A Costa Rica foi o primeiro país da América Latina e do Caribe a receber pagamentos do Banco Mundial por seu programa nacional de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal, mais conhecido como REDD+ Jurisdicional, e o país inclusive se apresenta como líder no assunto. (1) Por meio de propagandas, o governo afirma que uma porcentagem dos fundos é distribuída entre as comunidades indígenas que protegem as florestas. (2) No entanto, a realidade é outra. Na última década, o estado nacional reduziu o investimento em saúde, moradia, educação e outros direitos básicos da população enquanto, nos territórios indígenas, os recursos eram condicionados à aceitação do REDD+ pelas comunidades. Em outras palavras, se elas não aceitarem o REDD+, não haveria verbas para garantir nem mesmo os direitos mais básicos, como o direito ao território.
Oito Povos Indígenas estão presentes no país (Gnobe, Huetar, Chorotega, Boruca, Broran, Maleku, Cabécar e Bribri), distribuídos em 24 Terras Indígenas, cuja maior parte é coberta por floresta primária ou em regeneração. A dos Cabécar e a dos Bribri são as maiores do país em termos de área. A Terra Indígena Bribri está localizada no sudeste do país, entre o litoral atlântico e o Parque Internacional La Amistad, abrangendo uma área de 43.690 hectares.
Neste artigo, Emmanuel Buitrago Páez, da Terra Indígena Bribri de Talamanca e membro coordenador da Frente Nacional dos Povos Indígenas (FRENAPI), que representa oito Povos de pelo menos 15 territórios. Nele se relata a luta desses Povos para resistir à pressão do estado, que busca submeter as florestas e suas comunidades aos interesses de empresas poluidoras por trás do REDD+ e dos mercados de carbono.
Comunidades em resistência
Meu nome é Emmanuel Buitrago Páez, sou do clã Kólkuák, da Terra Indígena Bribri de Talamanca. Lá, somos 32 comunidades organizadas em núcleos de famílias conhecidos como clãs, onde mais de 80% das pessoas são agricultoras. Produzimos bananas de vários tipos e cacau orgânicos para venda, além de muitos outros produtos para intercâmbio e consumo. Localizados na fronteira com o Panamá, temos os cinco rios mais importantes da região – Coén, Lary, Tlírí, Urén e Yorki – que, juntos, formam o rio fronteiriço Sixaola. Devido à nossa estreita relação com a espiritualidade Sibö/Deus, Iiria/Terra, mais de 70% do nosso território é coberto por florestas ou produção orgânica.
Nesse território, nós temos nos posicionado firmemente contra o REDD+. Denunciamos o governo da Costa Rica por impor modelos de conservação e financiamento que representam uma ameaça aos Povos Indígenas e por avançar com seus planos de mercantilização e privatização dos ‘bens comuns’. Isso ocorre por meio de coerção e violência estrutural contra quem luta para defender a terra, os rios, a zona costeira e as florestas e para reafirmar nossos direitos a saúde, educação e moradia.
Nós, Povos Indígenas, não precisamos do REDD+ para proteger as florestas. Temos uma experiência de cuidado extraordinária, pois as florestas estão vinculadas à nossa própria vida e à nossa espiritualidade. No entanto, alguns líderes indígenas, pressionados por cortes de verbas do estado, acabaram aceitando o dinheiro oferecido por meio do REDD+, enquanto as comunidades continuam sem saber a verdade sobre o programa. Não são informadas sobre a origem, quem financia, como chegam esses financiamentos nem quais são as condições para receber.
Assim, essa iniciativa gerou divisões em diversas comunidades indígenas de todo o país, por divergências quanto aos critérios e posições em relação às negociações, desestabilizando a governança comunitária e fazendo com que ela perdesse credibilidade.
REDD+ Jurisdicional: a chantagem do estado
Em 2008, a Costa Rica foi selecionada pelo Fundo de Parceria para o Carbono Florestal (FCPF, na sigla em inglês), do Banco Mundial, para iniciar os preparativos para a implementação do programa de REDD+ Jurisdicional. (3) Desde então, muitas comunidades indígenas questionam as ações do estado, uma vez que não foram garantidas a nossa participação e representação, e nós não fomos informados. Além disso, não se implementou uma estratégia de transparência no uso dos recursos.
Como parte desse processo, representantes do estado, por meio de instituições e associações do aparato estatal, começaram a visitar comunidades indígenas em todo o país, supostamente para informá-las e consultá-las sobre o programa de REDD+. No entanto, essas reuniões (que, em média, duraram três horas) não serviram para que as comunidades tomassem decisões, apenas forneceram informações superficiais sobre o projeto de REDD+. Em nossa Terra Indígena Bribri de Talamanca, somos cerca de 10 mil pessoas, mas apenas 100 estavam presentes na reunião. Além da baixa representatividade, em vez de informar e consultar, o que fizeram foi pedir que apresentassem uma lista das necessidades do território. Quando listaram as demandas – uma ponte, um aqueduto, uma escola, etc. – disseram que seriam atendidas por meio do fundo do REDD+. É assim que se aproveitam das necessidades das comunidades.
Diante disso, comunidades indígenas de todo o país começaram a realizar manifestações e, em 2014, conseguimos interromper a implementação do REDD+. (4) A principal razão foi a falta de empenho do estado em consultar as comunidades por meio de um processo livre, prévio, informado e de boa-fé (como prevê a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, a OIT, da qual a Costa Rica é signatária). (5)
Nesse processo, nós, do território Bribri de Talamanca, enviamos a “Declaração da Terra Indígena Bribri Livre de REDD+” a diversas autoridades, incluindo o governo da república da Costa Rica e a diretoria da Associação para o Desenvolvimento Integral da Terra Indígena Bribri (ADITIBRI). No documento, elaborado em 2016 e assinado por mais de 300 pessoas, fomos enfáticos: “Exercendo nosso direito à própria consulta, decidimos rejeitar o REDD+, seu protocolo de consulta e qualquer modificação do nome do projeto, e declaramos que a Terra Indígena Bribri de Talamanca é livre de REDD+ a partir desta data.” (6)
Porém, algum tempo depois, o processo de implementação do REDD+ começou a avançar novamente em todo o país. Um fator fundamental para isso foi a estratégia do estado de usar as necessidades dos Povos para justificar o programa e pressionar por sua aceitação nos territórios.
Como parte dessa estratégia, em 2019, o governo aprovou e implementou leis como a de “Fortalecimento das Finanças Públicas”, que permitiu congelar orçamentos e contratos a cada ano, inclusive aqueles destinados a terras indígenas. Isso foi usado como forma de pressionar as comunidades a aceitarem fontes alternativas de renda, como o REDD+.
Nesse contexto, o estado começou a suspender os contratos de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), uma das poucas fontes de recursos que as comunidades recebem coletivamente. Trata-se de fundos arrecadados pelo país por meio de impostos e com os quais ele retribui às comunidades pela conservação florestal. De sete contratos vigentes em 2019, a Terra Indígena Bribri de Talamanca passou a ter apenas três em 2023, restringindo, assim, o apoio às comunidades mais pobres e vulneráveis do território.
Na mesma ofensiva, o governo cortou significativamente o investimento em planos e programas educacionais, infraestrutura, merenda escolar, serviços administrativos, auxílio-transporte e bolsas de estudo, gerando mais desigualdade e uma falta de garantia do direito à educação. Diante dessa realidade, alguns indígenas acreditam que os recursos limitados do REDD+ poderiam resolver essa carência, quando, na verdade, foi uma ação programática do estado. O cenário passou a ser usado para justificar o avanço do REDD+ em territórios indígenas, apresentado como uma medida paliativa de obtenção de recursos para atender às necessidades educacionais das comunidades. E assim, o estado avança com o REDD+ ao mesmo tempo em que reduz o investimento em educação à aquisição de mobiliário escolar, como cadeiras, mesas, carteiras e outros itens.
O mesmo aconteceu com a saúde. O sistema público é implementado por meio da Caixa Costarriquenha de Seguridade Social (CCSS), onde tem havido casos de corrupção, pouco investimento e falta de resposta às necessidades de saúde. Em Talamanca, por exemplo (incluindo a Terra Indígena Bribri), parte dos fundos do REDD+ está sendo usada para apoiar os Conselhos de Saúde (7), cujo financiamento deveria ser de responsabilidade do estado.
Da mesma forma, a falta de investimento no fornecimento público de água, como o serviço da agência de Água e Esgoto (AyA, na sigla em espanhol), tem sido outro argumento usado para justificar o REDD+, que supostamente forneceria soluções para a falta de infraestrutura hídrica.
O estado e suas instituições consideram que os fundos do REDD+ e outros mecanismos de comércio de carbono resolverão problemas que, na verdade, são de responsabilidade do estado. Na realidade, nenhuma suposta contribuição do REDD+ resolverá os problemas de fundo, pois são apenas medidas paliativas, temporárias ou superficiais. É responsabilidade do estado alocar recursos para as políticas públicas desenvolvidas pelas instituições, a fim de atender às necessidades e garantir os direitos das comunidades indígenas.
Quanto ao direito à terra, o estado também carece de um plano desenvolvido com e a partir das comunidades para a recuperação dos territórios, ou seja, para devolver aos Povos Indígenas todas as terras que legalmente lhes pertencem. Ao contrário, impõe mecanismos de comércio de carbono e desfinancia políticas públicas que atendem às necessidades e garantem os direitos dos Povos.

Os principais beneficiados: aqueles que desmatam
De acordo com o documento “Estratégia Nacional de REDD+ da Costa Rica”, o investimento total do estado nacional na redução de emissões entre 2018 e 2024 é de aproximadamente 1,177 bilhão de dólares. Desse total, 92% (1,082 bilhão) correspondem ao que o país já investe em políticas relacionadas ao REDD, como o Plano Nacional de Desenvolvimento Florestal e a Política de Áreas Silvestres Protegidas, que estão incluídas nos orçamentos institucionais regulares. (8)
Quanto aos 8% restantes (95 milhões de dólares), o governo planeja cobri-los, em parte, com a receita que espera obter da venda de reduções de emissões ao Fundo de Parceria para o Carbono Florestal (FCPF), administrado pelo Banco Mundial. (9) Essa receita é estimada em 63 milhões de dólares, dos quais o país já recebeu 34 milhões. (10) O governo afirma que investirá esse valor em ações para atingir a meta de redução de emissões e preservar 640 mil hectares de floresta. No entanto, o programa destinará a maior parte desse dinheiro (69%) ao setor privado, como proprietários de terras e produtores rurais. Ou seja, um dos setores com maior responsabilidade pelo desmatamento e pelos conflitos fundiários com comunidades indígenas. Por outro lado, para nós, Povos Indígenas, está previsto alocar apenas 16% da receita.
Priorizar o setor que mais desmata em uma política de preservação e conservação é um indicativo bastante explícito de quem se beneficia do governo e do REDD+: quem mais ameaça nosso direito ao território como Povos Indígenas e, portanto, quem mais ameaça as florestas.
Preservar as florestas: o caminho é garantir o direito ao território
Na Costa Rica, a lei garante o direito às terras das reservas indígenas exclusivamente às comunidades que as habitam. No entanto, existem fazendeiros que usurpam essas terras com a cumplicidade do estado.
Fazendeiros ligados a políticos, juízes, promotores e governos municipais têm provocado incêndios em terras indígenas, usurpado, ameaçado, intimidado e expulsado comunidades das terras delas, apesar da lei. (11) As terras indígenas estão sendo afetadas por grandes produtores de monoculturas de abacaxi e banana, que geram poluição com o uso de agrotóxicos, principalmente no Pacífico Sul e no norte do país.
Muitos indígenas arriscam suas próprias vidas lutando contra essa realidade e em defesa de seus territórios. De 2019 até o presente, por exemplo, ocorreram dois assassinatos que ficaram impunes: os de nossos companheiros indígenas Sergio Rojas, da Terra Indígena Salitre, e Jerhy Rivera, da Terra Térraba. Ambos foram assassinados por fazendeiros invasores. (12)
A impunidade de que gozam as estruturas de poder do estado permite a consolidação das agressões, da discriminação e do racismo, e a imposição de novas formas de colonização de mentes, recursos, espiritualidades, estruturas próprias dos indígenas e diversidade cultural.
Nós, do coletivo Frente Nacional dos Povos Indígenas (FRENAPI), responsabilizamos o estado pelas agressões e violações de nossos direitos, já que ele não garantiu nem implementou os direitos consagrados na Constituição e no direito internacional dos Povos Indígenas.
Portanto, o estado costarriquenho tem sido irresponsável ao não cumprir sua função de garantir a vida, a conservação e a reafirmação dos direitos dos Povos Indígenas à terra.
E esse vácuo é usado como argumento para o avanço do REDD+, apresentando-o como alternativa de financiamento para a regularização territorial que garanta a recuperação integral das terras indígenas em poder de fazendeiros ou empresários e as devolva aos seus verdadeiros donos: os Povos Indígenas. Além da aprovação do REDD+, é responsabilidade do estado pagar a dívida milenar, devolvendo as terras às comunidades indígenas.
Conclusão
Há duas propostas e agendas em curso. Uma é a do estado, que promove o REDD+, a propriedade intelectual sobre a biodiversidade, a expansão de monoculturas, a mineração, a privatização de serviços e bens públicos, a exploração de petróleo, a exploração das hidrelétricas, o narcotráfico, a corrupção, os cortes de verbas e investimentos públicos e a privatização de florestas, zonas costeiras e áreas públicas.
E a outra, muito diferente, é a agenda dos Povos Indígenas da Costa Rica, que se baseia em espiritualidade, florestas, natureza, alimentos e medicina, educação própria, língua, identidade, cultura, estruturas tradicionais, mas, acima de tudo, a reafirmação territorial, que implica a regularização das terras indígenas.
O REDD+ hipoteca florestas supostamente para garantir outros direitos, como educação, saúde e terra, usando métodos enganosos e restringindo a liberdade e a boa-fé dos Povos Indígenas.
O estado deve garantir os direitos incondicionalmente. É função inerente das instituições de estado dar respostas às necessidades, aos planos e às políticas públicas. No caso dos Povos Indígenas da Costa Rica, o estado deve dotar as comunidades de recursos econômicos para que elas possam atender à agenda própria dos Povos, sem condições nem chantagens para que aprovem o REDD+.
Nós, como Povos Indígenas, vivenciamos a expropriação de nossos ‘bens comuns’ por meio do clientelismo e da imposição de agendas de estado e de sua estrutura, evidenciando assim a continuidade do modelo colonial assassino de conquista, usurpação e extração desses recursos e da própria VIDA.
Condenamos as más práticas dos governos, impositivas, classistas e violentas, que privam as comunidades indígenas de identidade, territórios, espiritualidade, florestas, zonas costeiras, rios e ‘bens comuns’, devido às suas circunstâncias particulares de costumes, língua, situação econômica e outras barreiras sociais.
Exigimos o reconhecimento e o respeito pelo papel fundamental desempenhado pelas comunidades indígenas em seus territórios para manter e defender seus costumes, sua espiritualidade e as terras de seus Povos. Reafirmamos o direito das comunidades indígenas a ter voz, influência e respeito pela riqueza cultural que representam, o que deve ser permitido em todos os espaços políticos, sociais, econômicos e culturais.
Inspirados pelo Projeto de VIDA dos Povos, propomos e convocamos a trabalhar pelas causas comuns e coletivas. Pelo bem comum, pela VIDA, continuaremos reafirmando e defendendo nossos sonhos, os quais temos o direito de tecer com a sabedoria ancestral.
Convocamos todos os Povos a defender e reafirmar o direito aos ‘bens comuns’, zonas costeiras, florestas, rios, alimentos, educação e saúde próprias, a conservar os ecossistemas naturais e culturais, a água, as estruturas tradicionais, a governança e a autonomia dos Povos Indígenas.
Emmanuel Buitrago Páez, membro do clã Kólkuák, Terra Indígena Bribri de Talamanca. Membro coordenador da Frente Nacional dos Povos Indígenas (FRENAPI). manolpetitan@gmail.com
Referências:
(1) Banco Mundial na América Latina e no Caribe, 2025. Sustaining Forests and Strengthening Communities in Costa Rica
(2) Banco Mundial na América Latina e no Caribe, 2025. Forest conservation payments in Costa Rica are supporting indigenous communities (vídeo)
(3) REDD+ Costa Rica 2025. Fondo Cooperativo para el Carbono de Bosques e Documentos e contratos jurídicos entre o governo da Costa Rica e o Banco Mundial sobre o FCPF:
(4) Telar Comunicación Popular, 2014. Talamanca dice No REDD+ Estas selvas no tienen precio (vídeo).
(5) WRM, 2016. Bribris: um povo nunca conquistado que enfrenta o REDD e Manifestación del territorio indígena Bribri, 2015
(6) Vozes Nuestras, 2016. Comunidades bribris de Talamanca piden ser territorio libre de REDD+ e Declaración Territorio Bribri Libre de REDD+, 2016
(7) Os Conselhos de Saúde são entidades auxiliares de hospitais, clínicas e unidades de saúde da Caixa de Seguridade Social da Costa Rica, cujo objetivo é aprimorar a assistência à saúde e o desempenho administrativo e financeiro, bem como promover a participação cidadã.
(8) Estratégia Nacional de REDD+ da Costa Rica.
(9) A maior parte desses 95,3 milhões de dólares será arrecadada por meio da venda de créditos de carbono ao Fundo de Parceria para o Carbono Florestal (FCPF). Espera-se que o FCPF contribua com um total de 63 milhões de dólares, dos quais o governo da Costa Rica já havia recebido mais da metade até a data de publicação deste artigo. Mais informações, aqui.
(10) Banco Mundial na América Latina e no Caribe, 2025. Sustaining Forests and Strengthening Communities in Costa Rica
(11) TV Sur Pérez Zeledón, 2020. Buscan solución a conflicto por tierras en territorio indígena de China Kichá e Asamblea Legislativa Costa Rica, 2020. Plenario lamenta muerte de lider indigena y pide investigación.
(12) Cultural Survival, 2024. Dolor e indignación por el sobreseimiento del caso del asesinato de Sergio Rojas, defensor del territorio y de los derechos Indígenas en Costa Rica e Cultural Survival, 2020. Segundo asesinato de defensor Indígena en Costa Rica evidencia la inacción del Estado