Declaração do Solidaritas Merauke, um chamado de emergência vindo de Papua: parem o Projeto Estratégico Nacional de Merauke

Imagem
solidaritas merauke declaration
solidaritas merauke declaration

Em 2023, o presidente na época, Jokowi, designou a regência de Merauke, em Papua do Sul, para mais um Projeto Estratégico Nacional (PSN, na sigla em inglês). O programa de produção de alimentos e energia abrange 2 milhões de hectares, com foco em plantações de arroz e cana-de-açúcar para produção de açúcar e bioetanol. Se for implementado integralmente, pode se tornar o maior projeto de desmatamento do mundo, impactando diretamente uma população indígena de 40 mil pessoas. (1)

O encontro reuniu 256 participantes que vieram não apenas de Merauke, mas de aldeias de toda Papua, bem como dezenas de outras ilhas, incluindo Molucas, Kalimantan, Nusa Tenggara, Sulawesi e Sumatra. O que os une é a oposição à política colonial do Governo Central em Jacarta, que é social e ecologicamente prejudicial, chamada Projeto Estratégico Nacional (PSN). Atualmente, cerca de 200 grandes projetos e programas detêm o status de PSN em todo o arquipélago.

A Indonésia ratificou uma série de protocolos de direitos humanos, incluindo aqueles elaborados para proteger os povos indígenas. No entanto, cada decisão governamental de criar um novo PSN tem sido tomada sem qualquer consulta pública, sendo, portanto, totalmente antidemocrática. Além disso, uma vez que um investimento em PSN recebe luz verde do governo central, as comunidades localizadas dentro e em torno de uma área de PSN passam a ter que cumprir protocolos de segurança muito rígidos. Quando uma comunidade decide rejeitar um PSN, é provável que enfrente intimidação, criminalização ou coisa pior.

Merauke foi escolhida como o local para a grande reunião popular devido à maneira peculiar pela qual o PSN está sendo implementado. Desde o início, o projeto foi claramente militarista (2) e criado para beneficiar oligarquias. Em 2024, o exército inaugurou as obras para estabelecer cinco novos batalhões em áreas de Papua “propensas a conflitos”, dois deles em Merauke. Ironicamente, enquanto a prioridade número um do novo governo Prabowo é fornecer refeições gratuitas a todos os estudantes indonésios, o PSN de Merauke está destruindo a soberania alimentar de milhares de habitantes de Papua.

O PSN de Merauke foi precedido por um PSN semelhante, conhecido como “Área Integrada de Alimentos e Energia de Merauke” (MIFEE), lançado em 2010. As lições aprendidas com esse programa mostram que ele resultou em “apropriação, aquisição e concentração de terras nas mãos de uns poucos donos do capital, exploração de mão de obra, desmatamento, secas e desastres ecológicos generalizados e recorrentes, desnutrição e escassez de alimentos, corrupção, violência e violações de direitos humanos, sendo as vítimas os povos indígenas e os moradores do entorno do projeto”. (3)

Veja, abaixo, o texto completo da declaração, também disponível aqui.

Declaração do Solidaritas Merauke

Esta declaração é o resultado do nosso trabalho coletivo no Movimento Solidaritas Merauke. É fruto das histórias compartilhadas sobre o nosso sofrimento e nosso trauma coletivos causado ​​por crimes empresariais-estatais, principalmente em nome dos Projetos Estratégicos Nacionais (PSN), que ocupam e expropriam nosso espaço de vida e profanam o que consideramos sagrado.

A destruição e a extinção de nossas vidas, nossos saberes e nossa espiritualidade indígenas continuam se expandindo. Estamos perdendo nossa identidade, a memória histórica de quem somos, nossos lugares sagrados, nosso parentesco com a terra e a natureza. Estamos perdendo nossas fontes de alimentos, de remédios e de sustento, assim como a nossa autonomia para o trabalho. Além disso, estamos sujeitos a discriminação, trabalho forçado, violência física, intimidação e criminalização. Esta catástrofe deveria ser chamada de emergência, pelo bem do povo.

Está claro que este sofrimento e esta catástrofe permanentes são um reflexo do colonialismo que está sendo encoberto por uma colcha de retalhos de leis e regulamentos. É irônico que, diante do roubo da riqueza das pessoas, da coerção e do uso da força da lei, do poder político, econômico e militar, das falsas promessas de prosperidade, da destruição de corpos humanos e da exploração de humanos por humanos, as pessoas sejam consoladas com o programa de “alimentação nutritiva gratuita”.

Nós, o Solidaritas Merauke, declaramos nosso repúdio total a essa estratégia de roubar a riqueza do povo por meio da reforma política. Exigimos uma interrupção total do Projeto Estratégico Nacional (PSN) e outros projetos estabelecidos em nome do interesse nacional que claramente vitimizam o povo. Os autores de crimes empresariais-estatais devem devolver toda a prosperidade que roubaram do povo e restaurar imediatamente a saúde e o espaço de vida do povo em todos os territórios sacrificados em nome dos supostos interesses nacionais.

Nenhuma ilha é grande ou pequena demais para poder ter sua paisagem danificada. Se esses sinais gritantes de catástrofe forem subestimados, certamente haverá uma aceleração nunca vista do caos socioecológico das ilhas de Papua a Sumatra.

Sata Kekuatan! Satu Perlawanan! Rawat Kehidupan! (Um Poder! Uma Luta! Cuidar da Vida!)
Merauke, 14 de março de 2025

 

(1) Documento informativo da Yayasan Pusaka Bentala Rakyat, atualizado em setembro de 2024, “The National Strategic Project (PSN) of Food and Energy Development in Merauke Regency, South Papua Province: Violating Human Rights and Worsening Environmental Crisis”, disponível em WRM
(2) Curta-metragem de “The Gecko Project”, de março de 2025, “Militarised deforestation in Papua: how Indonesia is converting indigenous forest into farms”, disponível em YouTube
(3) Idem 1.