Investimentos em grande escala e iniciativas de conservação climática prejudicam as florestas e os territórios das comunidades

 

O rápido crescimento econômico e a industrialização da Ásia têm um custo extremamente alto para as comunidades locais, seus ambientes e suas economias. Em toda a região, o “desenvolvimento” é caracterizado por grandes investimentos com foco no controle e na exploração de terras, florestas, água, natureza, minerais e mão de obra. Os governos asiáticos estão buscando investimentos privados em quase todos os setores da economia – de energia, petróleo, minerais, agricultura e processamento de alimentos até educação, saúde, turismo, indústria, produtos farmacêuticos, transporte e infraestrutura urbana. As fontes de investimento variam, geralmente sendo viabilizadas por ajuda bilateral, multilateral e regional e acordos economômicos, e muitas vezes sustentados por capital global e difícil de rastrear. (1)

A terra, as florestas e a água estão sendo capturadas para vários fins: agricultura industrial, plantações de árvores, energia hidrelétrica, indústria extrativa, turismo, infraestrutura física, desenvolvimento imobiliário/de propriedade, Zonas Econômicas Especiais (ZEE), corredores econômicos e simplesmente para lucros financeiros por meio da construção de novos mercados. Em poucos meses, paisagens e ecossistemas biodiversificados são transformados em plantações para produção de borracha, dendê ou mandioca, condomínios fechados ou barragens para usinas, e extensões de floresta ou áreas úmidas podem ser declaradas áreas protegidas e usadas para gerar fluxos de receita “verde”. As populações locais raramente se beneficiam dessas mudanças nas paisagens e novos mercados. Na maioria das vezes, elas perdem seus meios de subsistência, seus lares, suas culturas, suas identidades e seu acesso aos estoques naturais de alimentos, e são despejadas à força, remanejadas e pressionadas a fazer trabalho precário e mal remunerado. (1)

A concentração de terras está mais elevada do que nunca em lugares que tem muitos dos proprietários como parte de elites politicamente conectadas, como Filipinas, Camboja, Laos, Malásia, Paquistão, Índia e Indonésia. Nos últimos 10 a 15 anos, governos de toda a Ásia têm implementado a uma série de mudanças legislativas para retirar as poucas proteções de que os pequenos agricultores e pescadores, povos indígenas e moradores da floresta têm desfrutado tradicionalmente, deixando-os vulneráveis à tomada de suas terras por empresas estatais e corporativas para que promovam agricultura industrial em grande escala, indústrias extrativas, desenvolvimento de infraestrutura e “corredores econômicos”. (2) As mudanças diferem de um país a outro, mas todas são concebidas para facilitar às empresas a aquisição de grandes áreas de terra usadas por comunidades locais para extração de madeira, minerais, água e outras riquezas naturais com poucas restrições legais.

Muitos formuladores de políticas argumentam que a aquisição de terras pelo Estado é necessária para garantir desenvolvimento e crescimento econômico. Indonésia e Índia estão implementando leis que permitem a aquisição de terras para megaprojetos usando a justificativa do desenvolvimento nacional e do interesse público. Na Tailândia, o Plano Diretor Florestal (FMP, na sigla em inglês) é a mais recente de uma longa série de tentativas de expandir as plantações de monoculturas de árvores no país. Lançado em junho de 2014 pelo Comando de Operações de Segurança Interna e pelo Ministério de Recursos Naturais e Meio Ambiente da Tailândia, o FMP permite concessões a empresas privadas para plantações de árvores em áreas florestais, colocando em risco de deslocamento forçado as comunidades que vivem e cultivam nessas florestas. (3) O governo do Camboja converte terras públicas em terras privadas e considera as florestas comunitárias como “florestas degradadas” à disposição para concessões econômicas de longo prazo às empresas.

A expansão das plantações de monoculturas de árvores será exacerbada por novos fundos voltados a desencadear investimentos privados na chamada agricultura de “desmatamento zero”. O último anúncio desse tipo foi feito no Fórum Econômico Mundial (FEM), em janeiro de 2017. O governo norueguês e empresas globais, como Carrefour, Marks & Spencer, Mars, Metro, Nestlé, Tesco e Unilever, prometeram fundos de até 400 milhões de dólares. Esses fundos desencadeariam mais investimentos privados em grande escala para usos comerciais da terra que também protegessem e restaurassem florestas e turfeiras. (4)

No entanto, com base na experiência de programas semelhantes implementados em países como Vietnã, Indonésia, Filipinas, Mianmar e Camboja, esses fundos provavelmente estimularão programas de agricultores integrados, que obrigam pequenos produtores a usar suas terras para expandir plantações de commodities para exportação. Esses esquemas de integração tendem a colocar todo o risco sobre os pequenos agricultores, proporcionando às empresas um controle, na prática, sobre as terras dos camponeses. Eles também permitem que a indústria global de alimentos oculte o aumento do controle corporativo sobre as terras agrícolas sob o pretexto da “responsabilidade social”. Frequentemente, os governos criam linhas especiais de crédito bancário para os agricultores nesses programas de integração, facilitando empréstimos para a compra de sementes, fertilizantes, etc., subsidiando essas iniciativas empresariais em reação às críticas sobre a falta de ação para reduzir os impactos das mudanças industriais sobre as alterações climáticas. As evidências concretas coletadas até o momento mostram que esses programas de investimento privado pouco fizeram para parar o desmatamento ou reduzir o uso da maior fonte de emissões globais de gases de efeito estufa relacionada à produção agrícola: o uso de fertilizantes nitrogenados. Em muitos projetos na região central do Vietnã, por exemplo, esses fertilizantes são inclusive recomendados e fornecidos a agricultores pela norueguesa Yara, uma das principais empresas por trás da Nova Visão para a Agricultura do FEM e importante membro da Aliança para a Agricultura Inteligente para o Clima. (5)

Enquanto isso, a agricultura tradicional praticada por camponeses e pequenos agricultores continua enfrentando muitos desafios. Por exemplo, na República Democrática Popular do Laos, a agricultura que utiliza corte e queima é vista pelos formuladores de políticas como uma das principais causas do desmatamento. Na década de 1990, o Governo do Laos deu início ao Programa de Alocação de Terras e Florestas (LFAP, na sigla em inglês), que proíbe a agricultura itinerante e prescreve as formas como devem ser administrados os diferentes tipos de terras. Estudos mostram que, ao contrário das expectativas, o LFAP aumentou a insegurança fundiária e alimentar, a pobreza e a migração forçada, e não conteve o desmatamento, já que as comunidades locais não eram a causa dele. (6) Mais recentemente, o governo estabeleceu regulamentos sobre “Corredores de Conservação da Biodiversidade” em nível de província, que definiram uma base legal para a gestão dos chamados “corredores da biodiversidade”, com 12,8 milhões de dólares do Banco Asiático de Desenvolvimento (BAD). Esse programa do BAD visa testar o “manejo florestal sustentável” e preparar os países para ter acesso ao financiamento relacionado ao sistema de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (REDD). Foi feito planejamento do uso da terra em 67 povoados, cobrindo 350 mil hectares de floresta onde foi proibido o uso de agricultura de corte e queima pelas comunidades locais. (7)

Os acordos de livre comércio e investimento têm papel importante na definição de leis e políticas que facilitam a tomada da terra e da água para grandes investimentos, desmatamento e degradação de ecossistemas. Eles fazem isso indiretamente – incentivando a produção especializada e verticalmente integrada de commodities de exportação, que levam à expansão da mineração e das grandes plantações monocultoras –, e diretamente, obrigando os governos a remover barreiras ao investimento estrangeiro. (8) Por exemplo, em Janeiro de 2016, a Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) lançou a Comunidade Econômica da ASEAN (AEC), com o objetivo de criar um mercado e uma base de produção únicos em nível regional, que sejam competitivos e plenamente integrados à economia global. (9) Para facilitar a AEC, os governos membros da ASEAN assinaram uma série de acordos que facilitam o acesso dos grandes investidores a terra, recursos naturais, matérias-primas e mão de obra, e garantem proteção jurídica aos seus direitos de operar e ter lucro. Esse tipo de proteção não está disponível para as populações locais que perdem suas terras, suas florestas, suas fontes de água e seus meios de subsistência para projetos de infraestrutura e outros programas de investimento apresentados como desenvolvimento.

Na região do Mekong, o Programa de Cooperação Econômica da Sub-região do Grande Mekong (GMS), liderado pelo BAD, visa a transformar os ricos recursos humanos e naturais da região em uma área de comércio e investimento livres, por meio de ambiciosos investimentos multissetoriais em transporte (vias rodoviárias, ferroviárias, aéreas e navegáveis), energia, expansão urbana, telecomunicações, turismo, facilitação do comércio e agricultura. O ponto central da base estratégica do GMS é o desenvolvimento de corredores econômicos, que são bolsões de alto investimento em infraestrutura. Alguns corredores econômicos são acompanhados por “corredores de conservação da biodiversidade”, como no Laos, no Camboja e no Vietnã. Esses “corredores de conservação da biodiversidade” cobrem dois milhões de hectares de terras florestais e não florestais, e servem como componentes “verdes” do investimento em infraestrutura. A estratégia agrícola do GMS enfatiza a integração dos agricultores de subsistência da região em cadeias de suprimento regionais/globais controladas por corporações do agronegócio e a reorientação da produção agrícola de subsistência para alimentar mercados regionais e globais.

Independentemente da retórica sobre redução da pobreza e desenvolvimento sustentável, o modelo de desenvolvimento promovido e sustentado por governos, doadores e Instituições Financeiras Internacionais é cada vez mais extrativista e gera desigualdade e injustiça. Esse modelo se apropria de elementos da natureza, do potencial humano e das matérias-primas para gerar lucros para empresas, enquanto destrói ecossistemas, comunidades e possibilidades de vida digna. A violência contra as pessoas e a natureza faz parte desse modelo. Não é de admirar que, em toda a Ásia, as populações locais estejam resistindo a esse desenvolvimento. Elas enfrentam imensos riscos políticos e de segurança para defender suas terras, suas águas, suas florestas e seus ecossistemas contra o capital predatório que alimenta o extrativismo.

 

Shalmali Guttal, Diretora da Focus on the Global South

Kartini Samon, GRAIN

(1) Shalmali Guttal. Introduction: Redefining Governance; Challenging Markets in Keeping Land Local: Reclaiming Governance from the Market. Outubro de 2014. http://focusweb.org/landstruggles

(2) GRAIN. Asia’s agrarian reform in reverse: laws taking land out of small farmers’ hand. Abril de 2015. https://www.grain.org/article/entries/5195-asia-s-agrarian-reform-in-reverse-laws-taking-land-out-of-small-farmers-hands

(3) WRM. O novo “Plano Geral de Silvicultura” da Tailândia: a velha estratégia com nova roupagem. Boletim do Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais, edição 208, novembro de 2014. http://wrm.org.uy/bulletins/issue-208/

(4) World Economic Forum. $400 Million Fund Launched in Davos to Stop Tropical Deforestation and Boost Farming. Janeiro de 2017.

https://www.weforum.org/press/2017/01/400-million-fund-launched-in-davos-to-stop-tropical-deforestation-and-boost-farming/

(5) GRAIN. Grow-ing disaster: The Fortune 500 goes farming. Dezembro de 2016. https://www.grain.org/article/entries/5622-grow-ing-disaster-the-fortune-500-goes-farming

(6) Para mais informações, ver, por exemlo, Shalmali Guttal, Whose Lands Whose Resources? In Development, 2011, 54(1), (91-97) 2011 Society for International Development 1011-6370/11 www.sidint.net/development/

(7) Asian Development Bank. ADB Grant Assistance to Support Sustainable Biodiversity Management. Outubro de 2016. https://www.adb.org/news/adb-grant-assistance-support-sustainable-biodiversity-management

(8) Lorenzo Cotula. Tackling the trade law dimension of land grabbing. International Institute for Environment and Development, 14 de novembro de 2013. http://www.iied.org/tackling-trade-law-dimension-land-grabbing

(9) http://investasean.asean.org/index.php/page/view/asean-economic-http://wrm.org.uy/articles-from-the-wrm-bulletin/section1/thailands-new-forestry-master-plan-same-old-strategy-dressed-up-in-new-clothes/community/view/670/newsid/755/about-aec.html ; acessado em 20 de dezembro de 2016