Moçambique: atividade florestal na província de Zambezia: negócio para levar chinês!

Imagem
WRM default image

Enquanto os relatos sobre as atividades madeireiras ilegais nas florestas tropicais da Ásia do sudeste e da África central para fornecer à estrondeante economia chinesa são cada vez mais comuns, o presente relatório é um dos primeiros a documentar o “negócio para levar chinês” das florestas semi-áridas da África do Sul. Realizou-se um estudo de quatro meses da atividade florestal na província Zambezia de Moçambique entre novembro de 2003 e outubro de 2004, que constatou que os comerciante chineses, os empresários locais e membros do Governo e dos serviços florestais estão conluiando para espoliar preciosas madeiras duras tropicais dessas florestas de crescimento lento a uma taxa que vai exaurir o recurso em 5-10 anos. A madeira é exportada como troncos sem processar, socavando a indústria local e transferindo todos seus potenciais benefícios de um dos países mais pobres do mundo, ao que está transformando-se em um dos mais ricos.

Os volumes envolvidos neste comércio são pequenos em comparação com aqueles de países produtores tropicais úmidos, e isso tem levado ao descuido relativo desse assunto no nível internacional. No entanto, apesar de que os volumes são pequenos, o impacto sobre a economia desse país pobre é grande, em termos de perda de emprego, perda de renda, abuso dos direitos comunitários e degradação de um recurso valioso e sistemas de governança. Em vez de pedir uma proibição de corte, o presente relatório pede para uma proibição à exportação de troncos, para reduzir o corte, promover o manejo sustentável e o desenvolvimento industrial, e talvez o mais importante, que as promessas do governo com o povo sejam cumpridas.

O Governo de Moçambique, seus doadores e as Instituições Financeiras Internacionais têm aderido a muitas políticas e programas para apoiar o principal objetivo do país de mitigar a pobreza. O Plano de Ação para a Redução da Pobreza Absoluta (PARPA), o Programa Agrícola Nacional (PROAGRI, fases I e II), a recente política florestal e as leis e regulamentações, todas citam o manejo florestal sustentável e o desenvolvimento das indústrias florestais para combater a pobreza rural. Em 2003 o governo assinou a iniciativa de Aplicação da Legislação Florestal e a Governança na África (AFLEG), comprometendo-se, no nível internacional, a combater o corte e o comércio ilegais e a corrupção e a promover uma boa governança florestal.

O presente relatório demonstra de que forma o Governo –e por associação- as IFIs e doadores que o apóiam, têm descumprido esses compromissos. Isso não se deve a uma falta de capacidade técnica nem de recursos nem simplesmente a uma falta de vontade política, mas decorre de um conflito de interesses direto entre as responsabilidades públicas e os interesses privados dos funcionários do governo –principalmente os Serviços Nacionais e Provinciais para a Atividade Florestal e a Vida Silvestre (DN/SPFFB)- e outros, incluindo membros senior do partido político (FRELIMO). Junto com os interesses comerciais locais e comerciantes asiáticos, esses funcionários públicos constituem uma “máfia da madeira”. Em vez de combater a atividade madeireira ilegal, eles estão, através da manipulação das regulamentações e a informação florestal, recebendo subornos e envolvendo-se pessoalmente na atividade madeireira, facilitando e beneficiando-se pessoalmente com esse “negócio para levar chinês”. O relatório pede que o governo e os doadores se responsabilizem –em benefício dos pobres de Moçambique, e os próprios contribuintes nacionais do doador- e que as florestas sejam colocadas sob uma governança apropriada.

Três pedras angulares de um bom manejo florestal seriam: um sistema para limitar o corte anual para níveis que possam ser sustentados no longo prazo, concessões florestais com planos de manejo e capacidade industrial, em equilíbrio com a produtividade florestal. Depois de um grande escândalo em 2000, os serviços florestais foram obrigados a organizar a produção com relação às cotas anuais sustentáveis. O último inventário publicado estabelece o corte permitido anual de espécies atualmente comercializáveis em Zambezia em 18.000 m3. No entanto, para os últimos 5 anos, SPFFB tem autorizado mais de 28.000 m3 por ano, e a cota para 2004 foi de quase 50.000 m3. Cita-se que nova informação de inventário justificaria a nova cota, mas nunca foi publicada.

A maior parte da cota é alocada, não às indústrias existentes que oferecem postos de trabalho e desenvolvimento, mas aos pequenos operadores, vinculados com os exportadores asiáticos estabelecidos no porto de Quelimane que fornecem o crédito essencial para pagar as taxas de licenças. Os pequenos operadores são todos cidadãos moçambicanos, mas há tantos (mais de 150 em 2003), suas atividades são tão descontroladas e seu reinvestimento no setor é tão baixo que eles se têm transformado em parte do problema da atividade florestal, em vez de em parte da solução. Eles acham que explorar as florestas é seu direito, em vez de um privilégio outorgado às pessoas que manejam as florestas com sabedoria.

Por política e lei, é preciso um sistema de concessão florestal, mas está sendo estabelecido somente muito devagar. Mais de 40 requerentes de concessões, incluindo compradores asiáticos, investidores estrangeiros, indústrias locais e testas-de-ferro de membros dos serviços florestais ou do governo têm requerido mais de 50% (1,5 milhões de hectares) da floresta. Poucos deles têm preparado os planos de manejo ou estabelecido indústrias, o que é requerido pela lei, mas todos receberam licenças para colheita em suas áreas. Os poucos planos de manejo que têm sido aprovados realmente propõem espoliar toda a madeira comercial em 5-10 anos!

As comunidades rurais têm tido uma longa batalha para obter direitos a seus terras, mas não têm direito a sua madeira, exceto para subsistência. Com poucas fontes de emprego alternativas, estão limitados a trabalhar para operadores licenciados por menos do salário mínimo, ou a fornecer a outros comerciantes troncos que cortam ilegalmente. Supostamente as comunidades deveriam receber 20% das taxas de licenciamento, mas nunca o receberam e o total de qualquer jeito seria pequeno. É necessária uma reforma mais radical, se as florestas forem beneficiar às comunidades.

As cotas e licenças não indicam o volume de madeira realmente cortado nem sua origem. Há apenas um posto de controle real, e as informações insuficientes são comuns e sistemáticas, a inspeção é lassa, os subornos são comuns, e o sistema de controle informatizado de licenciamento e transporte, introduzido por SPFFB depois do escândalo é em grande parte cosmético. Em 2002 a cota foi estabelecida em 42.000 m3 e SPFFB apenas licenciou 33.200 m3 e autorizou a exportação de 28.400 m3. Mas nesse ano, 17 navios graneleiros e 27 navios de contêineres carregaram troncos e o porto registrou exportações de 51.000 m3! Nenhum dos departamentos do governo que informavam sobre a atividade florestal deram os mesmos números. A situação deve ser investigada em detalhe.

O maior problema –porque influencia o sistema inteiro- é a exportação contínua de troncos. De acordo com a lei, as principais espécies comerciais devem ser processadas antes da exportação, e ao contrário do que dizem os madeireiros, a capacidade industrial em Zambezia é suficiente para processar toda a cota anual. No entanto, ao mesmo tempo que a lei entrava em vigor, o Ministério, sob a pressão dos compradores asiáticos, aprovou um decreto interno reclassificando as madeiras comerciais para permitir sua exportação como troncos. Esse decreto pode ser ilegal, mas até que seja declarado como tal, o “negócio para levar chinês” vai continuar.

Em resumo, operadores demais, grandes e pequenos, estão sendo autorizados a levar-se troncos demais, de locais demais, de uma forma que está fazendo com que o recurso não seja manejável no longo prazo. O sistema se abusa dos direitos das comunidades locais, negando-lhes oportunidades para o emprego que é necessário vitalmente e o desenvolvimento de habilidades que proviria do manejo florestal sustentável, indústrias de processamento e empresas comunitárias. A efetivamente ilegal exportação de madeira está esfaimando à indústria local e ameaçando os trabalhos locais. Os serviços florestais do governo estão presidindo e conluiando com esses abusos, de forma que ridiculiza a noção de “governança” e os objetivos de seus doadores. Não pode haver escusa para o enriquecimento pessoal e a perda pública na escala que está acontecendo.

O objetivo do estudo é não apenas documentar esses problemas e criar conscientização, mas também propor soluções. O relatório principal fornece detalhes técnicos de práticas no setor florestal, para explicar e justificar cinco reformas chave propostas, e para refutar argumentos apresentados pela “máfia da madeira” para permitir que o “negócio para levar chinês” continue.

As reformas propostas incluem uma moratória imediata à exportação de troncos, uma revisão do decreto Ministerial que permite essa exportação, a suspensão da atividade madeireira pelos pequenos operadores, a suspensão de mais aprovações de concessões e a revisão independente de planos de manejo florestal existentes. Os direitos das comunidades locais a seus recursos florestais deveriam estar garantidos por lei. Deveria apoiar-se às comunidades para manejar suas próprias florestas, e os operadores que desejam explorar as florestas deveriam ser obrigados a realizar associações legais com as comunidades. Propõem-se uma série de outras medidas para cada um dos principais grupos de partes interessadas. Enquanto isso, aquelas operações de corte vinculadas a indústrias deveriam continuar, sujeitas a monitorização independente, com o fim de preservar trabalhos e satisfazer as necessidades nacionais de madeira. É vital que as operações florestais, não vinculadas a trabalhos permanentes de qualidade sejam detidas, para criar a oportunidade e os incentivos necessários para que o setor esteja sob controle. Quando os problemas sejam tratados com sucesso, as moratórias poderão ser levantadas, até que todas as atividades sejam permitidas de novo. Os programas de infra-estrutura fundados por doadores são propostos como medidas de compensação para minimizar os impactos sobre a economia provincial durante a transição para uma boa governança.

O que é muito importante, o relatório pede uma ação internacional para que o Governo da China se responsabilize de garantir que seu próprio boom econômico não despoje os pobres e os países vulneráveis, dos recursos que precisam para seu próprio desenvolvimento.

Por Catherine Mackenzie, E-mail: camackenzie2002@yahoo.co.uk