Camarões: política florestal deve respeitar direitos dos pigmeus que moram na floresta

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Com uma população estimada em cerca de 100 mil indivíduos, os pigmeus dos Camarões são o povo da floresta mais conhecido e vulnerável da África. Seu estilo de vida está intrinsecamente ligado à floresta, onde acham comida (carne, fruta, mel, raízes, etc.) e produtos para a medicina tradicional, terreno em que são conhecidos como grandes expertos. A floresta é seu hábitat natural e, nela, a maioria continua sendo nômada.

A Política Florestal dos Camarões, de 1993, e a Lei Florestal, de 1994, junto com seus instrumentos de aplicação, têm resultado em desrespeito dos direitos tradicionais dos povos indígenas.

Nos Camarões, há um duplo sistema de normas legais: uma legislação escrita, de origem colonial e apresentada como “moderna”, coexistindo com uma multiplicidade de leis não escritas, denominadas “consuetudinárias ou tradicionais”, de origem pré-colonial. Com base na noção “terra de ninguém”, alheia ao sistema de leis tradicionais dos povos da floresta, o Estado reclamou para si todas aquelas terras em que não fosse possível apresentar provas de propriedade conforme as disposições da lei moderna (isto é, título de propriedade).

Cabe exclusivamente à Administração Florestal a outorga de concessões, sendo que os procedimentos pertinentes desconhecem toda comunidade à margem. A definição das áreas abertas à exploração não leva em conta nem as áreas de caça nem as de migração dos pigmeus. Em se tratando de definição das florestas de produção, o que importa é apenas o retorno financeiro, dessa forma ignorando toda consideração social.

A extração de madeira em escala industrial tem efeitos negativos sobre a população de pigmeus, tanto diretamente, pela destruição dos recursos florestais de que dependem, quanto de forma indireta, porquanto permite o acesso à floresta de caçadores ilegais que podem pegar enormes quantidades de animais. Assim, eles contribuem para a perda de recursos de fauna, com o conseguinte impacto na dieta dos pigmeus e, portanto, na qualidade de vida. Muitas espécies de árvores de alto valor comercial, como o “moabi” e o “bubinga”, também são econômica e culturalmente importantes para as comunidades de pigmeus. A derrubada dessas espécies pelas empresas madeireiras contribui para alterar a base de sustento dos pigmeus e para a destruição de sua cultura.

Desde a promulgação da Lei Florestal, em 20 de janeiro de 1994, as comunidades dos povoados estabelecidos em terras do Estado, ou perto delas, têm direito a florestas comunitárias. Segundo a definição da lei, floresta comunitária é uma área de floresta em terras do Estado sobre as quais não pesa nenhuma licença de exploração, com superfície inferior a 5 mil hectares, e em que o Estado detém a propriedade da terra, mas deixando o manejo dos recursos florestais aos cuidados da comunidade do povoado por um prazo de 25 anos, podendo ser renovado.

Em virtude das disposições vigentes, é muito difícil que comunidades de pigmeus recebam uma floresta comunitária. Um dos pré-requisitos para a outorga é a legalização de uma entidade representativa da “comunidade”. Geralmente, as comunidades de pigmeus não possuem nem o nível de educação formal nem a organização social necessários ao preenchimento desse requisito.

A designação de floresta comunitária só pode acontecer naquelas áreas em que a comunidade detém o gozo do direito tradicional à terra. Em geral, os pigmeus reassentados ao longo das estradas e trilhas na floresta não gozam de qualquer direito tradicional à terra, já que esse direito fica com os bantos, que os “acolhem”. A lei não prevê a designação de floresta comunitária em “Florestas Permanentes”, onde a maior parte dos pigmeus goza de “direitos tradicionais”.

A área máxima permitida para uma floresta comunitária (5 mil hectares) e as áreas comunitárias de caça não são próprias para os pigmeus, cuja forma de vida baseada na caça e na colheita exige uma extensão bem maior.

As comunidades de pigmeus são parte integrante e importante do patrimônio cultural e humano da bacia do Congo. Nos Camarões, o direito tradicional dos pigmeus manejarem seu espaço e recursos é parte daquilo que foi sacrificado em nome da modernidade, através da imposição da lei moderna em detrimento da lei tradicional. A fragilidade das comunidades de pigmeus e sua forte dependência de um ecossistema de floresta intocado são fatores que justificam tratamento especial na lei.

São necessárias medidas urgentes e firmes, para garantir que a exploração florestal e as políticas de conservação não vão prejudicar os pigmeus da bacia do Congo. Nesse sentido,

1. Faz-se necessário o reconhecimento do direito tradicional dos pigmeus à terra no plano de zonificação de florestas, inclusive, dentro de concessões e áreas protegidas. Nas áreas protegidas, as comunidades de pigmeus devem participar na aplicação da lei e em outras atividades de monitoramento, em parceria com a Administração.

2. Deve ser proibida a derrubada de espécies de alto valor cultural, terapêutico ou nutricional para os povos que dependem da floresta.

3. O governo deve aumentar as sanções contra a extração ilegal de madeira.

4. As normas respeitantes ao manejo florestal comunitário devem ser modificadas, para nelas incluir o peculiar contexto das comunidades de pigmeus.

5. A definição dos direitos do usuário deve ser adaptada, de sorte que inclua as formas de produção dos pigmeus, permitindo que eles vivam legalmente da venda de produtos colhidos na floresta de maneira tradicional.

Resumo de “Forest Management Transparency, Governance and the Law. Case studies from the Congo Basin”, editado pelo Centro para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (Centre for Environment and Development - CED), Camarões; Rainforest Foundation, Reino Unido; e Forests Monitor, Reino Unido; outubro de 2003, disponível em http://www.africa-environment.org/gendoc/Case_studies.pdf