bioeconomia” (3). Afirma ainda que esse Plano foi “construído a partir da escuta dos povos tradicionais e ancestralidades”. Mas na realidade, o Plano foi elaborado pela The Nature Conservancy (TNC). Sediada nos Estados Unidos, a TNC já foi chamada de “o grupo ambiental mais rico do mundo” pelo The Washington Post. Por isso, é muito mais parecida com uma empresa do que com uma ONG ambiental. Além disso, a TNC tem fortes ligações com as elites do capital financeiro internacional, que tem representantes em seu Conselho (4). De fato, o Plano de Bioeconomia foi concebido principalmente como forma de atrair novos negócios, o que Barbalho também lembrou em seu discurso no evento mencionado em Londres: “Identificamos, a partir de 43 tipos de produtos [da bioeconomia], a alavancagem de US$ 120 bilhões de dólares em negócios”.
A monocultura do dendê é uma das principais atividades entre esses “negócios”. Num vídeo propagandeado na página web da BBF, Barbalho considera que o estado do Pará tem uma “vocação” para a monocultura do dendê para produção de “biocombustível”, considera o dendê uma produção “limpa”, “de baixo carbono”, orgulhando-se de dizer que o Pará já é “o maior produtor do Brasil” (5).
O cara da ‘bioeconomia’ da monocultura de dendê: destruição e violência
Se é esse o futuro que o governador pretende apresentar ao mundo enquanto anfitrião da Conferência do Clima, a COP30, em Belém em 2025, terá que passar com seus convidados por quilômetros de fileiras monótonas de dendê, em meio a constantes aplicações de agrotóxicos que matam tudo, menos o dendê, e contaminam as águas. Precisarão trafegar no meio de um modelo que promove injustiças e violações.
Essas fileiras monótonas escondem histórias de vida de comunidades como Virgílio Serrão Sacramento que diferente do dendê, procuram dar vida à terra, o que permite a elas viver com dignidade. Igual a muitas outras famílias indígenas e quilombolas que numa região próxima, o Vale do Acará, enfrentam as mesmas agressões da expansão do monocultivo de dendê pela BBF e outras empresas, como a Agropalma. Enfrentam também a mesma recusa do Estado em regularizar seus territórios.
A única terra indígena oficialmente demarcada pelo Estado brasileiro na Vale do Acará, a Terra Indígena Turê-Mariquita do povo Tembé, com seus 147 hectares, é a menor terra indígena oficialmente demarcada no Brasil. Cansados de esperar o Estado brasileiro, desde 2021, indígenas e quilombolas realizaram várias retomadas de terra. Organizaram-se no Movimento IRQ (Indígena, Ribeirinho e Quilombola), lutando em conjunto pela demarcação de seu território.
Desde que começaram essas retomadas, as comunidades se deparam com práticas violentas de diversos grupos fortemente armados, incluindo as polícias do Estado, seguranças e milícias privadas das empresas, e ´facções’ do crime organizado. Aumentou assustadoramente a perseguição, as ameaças de morte, humilhações e, inclusive, o racismo por parte de parcelas da população regional contra as comunidades Tembé, Turiwara e quilombolas, acusadas de atrapalhar o desenvolvimento. Sucessivas denúncias e boletins de ocorrência realizados pelas comunidades aos órgãos competentes têm sido em vão. (6)
Por fim, deixamos nosso mais veemente repúdio, tanto à decisão do juiz André Luiz Filo-Creão Garcia da Fonseca no caso, bem como à total inação do governo do estado que não cumpre sua obrigação enquanto defensor dos direitos do povo Paraense, neste caso as 38 famílias do assentamento Virgílio Serrão Sacramento.
A história do assentamento mostra com toda a clareza que a tão falada ‘bioeconomia’ não é nem ‘sustentável’, muito menos ‘limpa’. O que ela faz é destruir territórios de comunidades, da mesma forma como as indústrias que promovem o extrativismo baseado nos combustíveis fósseis há muito tempo vêm fazendo.
Secretariado Internacional do WRM
(1) Denúncia: 38 famílias de agricultoras e agricultores familiares do MPA no Pará estão sendo despejadas pelo estado do Pará e BBF, MPA, junho 2024
(2) Em conferência em Londres, governador do Pará anuncia concessão de áreas florestais para crédito de carbono, Globo, abril 2023,
(3) Helder Barbalho discute Zona Franca da Bioeconomia no Pará com vencedor do prêmio Nobel, Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade, Governo do Pará, setembro 2023,
(4) https://www.wrm.org.uy/pt/artigos-do-boletim/redd-e-economia-verde-agravam-opressao-e-desmatamento-no-para-brasil
(5) Boletim WRM, REDD e Economia Verde agravam opressão e desmatamento no Pará, Brasil, julho 2023,
(6) Boletim WRM, A luta pela terra na Amazônia brasileira contra empresas de dendê e mineradoras, fevereiro 2024,
Camarões: A resistência contra as operações de replantio da SOCAPALM é fértil!
SOCAPALM é o nome de uma empresa que controla quase 60 mil hectares de plantações industriais de dendezeiros em Camarões. Ela foi estatal até o ano 2000, quando foi privatizada e adquirida pela empresa agroindustrial SOCFIN, de propriedade majoritária do grupo francês Bolloré, controlado pela família Bolloré e pela família Huber Fabri, de Luxemburgo. O Banco Mundial teve um papel fundamental na história de como o conglomerado SOCFIN e as poucas famílias bilionárias europeias que controlam essa empresa lucraram com a compra da SOCAPALM. (1)
Atualmente, a empresa está em processo de renovação de parte de suas plantações de dendezeiros em Edéa, para manter e aumentar ainda mais sua produtividade e, portanto, seus lucros.
No final do ano passado, as comunidades de Edéa começaram a se mobilizar contra esse processo, principalmente as mulheres de uma das aldeias que se organizaram na Associação de Vizinhas da Socapalm em Edéa – AFRISE, na sigla em francês.
Elas lançaram um abaixo-assinado (2) para mobilizar a solidariedade internacional para com sua demanda de impedir a SOCAPALM de replantar, e alertaram que estavam prontas para fazer o que fosse necessário para impedir a operação da SOCAPALM em Edéa, dizendo: “Não aceitaremos passar os próximos 50 anos nesta miséria. Estamos determinadas a lutar para libertar nossas terras e conquistar espaços de vida para nossos filhos, que são as gerações atuais e futuras”.
Alertada pelo início da operação de replantio em algumas aldeias, no início deste mês, a Aliança Informal contra as Plantações Industriais de Dendê na África Ocidental e Central, um coletivo de comunidades e ativistas que luta contra a expansão das plantações na África, divulgou uma declaração em apoio às comunidades.
Na declaração, (3) a Aliança Informal diz que nós “exigimos que a Socapalm pare imediatamente de replantar dendezeiros nas proximidades das casas e sepulturas das comunidades que vivem em Apouh à Ngog, o que vem acontecendo desde quarta-feira, 8 de agosto de 2024. O plantio de dezenas de milhares de hectares de dendezeiros em frente aos quintais desses moradores locais é um grave ataque à soberania alimentar das famílias da aldeia e à dignidade das mulheres de Apouh à Ngog, no distrito de Edéa 1, em Camarões”.
A resistência da comunidade e sua determinação em parar a empresa levaram o prefeito a solicitar que a Socapalm parasse suas atividades.
Esta é uma primeira vitória da comunidade e das mulheres organizadas de Edéa, mas a luta continuará até que a SOCAPALM devolva as terras às comunidades!
(1) https://www.wrm.org.uy/pt/artigos-do-boletim/o-legado-duradouro-de-um-projeto-pouco-conhecido-do-banco-mundial-visando-garantir-plantacoes-africanas
(2) https://www.wrm.org.uy/pt/alertas-de-acao/apoie-as-mulheres-de-camaroes-que-resistem-as-plantacoes-de-dendezeiros
(3) https://www.wrm.org.uy/action-alerts/stop-socapalms-replanting-operations
Argentina: Luta comunitária contra a poluição das serrarias
Nuvens negras de fumaça e poeira obrigam as famílias de Concepción, na província argentina de Corrientes, a se trancar periodicamente em suas casas. A queima de serragem nas sete serrarias dessa cidade de 26 mil habitantes causa problemas respiratórios e reações na pele. Entre os mais afetados estão crianças e idosos. No entanto, as autoridades locais não tomam medidas para conter a poluição, mostrando que, para elas, os interesses econômicos da indústria da silvicultura são mais importantes do que o bem-estar da comunidade.
Diante dessa situação, a organização socioambiental Guardianes del Y’verá decidiu fazer uma pesquisa sobre a saúde nas residências próximas às serrarias. As enquetes foram feitas em novembro de 2023 nos bairros Caaby Guazú, 30 Viviendas e 36 Viviendas, e “35% dos entrevistados detectaram problemas de saúde que associam às serrarias, desde o desenvolvimento de alergias e problemas respiratórios até casos de asma e doenças de pele”, informou a organização.
“As mais afetadas são as crianças”, diz Araceli Romero, moradora de Concepción e membro dos Guardianes del Y’verá, que participou da pesquisa. “Depois das queimas, o hospital atende crianças com problemas respiratórios ou de pele. O problema é muito evidente”, afirma a ativista, que também é enfermeira.
Corrientes é a província argentina com a maior área de monoculturas de árvores do país, tendo entre 434 mil e 500 mil hectares plantados, principalmente pinus e eucaliptos. Os dados variam conforme a fonte: o Ministério da Agricultura informa que são 437.803 hectares plantados até março de 2024, enquanto a Associação Argentina de Silvicultura (AFOA, na sigla em espanhol), que reúne as principais empresas do setor, afirma que são mais de 500 mil. Segundo dados do governo nacional, 80% da madeira vai para as serrarias. (1)
A cidade de Concepción está localizada no departamento que leva o mesmo nome, às portas dos Esteros del Y’verá, uma das maiores zonas úmidas das Américas, ameaçada, entre outras atividades, pela monocultura silvícola. (2) O departamento tem 39.500 hectares de monocultura, principalmente pinus. O trabalho nas plantações e serrarias – na maioria, em condições muito precárias e perigosas – é uma das poucas oportunidades de emprego oferecidas à população.
As plantações para silvicultura na Argentina aumentaram significativamente desde 1998, com a promulgação da Lei 25.080, que promove “florestas plantadas”. A normativa concede subsídios (como o acesso a “apoios financeiros não reembolsáveis”) e enormes vantagens fiscais: isenção e estabilidade nos impostos durante 30 a 50 anos (ou seja, nenhum tributo é aumentado nem acrescentado durante esse período). Em Corrientes, essa política se traduziu em um aumento de mais de 200% da área com monoculturas de pinus e eucalipto entre 1994 e 2019. (3)
Plantações e serrarias: uma falsa promessa de progresso
Longe de melhorar a situação econômica e social das comunidades de Corrientes, o avanço das monoculturas de pinus e eucalipto trouxe graves consequências: deslocamento de famílias de agricultores, cujas terras são invadidas por plantações, contaminação do meio ambiente pelo uso de agrotóxicos, consumo de água e aumento de incêndios.
A esses impactos, somam-se os das serrarias, que estão localizadas em centros urbanos e afetam sobretudo quem mora em bairros próximos. Toda semana, nesses locais, ateia-se fogo às montanhas de serragem que se acumulam como resíduo da atividade. Segundo a pesquisa feita pelos Guardianes del Y’verá, além dos problemas de saúde causados pela fumaça e pela poeira, as famílias são afetadas por ruídos incômodos. Além disso, 25% dos domicílios relataram a precarização dos trabalhadores das serrarias, além de casos de acidentes de trabalho graves.
“Nesta cidade, o Estado está muito ausente”, Araceli explica. “Não há trabalho e, infelizmente, algumas crianças têm que abandonar o ensino médio para trabalhar nas serrarias, onde sua saúde é exposta à poeira que inalam constantemente”. E acrescenta: “Em muitos casos, elas não têm segurança para trabalhar, e algumas sofrem amputações das máquinas”.
Outra prática perigosa e poluente é o enchimento de áreas humidas com serragem feito pelas serrarias ou pelo município, principalmente quando há seca. Em tempos de incêndios cada vez mais frequentes devido às mudanças climáticas e ao modelo de plantações, a presença de serragem nas zonas húmidas limítrofes aos bairros aumenta o risco de o fogo atingir as casas. Longe de ser um aceiro, a zona húmida se transforma em combustível.
A luta da comunidade
Para os Guardianes del Y’verá, as pesquisas de saúde feitas por ativistas da própria comunidade são uma ferramenta na luta contra as monoculturas de plantações de árvores e o agronegócio. Antes dessa experiência, já haviam feito outra pesquisa em Mburucuyá, 50 quilômetros ao norte de Concepción. Lá, o uso de agrotóxicos nas plantações de frutas cítricas e de tomate causa graves problemas de saúde. Em 2017, Rocío Pared, uma menina de nove anos, morreu envenenada após comer uma tangerina envenenada que caiu de um trator. Sete anos depois, o crime continua impune, por isso familiares e organizações exigem justiça.
“Associamos as pesquisas comunitárias à nossa luta porque elas tratam do que as pessoas que vivem no lugar sabem e dizem”, explica Cristian Barrionuevo, outro membro dos Guardianes del Y’verá. Além da coleta de informações para dar visibilidade aos problemas, durante as pesquisas os moradores expressam outras preocupações e, em muitos casos, permanecem em contato com as e os ativistas comunitários para fazer consultas ou denunciar outros atos de contaminação.
Neste caso, a pesquisa vinculada às serrarias serviu para demonstrar a inviabilidade de esses estabelecimentos continuarem operando perto das residências. Ao mesmo tempo, ficou demonstrado, mais uma vez, que o modelo de florestas plantadas não traz os benefícios prometidos à população, muito pelo contrário.
Diante disso, o grupo Guardianes del Y’verá exige que as serrarias se mudem para fora das comunidades e cidades, e continua denunciando os impactos do modelo de plantações industriais de árvores: “Nós, do Guardianes, continuamos exigindo a mudança das serrarias para fora das comunidades e reclamando das consequências do modelo industrial que causa esses e outros problemas graves, como aconteceu nos meses de seca extrema, quando ocorreram grandes incêndios em Corrientes, muitos deles nas cidades de Concepción e Santa Rosa, agravados pelo enchimento de zonas húmidas com serragem, gerando perigo de incêndio para todas as residências.”
Guardianes del Y’verá, Corrientes, Argentina e Secretariado Internacional do WRM
(1) Secretaría de Agricultura, Ganadería y Pesca de la Nación. Tablero de Foresto Industria:
(2) Boletim do WRM, Monoculturas, pobreza e falsas soluções: o legado de Harvard na Argentina, julho de 2023,
(3) Baruzzo, M; Smichowski, H. e outros. Plantaciones Forestales: crecimiento y expansión de la actividad forestal en las Lomadas Arenosas en Corrientes, Argentina. Universidad Nacional de Formosa, 2020: https://ri.conicet.gov.ar/handle/11336/162643