Cuidado com a “bioeconomia”

 

 

Apenas alguns anos atrás, a gigante florestal Weyerhauser, uma empresa madeireira com sede nos Estados Unidos, começou a divulgar uma série de anúncios intrigantes em aeroportos e revistas. Os anúncios mostravam uma floresta temperada do norte, junto com a pergunta “O que uma árvore pode ser?”. Balões de pensamento pairavam sobre a cobertura da floresta e um parágrafo de texto perguntava: “Remédio contra o câncer? Combustíveis alternativos para nossos carros? Você acha que uma árvore poderia ser plástico biodegradável ou alimentos? Ou roupas?”. A silvicultura, parecia dizer, não é mais apenas uma questão de celulose e madeira – parece ter começado uma nova tendência na qual os mercados de árvores acabam de ficar muito maiores.

Era um anúncio sobre a “bioeconomia” – uma estratégia industrial que está sendo agressivamente promovida pelo agronegócio e pelas indústrias de silvicultura e biotecnologia. Os planos e os roteiros da “bioeconomia” estão sendo elaborados por todos os grandes países do norte, além de vários do sul. Eles visualizam uma nova ordem econômica na qual a biologia e a biomassa se ​​tornem as principais ferramentas e matérias-primas da produção industrial. Entre os exemplos desses documentos estão o “Plano Nacional Bioeconomia” dos Estados Unidos e ou a “Bioeconomia baseada no conhecimento” da União Europeia. (1)

Impulsionado por esta nova visão da “bioeconomia”, está sendo estabelecido um conjunto de tecnologias e arranjos econômicos que pode literalmente transformar cavacos de madeira, cana-de-açúcar, algas e outros estoques de biomassa em combustíveis líquidos, produtos químicos produzidos em grande quantidade e energia elétrica que compõem as nossas economias de produção. Agrupadas sob esta bandeira estão muitas centenas de instalações de energia de biomassa, que queimam cavacos para gerar eletricidade em antigas usinas de carvão, produtores de biocombustíveis de próxima geração, como a Mascoma, que fermenta cavacos pra fazer etanol, bem como  empresas de “biomateriais”, como NatureWorks e Metabolix, que transformam amido de milho em garrafas de plástico. Enquanto isso, pesquisadores da nanotecnologia (2) estão desenvolvendo novas maneiras de transformar a celulose da madeira em materiais condutores para a eletrônica. As empresas do campo da biologia sintética (engenharia genética extrema), que está em rápida explosão, estão transformando o açúcar de cana em combustíveis, baunilha, adoçantes alimentos ou sabões. Vistos em conjunto, esses atores da “bioeconomia” têm potencial para alterar a base material de nossas economias “avançadas”. Uma árvore poderia se transformar na capa do seu smartphone, na fiação dentro dele e também na eletricidade que flui nele? Teoricamente sim, dizem os incentivadores da “bioeconomia”.

Para os que creem nessa “bioeconomia”, uma grande atração é o fato de que as fontes de biomassa, como florestas e agricultura, representam novos reservatórios de carbono” em uma época em que o acesso ao carbono tradicional usado pela indústria química (combustíveis fósseis) está se tornando mais difícil e mais caro. Em todo o mundo, estima-se que haja cerca de 500 gigatoneladas de carbono (GTC) armazenadas na vegetação terrestre – superando em muito os estoques recuperáveis ​​de petróleo (120 GTC) e gás (75 GTC). Isso levou alguns adeptos de “bioeconomia” a se referir às florestas como “campos de petróleo acima do solo”. Redirecionar a produção dos carbonos fósseis mortos oriundos do petróleo, do carvão e do gás para o “carbono verde” vivo da biomassa parece um sonho verde que se tornou realidade – uma parceria industrial com a natureza, que parece prescindir da indústria do petróleo. Na verdade, a “bioeconomia” é tratada, às vezes, como um subconjunto da chamada “economia verde” – o conjunto de ferramentas e mecanismos financeiros valorizados pelas Nações Unidas como um caminho mais limpo e mais verde para as economias neoliberais. O Fórum Econômico Mundial estima que a nova “bioeconomia” da energia baseada em produtos químicos, plásticos e combustíveis biológicos e seus mercados associados poderia valer cerca de 300 bilhões de dólares até 2020.

No entanto, por trás dessas fantasias está a imensa verdade inconveniente das matérias-primas. Transformando biomassa de cavacos de madeira, açúcar ou algas, a escala dos padrões de consumo atuais significa que o crescimento dessa “bioeconomia” vai inevitavelmente colidir e entrar em conflito com a proteção da vida e dos meios de subsistência. O termo industrial “biomassa”, em si, já esconde o fato de que o que está sendo transformado é a biodiversidade viva, as árvores que compõem a floresta, os cultivos que fornecem nossa alimentação e devolvem nutrientes e carbono ao solo, as algas que produzem o nosso oxigênio. A forma como coletamos ou cultivamos essa “biomassa” está ainda mais emaranhada nas vidas e culturas – desde as das comunidades florestais cuja casa é destruída até as dos trabalhadores migrantes que cortam cana-de-açúcar em condições de trabalho quase escravizantes. Com efeito, essa nova “bioeconomia” muitas vezes prejudica “bioeconomias” mais antigas que já usam a biodiversidade para produzir bens materiais ou energia, mas em escala pequena, de baixo impacto – camponeses, comunidades florestais e pescadores. A nova visão da “bioeconomia”, no entanto, colocaria sob ataque em especial as terras e os meios de subsistência dos povos do Sul, à medida que a terra é cada vez mais concentrada para plantar cana, celulose e outras fontes de biomassa. Como 86% da biomassa estão localizados ao redor do equador, qualquer implantação da “bioeconomia” causa inevitáveis transformações nos trópicos e além.

Além disso, enquanto os defensores da “bioeconomia” podem apontar a vegetação abundante do nosso planeta como prova de que a economia baseada na biomassa está lá para ser pega, a verdade é que quase toda a biomassa terrestre do planeta já está comprometida, pois as plantas vivas são necessárias para proporcionar valiosas funções ecológicas inter-relacionadas, como água e ciclagem de carbono, bem como conviver com as populações que dependem das florestas para abastecimento e proteção mútuos. Estudos sobre até onde as nossas economias atuais já estão danificando os sistemas naturais revelam que as sociedades industriais já usam um quarto de toda a biomassa – extraindo muito mais do que a biosfera pode aguentar e pressionando antigas “fronteiras planetárias” críticas. Alguns defensores da “bioeconomia” sonham em impulsionar a “produtividade” global da Terra por meio de árvores ou algas transgênicas, entrando na esfera da geoengenharia do planeta.

As tecnologias subjacentes à “bioeconomia” tampouco são benignas. Já se documentou que a queima de biomassa para energia elétrica causa graves problemas de saúde humana em comunidades localizadas no entorno da queima. A adoção dos biocombustíveis tem comprovadamente elevado os preços dos alimentos e impulsionado a concentração de terras ao redor do mundo. Enquanto isso, as novas técnicas de biologia sintética envolvem arriscadas técnicas de engenharia genética extrema, cuja segurança nenhum cientista ou regulador sabe ainda como avaliar. A biologia sintética, em particular, tem levantado fortes preocupações. Trata-se de imprimir moléculas de DNA a partir de uma máquina operada por computador (DNA sintético) e, em seguida, alterar a composição genética de leveduras, bactérias e algas de formas altamente inovadoras. Esses micróbios são “programados” para processar a biomassa e outras matérias-primas em novos produtos valiosos – transformando o açúcar em plástico e celulose em combustível para aviões a jato. Encontrada em grandes fábricas de fermentação, a biologia sintética é frequentemente considerada o melhor instrumento da “bioeconomia” – uma coleção de bichinhos “mágicos” que irá transformar o açúcar e a celulose do Sul do planeta em mercadorias valiosas para o Norte.

Jim Thomas, ETC Group

(1) “National Bioeconomy Blueprint”, EUA: http://www.whitehouse.gov/sites/default/files/microsites/ostp/national_bioeconomy_blueprint_april_2012.pdf ; e “Knowledge-Based BioEconomy”, União Europeia: http://www.kbbe2010.be/

(2) A nanotecnologia é a manipulação da matéria na escala de átomos e moléculas individuais. Atualmente, a nanotecnologia comercial envolve a ciência dos materiais (ou seja, os pesquisadores foram capazes de produzir materiais que são mais fortes e mais duráveis​​, aproveitando as alterações de propriedades que ocorrem quando as substâncias são reduzidas à nanoescala). Isso envolve riscos profundos, com os novos nanomateriais potencialmente ameaçando terras no Sul e representando novos riscos para a saúde dos trabalhadores e do público em geral. Veja mais informações em: http://www.etcgroup.org/issues/nanotechnology