Países andinos: não ao Tratado de Livre Comércio que assola florestas e se apropria dos recursos naturais

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No avanço dos grupos econômicos e de poder que apóiam a privatização, a globalização e a desregulação da economia, com o fim de chegar a comercializar os mais afastados espaços da vida, a Organização Mundial do Comércio (OMC) tem sido um dos principais instrumentos. Mas a partir de 1995 quando a OMC sofreu um forte revés em Cancún e o projeto de Acordo de Livre Comércio das Américas (ALCA) colapsou em Miami, os Estados Unidos se têm aproximado a mais de vinte países para iniciar formalmente tratados de livre comércio (TLC) bilaterais, com o fim de acelerar o passo através de negociações bilaterais ou sub-regionais, pressionando os países mais débeis ou submissos. Os TLC são instrumentos geopolíticos para galvanizar um colonialismo de amplo espectro dos países latino-americanos, na medida que abrangem desde os aspectos estrictamente econômicos até os relacionados com a legislação do trabalho, a gestão estatal, a propriedade intelectual, o meio ambiente e os recursos naturais, os conhecimentos, a cultura e incrivelmente, até as relações dos seres humanos com o transcendente.

Os TLCs estão destinados a acabar com os direitos dos povos indígenas sobre seus territórios através de disposições que estabelecem: a renúncia à capacidade do Estado para controlar a concentração econômica e os monopólios; a possibilidade de obrigar os países a pagar montantes milionários às empresas norte-americanas se elas não obtiverem lucros conforme suas expectativas; a garantia de que não se poderá expropriar uma companhia norte-americana e que se isso for feito, os investidores norte-americanos deverão ser indenizados e compensados por lucros não realizados, disposição que impossibilitaria, entre outras coisas, processos como a reforma agrária, a recuperação ambiental, a recuperação de rios, a recuperação de bacias, etc.; a obrigação de garantir proteção policial ao investimento estrangeiro, inclusive contra greves e protestações; normas que garantem que as empresas norte-americanas poderão apropriar-se de recursos, componentes de nosso ambiente e atividades que até o momento não têm sido consideradas mercadorias. As cláusulas abrem o caminho para: a) a privatização dos mares, rios e lagos, a educação, a saúde, os parques nacionais, as comunicações, o transporte e tudo o que os advogados das empresas norte-americanas consigam incluir; b) permitir que as empresas norte-americanas assumam o controle da imprensa, da televisão e do rádio; c) a privatização e entrega às transnacionais de diferentes funções governamentais, como a regulamentação ambiental e sua fiscalização, as prisões e pelo menos determinadas funções do exército (como se tem estado fazendo na Colômbia e no Equador dentro do Plano Patriota); d) a possibilidade de privatizar qualquer coisa à que se passe a denominar “serviço”, já que não se define o que é serviço, ou se faz de maneira extremamente ampla. Através do termo “serviços ambientais” por exemplo, começa a ser possível a privatização da atmosfera, do clima, das funções ecológicas que permitem a regularidade ambiental e o conjunto da biodiversidade.

De 25 a 27 de outubro, o Equador foi o cenário da quinta rodada de negociações do TLC entre os Estados Unidos e os países Andinos. Porta-vozes de organizações sociais do Equador, da Colômbia e do Peru estabeleceram claramente que o TLC proposto pelo governo dos Estados Unidos não é apenas um tratado de comércio mas abrange todos os campos da vida econômica, social e política. O movimento “Ecuador Decide” declarou que “o único interesse visado pelo governo dos Estados Unidos junto com as transnacionais é apropriar-se da única reserva biológica do mundo, que possui a quinta parte de água doce do planeta, que por suas florestas alberga a maior quantidade de vida selvagem, da que 72% serve de base para a elaboração da medicina e regulariza o clima e a produção de oxigênio, além da riqueza petroleira”.

Em toda a América Latina cresce a resistência aos Tratados de Livre Comércio e à recolonização norte-americana. A maioria das organizações sociais que se comprometeram no Fórum Social das Américas, realizado em Quito em finais de julho, a transformar o dia 12 de outubro em um dia de luta continental, cumpriram seu compromisso. Nessa data se produziram grandes mobilizações na América Central, especialmente na Costa Rica e no Salvador, exigindo aos parlamentares que não ratifiquem os tratados comerciais já assinados por seus governos com os Estados Unidos.

Na Colômbia se mobilizaram mais de um milhão de pessoas no meio de uma greve nacional contra o TLC e os líderes indígenas estão fazendo um chamamento para consulta com suas comunidades para evitar que a ondada pela riqueza das selvas e florestas pluviais na busca de recursos e matérias primas acabe por empobrecer ainda mais seus territórios. Na Bolívia, dezenas de milhares de indígenas se reuniram durante vários dias e se manifestaram contra as tentativas do presidente Mesa de envolver esse país nas atuais negociações dos países andinos com os Estados Unidos. No Peru iniciou-se uma campanha para coletar assinaturas para convocar um referendo popular que decida a assinatura ou a rejeição do TLC. No Equador também se trabalha para convocar uma consulta popular na que seja a população a que tome a decisão sobre o TLC.

O TLC, cujo texto é um protótipo que se aplica mais ou menos da mesma forma em todos os casos, permite adquirir direitos de propriedade sobre plantas e animais, como se fossem invenções de alguém. Conforme comunicações, o artigo 8 do capítulo sobre propriedade intelectual da proposta norte-americana diz assim: “Cada parte (cada país que assine o TLC) deverá permitir as patentes para as seguintes invenções: a) plantas e animais, e b) procedimentos diagnósticos, terapêuticos e cirúrgicos para o tratamento de humanos e animais”. Até o presente momento, as autoridades dos países andinos reconhecem que os Estados Unidos apresentam condições que vão além dos acordos sobre propriedade intelectual e patentes estabelecidos na OMC.

Muitas das patentes sobre material biológico que os Estados Unidos e as transnacionais pretendem defender decorrem de processos de pesquisa que implicaram a usurpação de conhecimentos de povos originários –o que chamamos de “biopirataria”.

É assim que o TLC implicará para as florestas da região e seus povos originários não apenas um avanço da fronteira do comércio na natureza, na medida que favorecerá o aumento de atividades de exploração das riquezas naturais, mas também reforçará as tentativas de apropriação do acesso às mesmas e dos conhecimentos vinculados a elas.

Em Guayaquil, Equador, durante as negociações do TLC, a reflexão dos setores sociais esteve acompanhada de ações de protestação, como a realizada por Acción Ecológica, quando, traspassando o sistema de segurança do evento, conseguiu desenrolar um estandarte que dizia: “TLC=Tratado de Livre Corrupção”, enquanto gritavam “E não temos vontade de ser uma colônia norte-americana”.

Artigo baseado em informação obtida de: “Biodiversidad en riesgo”, La Revista Agraria, CEPES, http://www.cepes.org.pe/revista/agraria.htm , distribuído por Correo Indígena, Nº 59, e-mail: coppip@amauta.rcp.net.pe ; “TLCs: Asalto a la Tierra y el Cielo”, René Báez, Alai-amlatina, http://www.bilaterals.org/article.php3?id_article=931 ; “El TLC es un tratado de libre corrupción”, Jairo Rolong, Ecuarunari, Minga Informativa,
http://ecuarunari.nativeweb.org/tlc/26oct04jairo.html ; “Declaración de Guayaquil”, Equipo Nizkor, http://www.derechos.org/nizkor/ecuador/doc/decide.html