A região Nordeste da Índia tem um contexto geopolítico muito específico. É composta por oito estados – Arunachal Pradesh, Assam, Manipur, Meghalaya, Mizoram, Nagaland, Tripura e Sikkim – e tem quase todas as suas fronteiras geográficas compartilhadas com cinco países: China, Mianmar, Bangladesh, Nepal e Butão. Sendo assim, só está ligada ao resto da Índia através do Corredor Siliguri (amplamente conhecido como Pescoço de Galinha), que tem apenas cerca de 20 km de largura.
Além disso, a região é considerada fundamental para a ligação com o Sudeste Asiático por meio de uma rota terrestre, especialmente com a ampliação da Rodovia Transasiática e da Ferrovia Transasiática. Principalmente para o estado de Manipur, isso está transformando a sua região num corredor de comércio internacional, que pode ter impactos de longo alcance sobre os sistemas de subsistência, as florestas e os territórios diversos.
Empresas de dendê controlam mais terras no estado de Manipur
O estado de Manipur foi notícia recentemente devido aos conflitos violentos entre os povos Meitei e Kuki. No entanto, esses conflitos vêm ocorrendo de forma intermitente desde os tempos coloniais, quando essas pessoas foram “absorvidas” sob o domínio britânico e, mais tarde, sob as jurisdições do governo da Índia ou de outros países vizinhos, sem que se levasse em consideração as populações e os territórios ancestrais. Assim, a raiz da violência em Manipur pode ser atribuída a medidas que ameaçam os direitos consuetudinários dos Povos Indígenas sobre os seus territórios. (1)
No entanto, os conflitos poderão piorar com a atual pressão para expandir as plantações de dendezeiros. Já existem cerca de 6.300 hectares de plantações de papoula identificadas nos morros, com alguns especialistas explicando que o “triângulo dourado” da produção da droga se mudou para Manipur. (2) A expansão de outras monoculturas será desastrosa para as florestas de Manipur. O plano do governo é estabelecer plantações de dendê em terras de pequenos agricultores no vale, bem como na base das encostas, que são principalmente florestas sob diferentes formas de proteção legal e comunitária, mas também algumas usadas para o Jhum (conhecido como cultivo itinerante ou terraceamento). Essa expansão provavelmente acabará com a soberania alimentar e as fontes de água de vários Povos, mas também dificultaria aspectos fundamentais das relações e ligações com os seus territórios, que incluem suas memórias, seus saberes e suas práticas. Em resumo, um novo sistema econômico imposto de fora e intimamente ligado aos regimes de comércio globais substituirá uma economia que, em grande parte, é de subsistência, que foi construída ao longo de gerações.
A Índia é um importador de óleo de dendê, principalmente da Malásia e da Indonésia – uma estimativa em torno de nove milhões de toneladas por ano. Ainda assim, em agosto de 2021, o governo anunciou a Missão Nacional sobre Sementes Oleaginosas e Dendezeiros, com o objetivo de aumentar a produção nacional de óleo de dendê. A meta é expandir as plantações para 1 milhão de hectares até 2025-26 e 1,65 milhões até 2029-30, com especial atenção ao nordeste e às Ilhas Andaman e Nicobar.
Nesse contexto, em 2020, o estado de Manipur lançou o projeto Missão Dendezeiros de Manipur (Oil Palm Mission Manipur, OPMM), que visa converter mais de 66.500 hectares em plantações de dendê. Considerando que quase 70% do território de Manipur ainda é de florestas, isso representa uma grande ameaça aos sistemas dos Povos Indígenas.
A estratégia para concretizar essa expansão em Manipur parece estar voltada principalmente à agricultura integrada (ou agricultura por contratos). Embora apresentada como um acordo vantajoso para todos, esse sistema é, na verdade, uma armadilha para os pequenos agricultores. Ao ficarem presos a contratos, eles acumulam dívidas desde o início, perdem a liberdade de decidir a quem vender sua produção, enfrentam restrições rigorosas ao plantio de outros cultivos e abrem mão da autonomia, e até das suas terras. (3)
Para convencer os pequenos agricultores a aceitarem mudar seus cultivos e iniciarem viveiros de dendê, os governos central e estadual estão oferecendo diferentes subsídios, sementes e apoio técnico. Ao mesmo tempo, empresas como a Godrej Agrovet ou a Ruchi Soya Industries Ltd., que faz parte do grupo multinacional Patanjali, oferecem contratos para garantir aos agricultores que os frutos colhidos serão comprados por elas, mesmo que os preços de mercado caiam. A Godrej Agrovet é a maior processadora de dendê do país, com cerca de 65.000 hectares de plantações de dendê em toda a Índia.
Em 2022, a Godrej Agrovet assinou Memorandos de Entendimento com os estados de Manipur, Assam e Tripura, por meio dos quais obteve terras nos três estados para o desenvolvimento e promoção do cultivo do dendê. A empresa já possui plantações de dendê em Mizoram, onde também tem uma planta de processamento desde 2014, além de outras cinco fábricas na Índia. Em 2022, o diretor-presidente da Godrej Agrovet disse que a empresa planeja converter outros 15.000 hectares em dendezeiros nos quatro estados nos próximos cinco anos. (4)
Além disso, em setembro de 2023, a Godrej Agrovet assinou um acordo com a empresa malaia de óleo de dendê Sime Darby para importar sementes para suas plantações na Índia. O porta-voz da Godrej Agrovet confirmou que tem mais gente trabalhando na região e que a empresa está abrindo locais para distribuição de fertilizantes, equipamentos e know-how aos agricultores que assinarem contratos com a empresa. (5)
De acordo com grupos que atuam em Manipur com quem o WRM conversou, representantes de empresas foram vistos em Manipur e outros estados do Nordeste tentando convencer pequenos agricultores a entrar no negócio do dendê. Eles estão solicitando aos agricultores que formem comitês para facilitar a conversão de “terras agrupadas” em plantações de dendezeiros. Isso, claro, facilita principalmente o plano da empresa de controlar grandes áreas de terra.
A maior parte da área que o governo destinou para plantações de dendê em Manipur fica no vale e na base das encostas, onde a terra é mais fragmentada entre pequenos proprietários. Portanto, o governo e a empresa precisam de muitas centenas de agricultores para chegar aos milhares de hectares que esperam converter.
Além do vale, o consultor do projeto em Manipur revelou, durante um workshop em junho de 2022, que as plantações também seriam estabelecidas em terras de cultivo itinerante “abandonadas”, em morros, pousios e na base de encostas. (6) O governo afirma que as terras em pousio do sistema Jhum – a prática ancestral de cultivo itinerante em Manipur – estão “sem uso” e precisam ser convertidas em terras “produtivas”. Mas não há nada sem uso ou abandonado nas terras do Jhum. As áreas não cultivadas em um determinado período estão sendo renovadas e recuperadas, o que levará a colheitas mais frutíferas em um período posterior. O Jhum tem sido usado há gerações, principalmente pelos indígenas Nagas e Kukis, e está intimamente ligado à sua existência.
No entanto, a retórica colonial que silencia e deprecia os saberes e as práticas indígenas é uma imposição ainda repetida e usada por governos e empresas para ampliar seu controle sobre mais terras. Destruir pequenas propriedades e áreas de Jhum acabaria com a soberania alimentar das pessoas e com suas relações com o território, destruindo sua própria existência como Povos Indígenas.
RSPO: uma marca para lucros sustentáveis
Os estados de Assam, Tripura, Arunachal Pradesh, Nagaland e Mizoram já iniciaram plantações de dendezeiros em 2017, mas os novos planos de expansão geraram resistência entre os habitantes da região Nordeste porque as metas nacionais e estaduais exigirão o desmatamento de grandes áreas de floresta e solos férteis. A resistência está ficando mais forte, com grupos em Mizoram começando a rejeitar grandes plantações de dendê no estado, (7) pois já veem que a escassez de água é evidente em várias áreas rodeadas por elas.
Paralelamente, a propaganda estatal diz que as más experiências da Indonésia e da Malásia não se repetirão no Nordeste da Índia, uma vez que os pequenos proprietários podem deixar espaço para os agricultores cultivarem os seus próprios alimentos. (8) Mas os pequenos agricultores estão tomando conhecimento das experiências que ocorreram na Indonésia e na Malásia.
Apesar da resistência e das preocupações de muitos setores da sociedade civil em Manipur, de acordo com grupos com quem o WRM falou no estado, representantes do esquema de certificação RSPO (Mesa Redonda sobre Dendê Sustentável, na sigla em inglês) começaram a conversar com pequenos agricultores na região Nordeste sobre o que chamam de “óleo de dendê responsável”, tentando convencê-los a assinar os contratos. Os representantes da RSPO argumentam que a agricultura integrada será sustentável e benéfica para os agricultores e que eles não devem ter medo, pois essas plantações podem ser feitas “da forma correta”.
A presença da certificação na região coincide com o mais recente marco da RSPO, que atingiu 100 membros na Índia. A esse respeito, a RSPO anunciou, em agosto de 2023, que “intensificou seus envolvimentos e suas intervenções com o governo indiano, atores da indústria e comunidades, ampliando o apelo à sustentabilidade através de parcerias eficazes na indústria de óleo de dendê no país”. (9)
Segundo Ram Wangkheirakpam, ativista ambiental radicado em Manipur, a vinda da RSPO tentou reduzir a resistência. No entanto, o recado foi claro: “Não pode haver plantações de dendê responsáveis nessa escala”. Não se trata apenas de ativistas, mas também de sindicatos de agricultores em Manipur, que já deixaram clara a sua posição. Representantes dos agricultores de todos os distritos ressaltaram a necessidade de estabelecer um sindicato de agricultores forte para todo o estado para dar destaque às suas pautas. Eles já decidiram dizer NÃO às plantações de dendê em Manipur. (10)
Definindo “florestas” como plantações: uma lei para permitir mais desmatamento
Como se os planos para expandir as plantações de dendê em Manipur não representassem uma ameaça suficiente para as populações que dependem da floresta, em agosto de 2023, uma nova Emenda à Lei de Conservação Florestal foi promulgada pelo governo do país. Embora o nome da lei esteja relacionado à “preservação das florestas”, na realidade, ela promove ativamente a “florestação compensatória”. Isso significa que as plantações industriais de árvores são promovidas com o objetivo declarado de aumentar a “cobertura florestal” da Índia e cumprir o seu compromisso internacional de criar um sumidouro adicional de carbono de 2,5-3 mil milhões de toneladas até 2030.
Agora, a lei está configurada para mudar drasticamente a área de conservação florestal no país, alterando a histórica Lei (de Conservação) Florestal de 1980, que tentou conter o desmatamento generalizado.
Em grande parte, ela restringe a conservação às florestas cadastradas nos registos governamentais após 1980, o que significa que 28% das florestas da Índia ficam automaticamente sem proteção. Além disso, outras grandes áreas florestais estão agora sem proteção devido a segurança nacional e outras razões. O resultado será o desvio desenfreado de florestas para plantações, infraestrutura e outros interesses comerciais. (11)
As florestas do Nordeste da Índia, que representam até 25% do total das áreas florestais do país, deverão ser especialmente atingidas por essa nova lei, uma vez que grande parte dessas áreas não consta de qualquer registro oficial. Em Manipur, 88% das florestas não são classificadas como tal nos registros oficiais. (12)
Ainda mais alarmante para a região Nordeste é que, de acordo com a lei, não será mais exigida autorização do Ministério do Meio Ambiente para desmatar florestas em um raio de 100 km das fronteiras internacionais para construir “projetos lineares estratégicos de importância nacional”. (13) Isso afeta todos os oito estados do Nordeste. Na prática, a lei suspende a proibição do desmatamento nas zonas fronteiriças. Como todos os estados dessa região estão rodeados por outros países, dificilmente restará qualquer área se contarmos os 100 km a partir das fronteiras internacionais.
A Legislação também é completamente omissa com relação aos direitos das comunidades florestais, não fazendo qualquer menção à Lei dos Direitos Florestais (FRA) ou às Tribos Reconhecidos e Outros Habitantes Florestais Tradicionais (Lei de Reconhecimento dos Direitos Florestais de 2006). (14)
Com grandes áreas de floresta ameaçadas de perder a proteção e os Povos Indígenas, de perderem seus direitos, o foco está na expansão das grandes plantações industriais com base na narrativa de enfrentar as mudanças climáticas e implementar o “desenvolvimento sustentável”. Seguindo as diretrizes da FAO, a agência da ONU para a agricultura e a alimentação, na Índia (assim como em muitos outros países) “florestas” são igualadas a plantações industriais. Isso não é apenas falso, mas também perigoso, pois reduz toda a diversidade, complexidade, interconexões e relações da floresta com outras pessoas, incluindo as populações humanas, à contabilização de árvores (e agora, convenientemente, do carbono armazenado nessas árvores). (15)
Na prática, a Lei está abrindo as portas à exploração comercial das florestas do Nordeste da Índia, ao mesmo tempo em que converte essas áreas grandes e diversas em plantações de monoculturas. Paradoxalmente, essas áreas de plantação poderiam ser consideradas como “florestas” nos registros oficiais, uma vez que eles apenas contabilizarão o aumento da cobertura arbórea, apesar dos vestígios de desmatamento.
No entanto, contra todas as probabilidades, a resistência é forte. É fundamental sermos solidários com os grupos que lutam para defender a vida no Nordeste da Índia.
O Secretariado do WRM, em conversas com grupos que atuam em Manipur e na região Nordeste*
*Alguns grupos e pessoas com quem o WRM conversou são mantidos anônimos por motivos de segurança
(1) Frontline, 2023, New forest laws and ‘development’ push: A prelude to a ‘land grab’ in India’s north-east?
(2) FirstPost, 2023, Curse of drugs and how the Golden Triangle entangled disturbed Manipur
(3) WRM, Nove razões para dizer NÃO aos contratos com o agronegócio do dendê.
(4) The Economic Times, 2023, Oil palm cultivation: Godrej Agrovet signs MoUs with Assam, Manipur and Tripura.
(5) Business North East, Godrej Agrovet plans big for oil palm in Northeast
(6) The News Mill, 2023, Palm oil and the politics of eviction for oil palm plantation – in Manipur.
(7) The Frontier Manipur, 2022, Oil palm plantation: Irreversible transformation of terrains.
(8) The Frontier Manipur, 2022, Stage set for big push to oil palms plantation in Manipur
(9) RSPO, RSPO Scales up Sustainable Palm Oil Partnerships in India
(10) The Frontier Manipur, 2022, Manipur farmer representatives say no to palm oil tree plantation in state
(11) Mongabay, 2023, What does the Forest (Conservation) Amendment Act mean for northeast India?
(12) Idem (11)
(13) The Hindu, 2023, What will the amended Forest (Conservation) Act change?
(14) WRM, 2019, Tentativa de recolonizar florestas na Índia. As novas propostas de emenda à Lei Indiana de Florestas.
(15) WRM, Definição de Florestas da FAO.