“Tirando a polpa de madeira” da alimentação local

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Um dos gigantes de papel e celulose da Indonésia, a Asia Pulp & Paper (APP), está planejando construir uma nova fábrica de celulose, não só para fornecê-la a indústrias de papel do Grupo APP, mas também para ter a sua própria produção de papel. A destruição das turfeiras onde estão localizados vários dos povoados que seriam afetados pela construção e operação da fábrica poderia causar enchentes e a destruição de sistemas agrícolas estabelecidos há muito tempo. Além disso, a contínua expansão das concessões de plantações industriais de árvores sobre as turfeiras de Sumatra do Sul já está causando aumento da poluição atmosférica, incêndios e impactos sociais negativos.

Em 2012, a Asia Pulp & Paper (APP) anunciou seu plano de construir uma nova fábrica de celulose com capacidade instalada de dois milhões de toneladas por ano. A fábrica, chamada de “PT OKI Pulp & Paper”, seria localizada na Província de Sumatra do Sul, para ser mais preciso, em Air Sugihan, distrito de Ogan Komering Ilir (OKI). O objetivo era não apenas fornecer polpa de madeira para indústrias de papel do Grupo APP, mas também construir a sua própria fábrica. A PT OKI deveria se tornar a maior fábrica de celulose e papel da Ásia.

O investimento necessário estimado para a fábrica de celulose era de 2,6 bilhões de dólares. Como a nova empresa construiria mais uma fábrica de papel absorvente de 500 milhões de dólares, o investimento total seria de mais de 3 bilhões. Parte dos recursos viria de um crédito de 1,8 bilhão de dólares do China Development Bank (CDB). O acordo de crédito foi assinado pelo então presidente da Indonésia Susilo Bambang Yudhoyono e pelo presidente chinês Xi Jin Ping, em Jacarta, durante o almoço de negócios Indonésia-China, em 3 de outubro de 2013 (1). O saldo (839 milhões de dólares) para a construção da fábrica de celulose seria fornecido pelos acionistas da PT OKI.

De acordo com a Carta de Princípios de Investimento do Conselho de Coordenação de Investimentos da Indonésia (Badan Koordinasi Penanaman Modal, BKPM) Número 361/1/IP/I/PMA/2012, de 5 de Junho de 2012, todo o capital necessário viria de fontes estrangeiras, ou seja, da PT Muba Green Indonesia (99%) e da Green Unity Holding Pte, Ltd (1%); ambas com sede em Cingapura. O investimento total de 23 trilhões de rúpias indonésias viria de capital próprio (250 bilhões) e de um empréstimo (22,75 trilhões). Estimou-se que a fábrica empregaria 2.200 trabalhadores, entre os quais estariam 200 mulheres.

A Carta do BKPM também observa que a PT OKI deve providenciar sua própria eletricidade, bem como evitar branqueamento com sulfito/cloro, e obter matérias-primas a partir de importações ou das concessões de plantações de árvores industriais já existentes (por exemplo, o Acordo de Cooperação para Fornecimento de Madeira entre a PT OKI Pulp & Paper Mills e a PT Bumi Mekar Hijau, que tem uma Permissão para Exploração de Madeira desde 2004).

Na província de Sumatra do Sul, o Sinar Mas Group, um dos maiores conglomerados da Indonésia, do qual a APP é subsidiária, tem oito concessões de plantações industriais de árvores, gerenciadas por suas subsidiárias locais PT Rimba Hutani Mas (67.100 ha), PT Sumber Hijau Permai (30.400 ha), PT Bumi Persada Permai (60.433 ha e 24,050 ha), PT Tripupa Jaya (21.995 ha), PT Sebangun Bumi Andalas (142.355 ha), PT Bumi Mekar Hijau (250.370 ha) e PT Bumi Andalas Permai (192.700 ha).

De acordo com a informação pública disponível aos acionistas da PT Pabrik Kertas Tjiwi Kimia Tbk – a garantidora da PT OKI – a composição acionária da PT OKI Pulp & Paper é a seguinte: PT Muba Green Indonesia (29,42%), Perseroan (35,29%) e PT Pindo Deli Pulp and Paper Mills (35,29%). A PT Pindo Deli Pulp and Paper Mills é a empresa matriz da PT Lontar Papyrus Pulp & Paper Industry – uma fábrica de celulose e papel que opera na província de Jambi (2). A maior acionista da PT Pindo Deli Pulp and Paper Mills, a PT Purinusa Ekapersada (97,73%), também é a maior acionista da PT Tjiwi Kimia Tbk (60%). Sendo assim, foi um negócio feito dentro de um grupo empresarial – um modelo de negócios de baixo risco e rigidamente controlado, que oferece garantia e apoio mútuo.

O que precisa ser analisado é a forma e o regime do financiamento. Por exemplo, o acordo de crédito com o China Development Bank (CDB) envolveu dois presidentes – qual o status do então presidente Susilo Bambang Yudyohono ou da Indonésia como país, a esse respeito? A Indonésia já foi gravemente atingida por crises econômicas como resultado da enorme quantidade de empréstimos externos assumidos pelo setor privado, nos quais o Estado tem que arcar com todas as consequências. O próprio CDB é um banco estatal chinês e, portanto, totalmente controlado pelo Conselho de Estado da China.

A província de Sumatra do Sul, onde a PT OKI seria construída, deu início a um programa chamado “Sumatra do Sul: um Celeiro Nacional de Alimentos”. O plano geral já foi desenvolvido e define o planejamento do governo provincial no médio prazo, com ambiciosos objetivos de produção de algumas commodities importantes: arroz (2 milhões de toneladas), milho (200 mil toneladas), borracha (800 mil toneladas), óleo de dendê cru (1,8 milhão de toneladas), café (150 mil toneladas), copra (70 mil toneladas), gado (623.740 cabeças), camarão (35 mil toneladas), peixes de criadouro (28 mil toneladas) e madeira para celulose (10,3 milhões de metros cúbicos) (3).

A inclusão de óleo de dendê cru e celulose no plano geral reflete a dependência em relação a modelos baseados em grandes monoculturas destinados a abastecer gigantes industriais exportadores. Por outro lado, a natureza ambiental e socialmente destrutiva dessas commoditiesmonocultoras, que não têm relação direta com o sistema local de cultivo de alimentos, não é levada em consideração.

Várias aldeias no subdistrito de Air Sugihan, distrito de OKI, podem ser afetadas pela construção e a operação da PT OKI, como Suka Maju, Tirta Mulya, Sri Jaya Baru, Mukti Jaya, Bandar Jaya, Banyu Biru e Jadi Mulya. A maioria das aldeias está localizada em terras de turfeira e cultivo de arroz, um alimento básico na Indonésia.

Tomemos como exemplo a aldeia de Jadi Mulya, que está localizada em Parit 23, Bloco D, Air Sugihan. Os moradores praticam o cultivo de arroz irrigado pela chuva e construíram um assentamento integrado que se ajusta às características das turfeiras (ou seja, com canais para regular a circulação e transporte de água). Os moradores disseram que a PT OKI seria construída em terreno de turfa que, se não fosse bem administrado, inundaria a aldeia, interrompendo o antigo sistema agrícola. Além disso, a PT OKI seria limítrofe à área protegida onde vivem crocodilos e várias outras espécies endêmicas. Outra preocupação é a gestão de resíduos – onde a empresa eliminaria os resíduos? Despejar o lixo no rio afetaria muito o sistema agrícola local.

Uma nota crítica da Amigos da Terra/WALHI – Sumatra do Sul revela que a expansão das concessões de plantações industriais de árvores nas turfeiras de Sumatra do Sul, incluindo as do Distrito de OKI, levou ao aumento da poluição atmosférica. Mais de 500 incêndios foram identificados dentro da concessão do Grupo Sinar Mas, em agosto e setembro de 2014 (4). Um jornal de circulação nacional também informou que o distrito de OKI estava entre os mais poluídos da província (5).

Em 5 de fevereiro de 2013, a Asia Pulp & Paper (APP), a empresa-matriz do grupo Sinar Mas, lançou sua Política de Conservação Florestal (FCP), comprometida com baixas emissões, o que certamente se refere a controle de incêndios. É importante que a APP forneça informações de forma pública sobre os impactos da expansão de suas plantações industriais de árvores (por exemplo, sobre os inúmeros incêndios e o aumento da poluição do ar).

Umi Syamsiatun, CAPPA-Ecological Justice Foundation, umi.cappa@gmail.com

(1) APP dapat Pinjaman US$ 1,8 Untuk Bangun Pabrik Pulp Terbesar di RI, Okezone.com
(2) Annual Report 2009 PT Lontar Papyrus Pulp & Paper Industry
(3) Master Plan Lumbung Pangan Sumatera Selatan, 2005
(4) www.walhi-sumsel.blogspot.com
(5) http://news.metrotvnews.com/read/2014/11/03/313616/oki-tolak-dianggap-penghasil-asap-di-sumsel