Megabarragens em Sarawak: como os povos indígenas se levantam para defender seus direitos

300 indigenous people protested against Sarwak's dams at the congress of the International Hydropower Association (IHA) this May in Kuching

Foto: http://www.savesarawakrivers.com

A história da exploração de recursos, corrupção e abusos dos direitos humanos

Sarawak abriga uma flora e uma fauna incrivelmente ricas. Suas florestas tropicais são um dos lugares de mais biodiversidade do planeta. No entanto, seu primeiro-ministro Taib Mahmud vem explorando radicalmente os ricos recursos do estado durante o seu reinado de mais de trinta anos no poder. Hoje, a taxa de desmatamento de Sarawak é mais de três vezes a da Ásia em geral. (1) As plantações também estão se expandindo rapidamente: cerca de 8% do estado já estava coberto com plantações de dendezeiros em 2012 (2) e o governo planeja dobrar a área plantada até 2020. (3)

O primeiro-ministro Taib Mahmud lucrou pessoalmente com a exploração desses recursos. Taib usou sua posição política para dar aos membros de sua família concessões de madeira, óleo de dendê ou contratos com o Estado. Em Sarawak, a família de Taib controla um diversificado império de negócios, com interesses na indústria da madeira e sua extração, plantações, fornecimento de energia elétrica, construção e meios de comunicação. Durante o mandato de Taib, ele e sua família imediata acumularam participações em mais de 400 empresas em todo o mundo. A fortuna pessoal dele foi estimada em 15 bilhões de dólares.

Os abusos dos direitos humanos têm acompanhado a exploração agressiva dos recursos naturais em Sarawak. O direito dos povos indígenas a suas terras ancestrais já foi negado muitas vezes. As comunidades indígenas querem que suas florestas, as quais elas têm usado para caça e coleta durante séculos e que constituem uma parte essencial da sua identidade e sua cultura, sejam legalmente reconhecidas. O governo, no entanto, só está disposto a conceder terras se a vegetação tiver sido cortada para a agricultura – o resto da terra é considerado estatal e, portanto, disponível para a extração de madeira e óleo de dendê.

Como os direitos do povo escoam com as águas das barragens

O último ataque do governo às terras dos povos indígenas é uma série de pelo menos 12 usinas hidrelétricas: o governo de Sarawak e a empresa estatal de energia da Malásia, a Sarawak Energy, visam um aumento de seis vezes na capacidade de produção de eletricidade a partir dos 1.300 Megawatts de hoje, para algo entre 7.000 MW e 8.500 MW em 2020. (4) É muito questionável se haverá compradores suficientes para a nova energia, mas as empresas da família Taib lucram de qualquer maneira, pois constroem as linhas de transmissão e os locais de reassentamento, além de ter monopólio sobre o cimento e estar envolvidas nas fundições que serão alimentadas pelas novas barragens.

Sarawak é conhecida por ter uma das maiores barragens da Ásia, a recém-concluída barragem de Bakun. Os 10.000 indígenas desalojados contam histórias de promessas não cumpridas e perda de meios de subsistência. Eles nunca foram devidamente informados nem consultados sobre a construção da barragem. As circunstâncias nos locais de reassentamento não lhes permitiram dar continuidade a seu estilo de vida tradicional, já que a terra disponível para a agricultura muitas vezes é inadequada e não há mais matas para a caça e a coleta de produtos florestais. Muitos deles ainda esperam receber todo o pacote de indenização prometido – mais de uma década após seu reassentamento.

O reassentamento para a Barragem de Murum, a primeira da nova série, teve início em setembro de 2013, apenas três semanas antes de começar o enchimento do reservatório. Assim como ocorreu antes em Bakun, os direitos das comunidades afetadas foram violados: as comunidades indígenas não tiveram oportunidade de dar nem de recusar seu consentimento livre, prévio e informado ao projeto. A avaliação de impacto social e ambiental foi feita somente após o início da construção. O direito dos povos indígenas a escolher seu próprio caminho de desenvolvimento lhes foi negado: o governo usa o reassentamento para forçar as pessoas a entrar na sociedade dominante.

Salvem os rios de Sarawak: um movimento indígena está surgindo

A barragem de Baram, a próxima hidrelétrica proposta, afetaria 400 km2 de terras indígenas e até 20.000 pessoas. Os afetados já ouviram as histórias de seus irmãos e irmãs desalojados pelas barragens de Bakun e Murum, e já fizeram suas primeiras experiências com a Sarawak Energia: consulta e consentimento são entendidos como dar informações sobre como a hidrelétrica de Baram vai melhorar as vidas deles. As primeiras desapropriações de terras já ocorreram, embora nenhuma avaliação ambiental tenha sido concluída e o projeto não tenha sido aprovado oficialmente. Consequentemente, os povos indígenas tomaram a decisão de lutar contra a barragem de Baram e proteger suas terras ancestrais.

Grandes corporações lucram com grandes barragens em Sarawak

A International Hydropower Association (IHA) é um lobby da indústria composto por construtoras e financiadores de barragens que promovem o uso da energia hidrelétrica. A IHA está trabalhando estreitamente com a empresa de energia elétrica Sarawak Energy Berhad (SEB) para promover as barragens em Sarawak como “melhor prática”, apesar das evidências em contrário.

Na verdade, as empresas que estão construindo e prestando serviços de consultoria para as barragens de Sarawak – incluindo SEB, Norconsult, Hydro Tasmania, China Three Gorges Corporation e Sinohydro – patrocinam a IHA. A Corporação Financeira Internacional, do Banco Mundial, o Banco Asiático de Desenvolvimento e o Banco Interamericano de Desenvolvimento também apoiaram a IHA, a qual, em maio deste ano, organizou um seminário na Malásia, no âmbito do seu Congresso de 2013.

A SEB afirmou que a ferramenta de auditoria de “sustentabilidade” voluntária da IHA, o Hydropower Sustainability Assessment Protocol (HSAP), pode ajudar a gerenciar os riscos ambientais e sociais das barragens de Sarawak.

No entanto, o HSAP foi desenvolvido sem a participação das comunidades atingidas por barragens e da sociedade civil, e tem recebido críticas por ser controlado de perto pela indústria, pela exclusão das pessoas afetadas e por seu sistema de pontuação subjetivo, que poderia ser usado para fazer lavagem verde nas barragens.

“Está claro que a construção das barragens se destina principalmente a fornecer energia para as indústrias que a utilizam de forma intensiva, como usinas de fundição de alumínio, fábricas de magnésio e indústrias de silício,” denunciou a rede local das comunidades indígenas e organizações da sociedade civil Save Sarawak Rivers.

Fontes: “The Sarawak Dams and Industry Greenwash”, Save Sarawak Rivers, http://www.savesarawakrivers.com/ihahsap/

 

As comunidades afetadas e grupos da sociedade civil fundaram a organização “Save Sarawak Rivers Network” (SAVE Rivers) no final de 2011, com o seguinte objetivo: “Juntos, estamos trabalhando para proteger nossos direitos humanos e deter as barragens destrutivas em Sarawak”. Desde então, eles têm agido de forma incansável. Suas cartas, abaixo-assinados, conferências e protestos têm recebido muita atenção do público.

Quando a Sarawak Energy tentou realizar um tradicional ritual de oração do Baram, no local da barragem proposta, em 2012, moradores irritados interromperam a cerimônia em barcos. Filipe Jau, membro da SAVE Rivers, perguntou: “Como pode a Sarawak Energy e o governo realizarem nossa tradicional oração ritual “Mayau Dalleh” para abençoar uma barragem que irá destruir nossa cultura de Baram?” Alguns dias depois, 150 indígenas realizaram a sua própria oração contra a hidrelétrica, no mesmo local.

Em maio de 2013, as empresas internacionais de energia hidrelétrica se reuniram em Kuching. Elas se depararam com 300 manifestantes que haviam viajado de toda a Sarawak para falar contra a construção de barragens e o desrespeito em relação ao direito que têm a suas terras ancestrais. Desde outubro, cerca de 200 indígenas têm participado de dois bloqueios na área de Baram – um contra a continuação da construção da estrada de acesso e outro perto do local proposto para a barragem. O trabalho de construção da estrada e a amostragem de solo sofreram uma paralisação completa.

Os manifestantes foram surpreendidos por seu próprio sucesso. As ações e, principalmente, os bloqueios receberam muita solidariedade. Parece que o movimento contra as barragens se ampliou e mobilizou muitos grupos indígenas a partir de questões relacionadas à terra. Em breve, poderá ter chegado a hora de uma mudança em Sarawak. Vamos apoiar as comunidades na luta pelos seus direitos e terras!

Mais informações e ações a ser realizadas:
Assine o abaixo-assinado no site da SAVE Rivers: www.savesarawakrivers.com
Assista ao filme: www.youtube.com/watch?v=wewbJbo7I1Q
Leia mais: www.stop-corruption-dams.org, www.sarawakreport.org/tag/dam-watch/

Autores: Annina Aeberli, Bruno Manser Fund, www.bmf.ch. O Bruno Manser Fund, com sede na Suíça, está empenhado em proteger as florestas tropicais ameaçadas e os direitos dos povos indígenas em Sarawak. A organização tem trabalhado em estreita colaboração com a rede local SAVE Rivers no apoio à luta contra as megabarragens planejadas em Sarawak.

(1) SarVision, Impact of oil palm plantations on peatland conversion in Sarawak 2005-2010”, 25 de janeiro de 2011, http://www.wetlands.org/Portals/0/publications/Report/Malaysia%20Sarvision.pdf
(2) Malaysian Palm Oil Board (MPOB) “Oil Palm Planted Area”, dezembro de 2012, http://bepi.mpob.gov.my/images/area/2012/Area_summary.pdf
(3) Jack Wong (2010) “Sarawak to double oil palm plantation area”, in: The Star [Malaysia], 30.11.10.
(4) Sarawak Energy Berhad (2012) “2010 Annual Report”, página 28.