Filipinas: defender os defensores, defender seus direitos

Juvy Capion era uma indígena b’laan, mãe de três filhos e uma firme defensora de seu domínio ancestral em Cotabato do Sul, nas Filipinas, contra o projeto de mineração Tampakan. Sua casa foi metralhada no início da manhã de 18 de outubro de 2012. Os homens do 27º Batalhão de Infantaria das Forças Armadas das Filipinas (AFP, na sigla em inglês), que lideraram o ataque, disseram ser uma legítima operação militar contra um bandido. O “bandido” era Daguil Capion, marido de Juvy e líder tribal que também se opunha fortemente ao projeto de mineração. O ataque deixou mortos Juvy e seus dois filhos, Jordan, 12 anos, e John, 8 anos. Vicky, de 4 anos de idade, sobreviveu. Daguil, por sua vez, não estava em casa naquele momento.

O caso, conhecido como o “Massacre Capion”, é um dos 31 assassinatos extrajudiciais relacionados à mineração e outras campanhas extrativistas no governo anterior, chefiado por Aquino, que permanece sem solução.

Enquanto isso, continua avançando o Projeto de Mineração Tampakan, da Sagittarius Mines, Inc., que tem participações da empresa australiana Indophil Resources NL. A área do projeto sobre cerca de 10 mil hectares, incluindo terras agrícolas e domínios ancestrais dos povos indígenas b’laan. Ele é apresentado como o maior projeto de mineração de cobre e ouro no Sudeste Asiático.

O novo governo do presidente Duterte se comprometeu a permitir apenas a “mineração responsável” no país e fechar todas as minas que tenham impactos negativos sobre o meio ambiente. O Presidente nomeou Regina Lopez como secretária [ministra] do Departamento de Meio Ambiente e Recursos Naturais (DENR). Ela é conhecida por seu trabalho em campanhas contra a mineração, de forma que a notícia foi bem recebida nas comunidades afetadas pela atividade e entre organizações ambientais. Regina Lopez determinou a realização de auditorias na mineração e, como resultado, 23 mineradoras foram fechadas e mais cinco, suspensas. Mais tarde, ela também determinou o cancelamento de 75 contratos de mineração, entre eles, o do projeto Tampakan.

Essas ações lhe renderam a ira da indústria de mineração, que fez lobby para rejeitá-la como secretária do DENR no Comitê do Congresso responsável pelas nomeações. Mesmo que as comunidades locais, os movimentos ambientalistas e o público em geral a tenham apoiado, depois de uma longa série de audiências no Congresso, Regina Lopez acabou sendo rejeitada. O secretário do Departamento de Finanças, Carlos Dominguez, soltou um suspiro de alívio quando ela deixou o DENR. A família Dominguez tem fortes laços com diferentes mineradoras. Mais do que isso, seu irmão é executivo da Sagittarius Mines, Inc.

O Presidente, que havia apoiado Regina Lopez, apenas ficou nos bastidores enquanto sua indicada era rejeitada. E o mesmo aconteceu com sua promessa de campanha sobre a “mineração responsável”. O lobby da indústria de mineração venceu e a agenda empresarial está firmemente instalada. Com todas as ordens para fechamento em fase de recurso, o secretário Dominguez garantiu à indústria que tudo voltou ao normal, e que essas ações desfavoráveis à mineração nunca mais vão acontecer. “Nunca mais”, disse Dominguez. O próximo nomeado por Duterte como secretário do DENR foi o general Roy Cimatu, ex-chefe das Forças Armadas, agora reformado. Enquanto ainda balbucia “mineração responsável” e “equilíbrio entre o meio ambiente e investimentos em mineração”, Cimatu suspendeu a ordem administrativa de Regina Lopez que proibia a mineração a céu aberto no país.

Além de impulsionar ainda mais os investimentos de generais reformados e outros militares profundamente envolvidos na indústria de mineração, a nomeação de um militar para o órgão ambiental militariza os conflitos relacionados ao setor, bem como outros, ligados aos recursos naturais. Isso é muito alarmante. Até o momento, com base na documentação da campanha nacional contra a mineração ou Alyansa Tigil Mina (ATM), 15 defensores dos direitos humanos foram assassinados defendendo suas terras e seus territórios durante os dez meses da administração Duterte. A maioria deles era de líderes comunitários com campanhas em andamento contra a mineração e a concentração de terras. Uma das vítimas mais recentes foi Mia Mascarinas, advogada que trabalhava com direitos humanos e ambientais. Além desses assassinatos, mais de 8 mil mulheres, homens e crianças foram mortos na guerra de Duterte contra as drogas.

Mais alarmante é a declaração, pelo presidente Duterte, da lei marcial, em junho de 2017, em Mindanao, supostamente como resposta ao terrorismo do Estado Islâmico (ISIS) na região. Mindanao tem uma grande população de muçulmanos, bem como povos indígenas, e é considerada a capital da mineração no país.

Enquanto as comunidades locais em Mindanao vivenciam os graves impactos da guerra contra o terrorismo – ataques aéreos matando civis e destruindo casas, milhares de famílias fugindo de suas comunidades, falta de comida e atendimento de necessidades básicas nos centros de refugiados, e civis pegos no fogo cruzado – a indústria de mineração é rápida em seu apoio à guerra e à lei marcial de Duterte. As grandes operações de mineração na região, cuja maioria está incluída na ordem de fechamento da então secretária Regina Lopez, anunciaram que estão “operando normalmente” e que a maior presença militar na região fez com que se sentissem mais seguras.

Não é coincidência que a confiança de empresas e investidores estrangeiros no país tenha aumentado com a deterioração dos direitos humanos e a governança rígida, violenta e militarista da administração Duterte. Isso porque a oposição por parte de comunidades locais, organizações de povos e movimentos sociais será silenciada. Na verdade, a declaração do presidente contra os direitos humanos (1) e suas ameaças contra ativistas e defensores de direitos humanos (2) são, no mínimo, assustadoras: “Não acredite nesses ativistas de direitos humanos. Eu vou matá-los, juntamente com viciados em drogas, vou decapitá-los. Vocês não podem me ameaçar com isso. Tentem me colocar atrás das grades” (3). A proteção intensa que ele dá às forças policiais e militares, garantindo proteção na implementação da guerra contra as drogas e a criminalidade, é um compromisso com a impunidade. Ele deu a mesma garantia aos soldados quando declarou a lei marcial: “Eu irei para a cadeia por você. Se acontecer de vocês terem estuprado três mulheres, eu assumirei”. Essas declarações são uma clara incitação à violência, principalmente contra as mulheres. Duterte também tem usado as mulheres como parte dos incentivos e recompensas para os soldados. Ele é um presidente violento, militarista e misógino (5).

Com esse cenário político, a situação é muito difícil para os defensores dos direitos humanos, principalmente os que defendem os direitos das comunidades. Os interesses empresariais estão bem entranhados no governo Duterte, enquanto os direitos humanos e os ativistas que os defendem são demonizados. Assassinatos, estupros e objetificação das mulheres são normalizados, a cultura de violência e impunidade é promovida com firmeza. Além disso, Duterte continua  tendo uma alta popularidade entre seus 16 milhões de eleitores filipinos, o que ele usa para justificar seu autoritarismo rasteiro.

Faz só um ano que o presidente Duterte governa o país. A justiça permanece ausente para Juvy Capion e seus filhos, e para o número cada vez maior de mulheres, homens e crianças mortos em defesa de seus direitos, sua terra, suas vidas.

Mas há comunidades, grupos e organizações que, apesar do medo e da insegurança, continuam se manifestando. Eles se unem para ações organizadas contra todos esses abusos e vão às comunidades para fazer discussões mais aprofundadas sobre as ligações e conexões da devastação contínua de nossos recursos naturais e o militarismo do atual governo.

A esperança está dentro das comunidades e dos povos, que continuam a resistir.

10 de junho de 2017

Judy A. Pasimio

LILAK (Purple Action for Indigenous Women’s Rights)

(1) Aljazeera, Rodrigo Duterte: “I don’t care about human rights”, agosto de 2017, http://www.aljazeera.com/news/2016/08/rodrigo-duterte-human-rights-160806211448623.html

(2) Inquirer, Duterte threatens to kill rights activists if drug problem worsens”, novembro de 2016, http://newsinfo.inquirer.net/848933/duterte-threatens-to-kill-human-rights-activists-if-drug-problem-worsens

(3) Manila Standard, Duterte vows to kill EU ‘rights activists’, maio de 2017, http://manilastandard.net/news/top-stories/237140/duterte-vows-to-kill-eu-rights-activists-.html

(4) The Washington Post, Duterte jokes that his soldiers can rape women under martial law in The Philippines, maio de 2017 https://www.washingtonpost.com/news/worldviews/wp/2017/05/27/duterte-jokes-that-his-soldiers-can-rape-women-under-martial-law-in-the-philippines/?utm_term=.2a4d86247043

(5) http://cnnphilippines.com/news/2016/04/20/duterte-complaint-womens-rights-group-chr.html