África: “quanto mais se sabe sobre o ouro, menos deslumbra o seu brilho”

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“Não ao ouro sujo” é a palavra de ordem de uma campanha endereçada aos consumidores, lançada em 11 de fevereiro de 2004 pela Earthworks/Mineral Policy Center e a Oxfam, com o objetivo de pressionar a indústria do ouro e mudar a forma como o mesmo é extraído, comprado e vendido. Nos dias prévios e posteriores ao Dia de São Valentim – data muito importante para a venda de jóias de ouro nos Estados Unidos –, os ativistas distribuíram cartões-postais de São Valentim com a mensagem “Não manche o seu amor com ouro sujo” em frente de joalharias e relojoarias chiques, entre elas Cartier e Piaget, na Quinta Avenida de Nova Iorque. Também estão pedindo aos consumidores que apoiem com a sua assinatura um pedido no sítio Web da campanha ( http://www.nodirtygold.org ).

A produção de um único anel de ouro de 18 quilates, pesando menos de uma onça, gera no mínimo 20 toneladas de detritos. A depuração de minérios emprega menos de 0,1% da força de trabalho mundial, mas consome de 7% a 10% da energia do planeta. Oitenta por cento do ouro é usado no fabrico de jóias. Porém, a maior parte dos consumidores não percebe que, nos países do Sul, a purificação do ouro está ligada à violação dos direitos humanos e até prisão e morte, além da devastação ambiental.

Como parte da campanha, a Earthworks e a Oxfam publicaram o relatório “Metais sujos: mineração, comunidades e meio ambiente” (Dirty Metals: Mining, Communities and the Environment, http://www.nodirtygold.org/dirty_metals_report.cfm ), onde é feita uma descrição detalhada da poluição em massa, das enormes minas a céu aberto, dos efeitos devastadores sobre a saúde humana, dos riscos para os trabalhadores e, em muitos casos, da violação de direitos humanos que virou emblema da mineração do ouro e outros metais em vários países. Além disso, o relatório mostra que a mineração não produz riqueza para os povos e que, pelo contrário, ela virou a chamada “maldição dos recursos” para países do Sul, como a Guiné, Níger, Zâmbia e Togo. Embora nesses países a percentagem no valor total das exportações de minerais não combustíveis seja alta (71, 67, 66 e 30 respectivamente), eles mantêm boa parte da população sob a linha nacional da pobreza (40%, 63%, 86% e 32% respectivamente). A mineração vira uma dupla maldição para as comunidades locais, as quais, com freqüência, sofrem não só deslocamento direto, mas, também, deslocamento de suas formas de sustento tradicionais.

Por outro lado, a mineração é feita até em áreas tombadas como patrimônio da humanidade. É o caso da extração de ouro na Reserva de Vida Silvestre de Okapi, na República Democrática do Congo, no Parque Nacional Tai, na Costa do Marfim, no Parque Nacional Impenetrável Bwindi, em Uganda, e no Parque Nacional Kahuzi-Biega, na República Democrática do Congo, bem como da exploração de ferro na Reserva Natural Stricto Sensu Monte Nimba, na Guiné e na Costa do Marfim.

Em Gana, país da África ocidental com grandes minas de ouro, a Comissão Ganesa de Direitos Humanos e Justiça Administrativa divulgou um relatório, no ano 2000, onde constatam-se “evidências chocantes de violação dos direitos humanos, derivada de atividades de mineração, não esporádica, mas apresentando um padrão bem definido e comum a quase todas as comunidades mineiras”. Em Tarkwa, de 1990 a 1998, mais de 30 mil moradores foram deslocados pelas operações de extração de ouro. “O nosso povo tem levado surras, tem sofrido prisão e assassinatos por defender os nossos direitos comunitários contra as empresas mineradoras multinacionais”, afirmou Daniel Owusu-Koranteng, ativista do distrito de Tarkwa. “Queremos que os compradores de ouro apoiem os nossos direitos e que exijam das empresas de mineração que se rejam por princípios éticos mais rígidos”.

Através de pesquisa realizada pelo grupo comunitário ganense WACAM (Wassa Association of Communities Affected by Mining), foram achadas evidências de que, de 1994 a 1997, o pessoal de segurança da AGC (Ashanti Goldfields Company), agindo juntamente com a polícia e o exército, tinha assassinado três mineiros artesanais. Em incidente ocorrido em janeiro de 1997, 16 mineiros artesanais foram fortemente surrados pelo pessoal de segurança da AGC. A WACAM colheu também o depoimento de mais seis mineiros artesanais, que afirmam terem sido surrados e atacados pelos cães de segurança da AGC.

Até como geradora de emprego, a mineração não é sustentável. À destruição da base de emprego tradicional segue-se a perda da própria mina. Esgotados os depósitos de mineral, não há mais postos de trabalho. A maior parte dos projetos de grande porte tem uma duração de 10 a 40 anos; depois disso, as empresas de mineração fecham as minas e se transferem para outro lugar em busca de novos projetos. Geralmente, as escolas, postos de saúde e outros serviços públicos estabelecidos pelas empresas perdem a fonte de financiamento. Em geral, quando isso acontece, os mineiros e as comunidades ficam apenas com seus próprios recursos. Como a mineração é um trabalho especializado, os mineiros costumam carecer de outras habilidades que possam ser de utilidade no mercado de trabalho. Existem poucos programas de “transição justa”, permitindo aos antigos mineiros receber treinamento para realizar outros trabalhos. Por isso tudo, é bem provável que os mineiros demitidos fiquem muito tempo desempregados.

Com freqüência, essas demissões têm conseqüências sociais graves, pois, via de regra, um número importante de pessoas depende dos mineiros (embora a maioria possa não ficar nos vilarejos mineiros). Segundo uma estimativa da Câmara Sul-Africana de Minas, um em cada oito habitantes do sul da África depende economicamente da mineração. Até na África do Sul, o maior produtor de ouro do mundo, a indústria de extração do ouro demitiu cerca de 400 mil trabalhadores entre 1985 e o ano 2000 – quase metade da força de trabalho do país –, privando essas pessoas e seus dependentes de suas fontes de renda.

Está na hora de revisar a nossa “economia de metais”, mudando a forma em que são produzidos, procurando usos mais eficientes e utilizando ainda aqueles que já estão em circulação. E, se for preciso extrair alguns metais, as operações de extração de maior porte jamais deverão ser feitas em reservas naturais e terras nativas.

“O que a gente pede é razoável, justo e possível”, disse Keith Slack, assessor principal de políticas da Oxfam América. “O símbolo do amor eterno não deve ser fabricado a expensas da água potável ou desrespeitando os direitos humanos”. “O ouro não parece tão brilhante quando levamos em conta o estrago colossal causado pelas minas de ouro”, declarou Payal Sampat, diretor internacional de campanhas da Earthworks. “Pedimos aos consumidores que considerem o custo real do ouro, e estamos solicitando a sua ajuda para acabar com práticas de mineração que colocam em risco a vida das pessoas e os ecossistemas”.

Artigo baseado em informação de: “Africa/Global: New Campaign Targets Dirty Gold”, Pambazuka News 144, correio eletrônico: pambazuka-news@pambazuka.org , http://www.pambazuka.org/index.php?id=20239 ; “No Dirty Gold”, http://www.nodirtygold.org/home.cfm ; “Dirty Metals: Mining, Communities and the Environment”, http://www.nodirtygold.org/dirty_metals_report.cfm