Escutar quem luta no território - Dia Internacional da Luta contra as Monoculturas de Árvores

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Editorial 276

No marco do dia 21 de Setembro, Dia Internacional da Luta Contra as Monoculturas de Árvores, este Boletim traz o depoimento de movimentos e comunidades de diferentes partes do mundo que resistem a esse tipo de monocultivo e que lutam em defesa da vida. Escutá-los é fundamental. Esses relatos descortinam a realidade por trás desses projetos e arrancam a máscara de ´sustentabilidade´ que seus promotores se esforçam em construir. Os impactos diários que provocam no ambiente, na cultura e na vida dessas comunidades, em especial na das mulheres, não deixam dúvidas: as monoculturas de árvores são um braço do capitalismo patriarcal, racista e colonial. (1)

Em pleno 2025, empresas européias de monocultura de árvores de seringueiras e de dendê, como a Socfin, (2) seguem instaladas em diversos países da África em áreas de onde comunidades inteiras foram expulsas. Seguem privando os habitantes de tais comunidades de acessarem as terras onde eles antes cultivavam alimentos e de onde coletavam dendê nativo, atividades essencialmente femininas. Funcionários dessas empresas condicionam por sexo a entrada das mulheres nessas áreas para que elas possam colher dendê em seu próprio território ancestral, mas agora cercado e protegidos por seguranças da empresa. (3) Como chamar isso senão de capitalismo patriarcal, racista e colonial? 

A Suzano Papel e Celulose, a maior empresa mundial desse setor (4), ocupa 2,7 milhões de hectares no Brasil. Essa área poderia abrigar cerca de 100 mil famílias de camponeses por meio da Reforma Agrária, mas é destinada a uma única empresa que devasta o ambiente, concentra terra e dinheiro. (5) Processos como esse de expansão das empresas, muitas vezes são marcados pela grilagem e pela expulsão de famílias de camponeses dessas terras. As mulheres que vivem em áreas que disputam a terra com empresas como essa, têm que arcar de forma direta com os impactos desses desertos verdes que matam toda a vida ao seu redor e secam nascentes e rios com suas raízes sedentas. Entre outras coisas, são expostas a uma sobrecarga de trabalho, já que precisam se locomover cada vez mais longe em busca de água e de alimento para suas famílias e comunidades. É por isso que as mulheres do MST denunciaram durante suas recentes manifestações que a "Suzano planta fome" (6). Sem falar nas ameaças que sofrem por denunciarem e resistirem. Como chamar isso senão de capitalismo patriarcal, racista e colonial? 

Como o impacto dessas monoculturas de árvores é sentido especialmente pelas mulheres, muitas vezes são elas também que lideram as organizações comunitárias e a defesa de seus territórios. (7) (8) Este Boletim toca de perto nesse tema ao percorrer diferentes territórios em disputa com multinacionais do dendê, da borracha e do eucalipto. Pisa sobre a terra das comunidades que resistem às monoculturas de árvores. Traz relatos de quem viu de perto a chegada desses empreendimentos e seus impactos. São textos escritos por lideranças de comunidades e por movimentos organizados sempre vindos de locais onde se luta intensamente contra esse modelo de extrativismo e onde as mulheres se levantam em defesa da natureza como fonte de vida e em defesa de suas comunidades. 

O artigo introdutório ajuda a entender a partir de fatos por que as monoculturas de árvores são colonialistas. O material faz um raio X de iniciativas e negócios de investimentos em monocultura de árvores para a África, continente onde atualmente já está concentrada a maior área de plantações de árvores para o mercado de carbono do mundo: 5,2 milhões de hectares. O texto se debruça, entre outros, sobre informes do British International Investment e do Banco Africano de Desenvolvimento junto com WWF Quênia. Uma análise do discurso - e dos recursos - apresentados nesses materiais deixa evidente quem se beneficia com os investimentos milionários previstos para financiar o aumento das plantações de árvores no continente africano: não são as comunidades locais. O viés colonialista está escancarado nesses relatórios oficiais, ainda que sejam cheios de pretensas boas intenções. 

O segundo artigo nos leva à Indonésia. Os autores, do movimento de resistência Fórum de Camponeses do Plasma de Buol (FPPB, pela sigla em inglês), que luta contra a multinacional de dendê PT Hardaya Inti Plantations, nos contam como foram enganados por falsas promessas que os levaram a aceitar esquemas de parceria com empresas em um programa apelidado pelo governo de `Plasma´. O resultado: escassez de alimentos, dívidas e ameaças de enchentes trazidas pelos monocultivos de dendê que impactam de forma específica às mulheres. Hoje se organizaram para enfrentar essa armadilha e lutar pela recuperação das terras e seu modo de vida tradicional.  

Integrantes do movimento Território de Vida, Interétnico e Intercultural de Cajibío (TEVIIC), da Colômbia, nos contam no terceiro artigo como uniram povos indígenas e camponeses nesse movimento para enfrentar uma das maiores multinacionais do mundo na produção de papel e papelão: a Smurfit Westrock. Organizados, lutam para avançar com a Reforma Agrária a partir da autonomia e da retomada de terras usurpadas pela empresa. 

O quarto artigo traz o depoimento de duas mulheres de movimentos de camponeses em luta pela terra, uma da Tailândia e outra do Brasil. Em ambos os casos, as mulheres têm protagonismo na luta pela ocupação de áreas que conseguiram arrebatar de gigantes do setor. Onde antes havia apenas monocultivo de árvores, agora, pelas mãos delas, abrem-se espaços para o plantio de alimentos agroecológicos. 

Por fim, o quinto artigo nos leva até a Libéria. Uma entrevista exclusiva com duas lideranças do clã Joghban traz detalhes das diversas violências que viveram com a chegada das multinacionais da borracha, a LAC-Socfin, e do dendê, a Equatorial Palm Oil - antiga LIBINC. Mas o foco da entrevista é, sobretudo, como as mulheres e homens, articulados, conseguiram uma vitória histórica: retomar e ter reconhecido parte de seu território tradicional invadido por uma dessas empresas.

Embora  os impactos desses monocultivos de árvores estejam registrados nos artigos que aqui trazemos, a partir das palavras daqueles que os vivem na pele, este não é apenas um Boletim de denúncia. É sobretudo um Boletim para alimentar a esperança. É uma amostra de que a resistência contra os monocultivos de árvores - e o modelo que representam - pulsa forte no Sul Global, especialmente entre as mulheres. Colocar lado a lado essas resistências nas páginas que seguem é também um esforço de aproximar lutas e povos que, apesar das diferenças e das distâncias geográficas, trazem semelhanças históricas e objetivos comuns: dizem não ao monocultivo de árvores e sim à autonomia das comunidades. 

Boa leitura!


Referências:

    (1) WRM, Monoculturas de árvores.
    (2) WRM, 2017. As plantações da SOCFIN na África: no mínimo, irresponsáveis, mas sobretudo violentas e destrutivas 
    (3) WRM, 2020. Vídeo: A violência e o abuso sexual contra mulheres em plantações industriais de dendê DEVEM ACABAR
    (4) Rede Alerta contra os Desertos Verdes, 2023. O que você precisa saber sobre a empresa Suzano Papel e Celulose.
    (5) WRM, 2025. Contra o capital e o patriarcado, mulheres do MST realizam jornada de luta e ocupam plantações de eucalipto da Suzano, no Brasil  
    (6) MST, 2025. Mulheres Sem Terra interditam via de acesso à Suzano no Maranhão. Mulheres Sem Terra interditam via de acesso à Suzano no Maranhão - MST
    (7) WRM, Mulheres e monoculturas de árvores
    (8) WRM, 2018. B 236 Women, tree plantations and violence: building resistances