Birmânia: cessar-fogo, concessões madeireiras e de mineração no Estado de Kachin

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O Estado de Kachin no norte da Birmânia (Myanmar) está sofrendo uma mudança ecológica dramática. O Estado de Kachin possui uma das maiores áreas remanescentes de florestas naturais intactas do Sudeste da Ásia, e uma das oito “áreas de maior diversidade biológica” mais importantes do mundo. Mas a área está ameaçada atualmente já que um dos maiores e melhor organizados grupos políticos étnicos, a Kachin Independence Organization – KIO (Organização da Independência de Kachin) concordou em um cessar-fogo com o regime militar birmanês (State Peace and Development Council –Conselho de Estado para a Paz e o Desenvolvimento- ou SPDC ) em 1994 que permitiu à KIO manter suas armas e ter um pouco de soberania política mas entregando o controle legal dos recursos naturais ao SPDC. As concessões do cessar-fogo que ofereciam direitos para explorar os recursos naturais excepcionalmente ricos do Estado de Kachin atraíram umas poucas elites de Kachin para aceitar um cessar-fogo. É por isso que um ancião kachin acha que “se não houvesse um acordo de cessar-fogo não haveria crise ambiental”.

Um jovem kachin explica simplesmente: “Quando havia luta no Estado de Kachin não havia oportunidade de extrair as árvores”. Agora que a guerra já não detém a extração de recursos naturais, o corte e a mineração têm aumentado drasticamente em ritmo e escala, estimando-se em um relatório recente que não menos de 500.000 m3 passam todo ano através da fronteira de Kachin para Yunnan, na China.

As duas razões principais são o disparado crescimento econômico da China e a proibição de corte de madeira de Yunnan, que tem obrigado à China a importar madeira do norte da Birmânia para alimentar sua insaciável demanda consumidora. Uma outra razão é que o cessar-fogo exigia que a KIO passasse da mineração do jade, antigamente sua principal fonte de renda, à outorga de concessões madeireiras com o fim de continuar mantendo-se e mantendo sua força armada, o Kachin Independence Army - KIA (Exército para a Independência de Kachin). “O KIO se financiava principalmente com o jade; mas depois do acordo de cessar-fogo passou às árvores.” Um oficial do KIA explica também: “Depois do cessar-fogo, os povos locais já não têm a oportunidade de explorar minerais [jade]. Os mineiros são agora birmaneses, porque o governo birmanês controla as minas de jade e outorga contratos às companhias birmanesas”. Além disso, o SPDC tem outorgado muitas concessões de exploração de ouro a companhias chinesas que poluem o rio e as pessoas com mercúrio.

A harmonia política entre antigos inimigos de batalha permite a devastação conjunta dos recursos naturais, beneficiando umas poucas elites birmanesas, kachin e chinesas às expensas de kachins locais. Essa colusão de redes de elites depois do cessar-fogo tirou o controle sobre as florestas dos chefes das aldeias kachin para a KIO, o SPDC e os oficiais e empresários chineses. O regime birmanês e a KIO tentam justificar as concessões do cessar-fogo a kachin locais através da oferta de pacotes de “desenvolvimento extrativo” como infra-estrutura. No entanto, na realidade “A única coisa que o povo kachin obtém é caminhos para que saiam as árvores”. As concessões do cessar-fogo salientam como o fim da guerra que é obviamente benéfico para as pessoas, abre oportunidades para a extração de recursos naturais e sua degradação ambiental relacionada. A situação é tão séria que um líder kachin disse que “o meio ambiente é o problema mais importante no Estado de Kachin atualmente”. Um médico kachin concorda com isso e acrescenta mais um elemento: “A maioria dos kachin estão muito preocupados com a situação ambiental mas não podem queixar-se. Se o fizerem, podem matá-los ou podem ser colocados em prisão.”

Por Zao Noam, pesquisador sobre política ambiental no Sudeste da Ásia, com ênfase especial na Birmânia, E-mail: zaonoam@yahoo.com