Austrália: polpação da democracia

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Nesta semana, o Parlamento tasmaniano vai debater sobre a fábrica de celulose proposta pela Gunns em Bell Bay na Tasmânia. Se for construída, o projeto de USD 1,4 bilhões precisaria quatro milhões de toneladas de troncos ao ano. Dobraria a taxa atual da Gunns de corte rente nas florestas nativas da Tasmânia. A fábrica de celulose produziria grandes volumes de toxinas, poluindo o ar e o Estreito de Bass da Tasmânia.

No dia anterior ao começo das discussões pelo Parlamento tasmaniano, o Ministro Federal de Meio Ambiente da Austrália, Malcolm Turnbull, anunciou um "rascunho de decisão" para aprovar a fábrica de celulose.

O processo de aprovação tem virado uma fraude que envolve muitos milhões de dólares. Em julho de 2006, a Gunns apresentou um Rascunho de Relatório do Impacto Integrado sobre a fábrica de celulose proposta ao Resource Planning and Development Committee –Comitê de Planejamento e Desenvolvimento dos Recursos- (RPDC), um órgão legal independente. Enquanto isso, o Governo tasmaniano gastou milhões de dólares dos contribuintes em uma "Força-Tarefa da Fábrica de Celulose" para promover a fábrica de celulose.

Em janeiro de 2007, dois membros do RPDC renunciaram, queixando-se da interferência política no processo de avaliação. Quando a Gunns ameaçou com não construir a fábrica se a aprovação não era outorgada dentro de seis meses, o Primeiro Ministro tasmaniano, Paul Lennon, se reuniu com o presidente da Gunns John Gay e lhe disse que estaria "trabalhando no processo para fazer o melhor para assegurar-se de que a fábrica de celulose se construa". Em março de 2007, a Gunns retirou sua solicitação ao RPDC e pediu ao Primeiro Ministro Lennon que alterasse a lei sobre a avaliação da fábrica de celulose proposta. No dia seguinte, o governo anunciou que aceleraria o processo de avaliação. Depois de reuniões com os advogados da Gunns, o governo produziu nova legislação, que foi devidamente aprovada pelo Parlamento como a Lei de Avaliação de Fábricas de Celulose de 2007. De acordo com a Lei, a decisão sobre a fábrica de celulose deve ser tomada antes do final de agosto de 2007. Em vez de fazer um processo de avaliação independente do RPDC, o Governo tasmaniano nomeou dois consultores para recomendar se a fábrica de celulose da Gunns deveria prosseguir.

A eleição pelo governo dos consultores é reveladora: a ITS Global e a SWECO PIC. A ITS Global foi estabelecida por Alan Oxley, um acadêmico australiano, lobista do livre comércio e céptico da mudança climática. Entre os clientes da ITS Global está a companhia madeireira malaia Rimbunan Hijau, cujas destruidoras operações madeireiras e abusos aos direitos humanos na Papua Nova Guiné tem feito com que seja uma das companhias mais controvertíveis no mundo. Em julho de 2006, a ITS Global emitiu uma série de relatórios louvando a Rimbunan Hijau. Não surpreende que a ITS Global tinha decidido que o "benefício líquido para a Tasmânia em geral" da fábrica de celulose proposta pela Gunns é "positivo e alto ".

A SWECO PIC é uma firma de consultoria e engenharia finlandesa. Em seu relatório ao governo tasmaniano, a companhia aponta que desde sua criação em 1971, "a SWECO PIC se tem especializado em servir à indústria da celulose e do papel". Esse é justamente o problema. A SWECO PIC não é independente da indústria da celulose.

A SWECO PIC foi contratada para avaliar se o projeto proposto cumpria com as diretrizes de emissão da Tasmânia para novas fábricas de celulose. A SWECO PIC achou que a fábrica proposta violava oito das diretrizes, mas recomendou que "o projeto pode prosseguir para sua consideração posterior pelo Parlamento tasmaniano ".

Eu fiz algumas perguntas para Rune Franzén, Diretor de Celulose e Papel da SWECO PIC e líder da equipe para a avaliação da Gunns, sobre o envolvimento de sua companhia na promoção deste projeto. Perguntei se sua companhia tinha ganhado o contrato depois de um processo de licitação internacional. Perguntei para Franzém se sua equipe tinha tido qualquer reunião com representantes das comunidades locais, organizações ambientais ou quaisquer membros do RPDC. Perguntei qual a resposta da SWECO PIC aos cálculos do Professor Andrew Wadsley que indicam que a Gunns subestimou a emissão de dioxinas da fábrica de celulose proposta por um fator de 1.400. (o relatório da SWEO PIC não trata do assunto). Perguntei de que forma a SWECO PIC lida com as acusações de conflito de interesses, já que vários antigos clientes (e potenciais futuros clientes) da SWECO PIC estão trabalhando no projeto da Gunns, incluindo a Andritz e a Pöyry.

Franzén recusou-se a responder minhas perguntas. A SWECO foi contratada apenas para avaliar a fábrica de celulose proposta, respondeu ele. "A SWECO não está envolvida em quaisquer assuntos de discussão ou debate públicos." Franzén encaminhou minhas perguntas para Rebekah Burton do Departamento do Primeiro Ministro e Gabinete na Tasmânia.

Escrevi para Burton e além das perguntas que tinha feito para a SWECO PIC, pedi uma cópia dos termos de referência da SWECO PIC e perguntei quanto tinha pagado o Governo tasmaniano pela avaliação da SWECO PIC. Em resposta, recebi uma carta assinada por Daniel Leesong, Chefe do Estado Maior no Escritório do Primeiro Ministro. Leesong também se recusou a responder minhas perguntas.

"Em Abril deste ano o Parlamento aprovou a Lei de Avaliação de Fábricas de Celulose de 2007, para estabelecer um processo de avaliação rigoroso e aprofundado para a proposta da fábrica de celulose" escreveu Leesong, aparentemente inconsciente do fato de que a única razão pela que o Governo redigiu a Lei de Avaliação de Fábricas de Celulose de 2007 foi porque a Gunns lhe pediu que o fizesse.

O Governo tasmaniano tem anexado 1.100 páginas de condições de licenças e operacionais à moção para aprovação final da fábrica de celulose que o Parlamento está discutindo agora. Permitiu-se à Gunns que visse as condições de licenças e operacionais e que sugerisse alterações. Em 28 de agosto de 2007, os parlamentares da Tasmânia votarão a aprovação ou não aprovação da fábrica de celulose proposta. Ao contrário da Gunns, não terão a oportunidade de alterar nem a moção nem as licenças e condições anexas.

Em junho de 2007, Matthew Denholm do jornal tasmaniano The Mercury revelou que a Gunns já tinha assinado um contrato com a firma de construção John Holland para começar a construir a fábrica de celulose "na primeira semana de setembro". Uma demora além desse prazo custará à Gunns quase USD 1 milhão de dólares ao dia. Ou a Gunns já sabe qual será a decisão do Parlamento, ou é estúpida. Não surpreende que o tasmanianos chamem o Governo de "Gunnerment".

Por Chris Lang, email: chrislang@t-online.de, http://chrislang.org