Fábricas de árvores: um panorama dos impactos e interesses por trás das árvores transgênicas

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A engenharia genética permite aos cientistas modificar árvores inserindo material genético de outra árvore da mesma espécie, de outra espécie de árvore, ou simplesmente de outra espécie. As tentativas de comercializar árvores transgênicas feitas por empresas de pesquisa e de plantações nos Estados Unidos, no Brasil e em outros países representam um enorme risco para as florestas do mundo.

Até agora, o debate sobre organismos geneticamente modificados (OGMs) – também conhecidos como transgênicos – tem-se centrado principalmente em culturas agrícolas, e só em muito menor medida, em árvores transgênicas. Nosso foco neste boletim não está na engenharia genética de árvores frutíferas, como mamoeiro ou macieira, mas nas árvores de eucalipto, pinos, acácia e álamo usadas na monocultura industrial em grande escala, principalmente no Sul Global. No entanto, o fato de que essas árvores não serão comidas – embora o mel produzido a partir de eucaliptos transgênicos possa ser contaminado – não significa que as árvores transgênicas sejam menos perigosas. Pelo contrário, como as árvores vivem mais do que as culturas agrícolas, poderia haver mudanças imprevistas no seu metabolismo muitos anos depois de terem sido plantadas. Por exemplo, já há trabalho em andamento com árvores transgênicas para impedir sua floração, com o suposto propósito de evitar a possível contaminação das árvores naturais com pólen transgênico. O problema é que ninguém pode garantir que, 20 ou 30 anos depois de terem sido plantadas, nenhuma das milhares ou milhões de árvores transgênicas florescerá e contaminará árvores normais da mesma espécie. O impacto disso sobre as espécies em questão, sobre a floresta como um todo e sobre as comunidades que dependem dessas florestas poderia ser devastador.

Cientistas que mexem em genes para “melhorar” as árvores estão, na verdade, mudando certos atributos genéticos dessas árvores para melhor servir aos interesses daqueles que estão financiando essas pesquisas – principalmente grandes empresas de plantação de árvores – ao aumentar a rentabilidade das empresas envolvidas. Uma árvore transgênica resistente a herbicidas, por exemplo, não “melhora” coisa alguma – e sim o contrário. Essa árvore modificada permite muita fumigação de herbicidas e, como resultado, isso irá danificar o solo, destruir a flora local, envenenar a fauna, poluir a água e afetar gravemente a saúde e os meios de subsistência das populações locais.
Quem está promovendo as árvores transgênicas e por quê?

Grande parte das pesquisas que os cientistas estão realizando com árvores transgênicas interessa principalmente à indústria de papel e celulose. Teoricamente, as árvores geneticamente modificadas permitiriam que as fábricas de celulose cultivassem mais fibra em menos tempo. Os pesquisadores estão trabalhando em árvores transgênicas resistentes a doenças, já que as grandes plantações de monoculturas são particularmente suscetíveis a elas. Árvores manipuladas para ser estéreis cresceriam mais rápido, pois concentrariam sua energia no crescimento e não na produção de flores. A indústria de celulose e papel também está interessada em árvores transgênicas com fibra mais uniforme, menos galhos, e troncos mais retos. O objetivo da indústria é substituir suas plantações de árvores atuais por árvores transgênicas, que crescem mais rápido, contêm mais celulose, são resistentes a herbicidas, insetos e fungos, resistem a secas e baixas temperaturas e não florescem.

As empresas de combustíveis e relacionadas à energia também estão se interessando cada vez mais pela manipulação genética de árvores. Árvores transgênicas de crescimento mais rápido, com menos lignina, seriam menos fibrosas, permitindo um processo mais fácil para transformar a celulose da madeira em um combustível líquido (etanol). Isso pode resultar na criação de imensas plantações de árvores transgênicas para produzir celulose, que, por sua vez, seria convertida em etanol. Além disso, a queima de pellets de madeira está sendo promovida em grande parte da UE como “energia renovável”, o que aumenta a demanda por madeira e promove mais projetos de plantação de árvores no Sul global. Enquanto isso, os pesquisadores estão procurando maneiras de manipular geneticamente árvores que absorvam e armazenem mais carbono, como uma suposta solução para a mudança climática.
Como isso aconteceu?

Historicamente, a indústria silvícola tem tentado “gerenciar” as florestas para atender às suas necessidades comerciais. Como resultado, foram estabelecidas plantações de árvores de uma única espécie, plantadas em linhas retas, uniformemente espaçadas, de modo a obter a maior quantidade possível de madeira por hectare. Isto levou à progressiva destruição de florestas e pastagens e à sua substituição por monoculturas industriais de árvores que nada produzem além de madeira.

Entretanto, isso não foi suficiente, e as empresas adotaram medidas diferentes para “melhorar” essas monoculturas. A Organização para a Alimentação e Agricultura das Nações Unidas (FAO) desempenhou um papel fundamental nesse sentido, começando com a definição de monoculturas como “florestas” e apoiando o estabelecimento dessas “florestas” no Sul. Ela também promoveu pesquisas sobre as espécies de árvores consideradas mais adequadas para o plantio – especialmente eucalipto e pínus – e foi também um dos principais veículos usados para convencer os governos sobre os supostos benefícios da promoção desses tipos de plantações em seus países.

O passo seguinte envolveu a adoção gradual do pacote completo da Revolução Verde, também apoiado pela FAO: crescente mecanização do trabalho silvícola e do uso de fertilizantes químicos, agrotóxicos para combater pragas ou doenças e herbicidas para evitar que outras plantas competissem com as árvores plantadas. Nesse meio tempo, a seleção genética tentou “melhorar” o desempenho das plantações em termos de rendimento de madeira, o que foi rapidamente seguido de hibridização e clonagem das árvores “melhores”. A partir dessa perspectiva reducionista, o próximo passo óbvio era modificar geneticamente as árvores.
Quais são os principais impactos e riscos?

A pesquisa com árvores transgênicas não está limitada aos laboratórios e aos testes “controlados”, também se estendendo ao campo, e com uma vasta gama de espécies. As árvores geneticamente modificadas são projetadas para ser plantadas em grandes monoculturas industriais de árvores, que já têm sérios impactos sobre as pessoas e as florestas. E essas árvores vão aumentar esses impactos. Aqui está uma pequena lista de alguns dos muitos impactos graves:

- A contaminação genética de habitats: pólen e sementes das árvores transgênicas podem ser levados muito longe pelo vento, pela água ou por insetos polinizadores. Isto significa que podem contaminar facilmente árvores localizadas a uma longa distância. Por exemplo, um pínus transgênico resistente a insetos plantado no Chile pode acabar contaminando árvores dessa espécie em seu habitat natural nos Estados Unidos, matando insetos e causando sérios impactos sobre as cadeias alimentares a que estão vinculados. A propagação também pode se dar por meio de raízes, brotos e enxertos. Este é um dos maiores riscos associados a testes de campo e plantações comerciais de árvores transgênicas. Portanto, a regulamentação em nível nacional não seria suficiente devido à dispersão em grande escala.

- O aumento da pressão sobre as florestas nativas: embora o argumento de “produzir mais madeira em menos terra”, usado pelos defensores de árvores transgênicas, pareça convincente, a crescente demanda por madeira, em grande parte vinda do Norte global, também aumenta a pressão sobre as terras. Nas últimas duas décadas, a indústria de plantações já melhorou a produtividade das árvores sem o uso da engenharia genética, mas a área de plantações industriais de árvores não foi reduzida; ela quadruplicou no Sul global. Como as árvores podem ser manipuladas para crescer mais rápido, resistir a produtos químicos e insetos, e ser tolerantes a geadas, espera-se que elas aumentem os lucros das empresas, bem como ampliem o número de plantações. Os potenciais efeitos da liberação comercial das árvores transgênicas incluem a destruição da biodiversidade e da vida selvagem, a perda de água doce, a desertificação dos solos e impactos graves sobre a saúde humana – todos os quais, direta ou indiretamente provocam a degradação e o colapso de florestas e pastagens nativas.

- Mais água, mais produtos químicos, mais destruição: árvores modificadas geneticamente para crescer mais rápido provavelmente consumirão mais água do que as árvores usadas atualmente em plantações industriais. Isto levará a mais rios e córregos secos, mais redução dos lençóis freáticos e mais secagem de nascentes e poços. Nutrientes serão removidos do solo mais rapidamente, exigindo mais fertilizantes químicos. As árvores transgênicas crescerão mais rapidamente do que árvores nativas e podem ser muito invasivas às florestas circundantes, acumulando a vegetação e destruindo o habitat de animais e fungos que evoluíram para viver em florestas nativas.

- Aumento de violações dos direitos das comunidades locais: comunidades rurais, tradicionais e indígenas em países que promovem plantações de árvores transgênicas ou em torno deles suportarão o maior fardo dos impactos negativos. As árvores transgênicas potencializarão os já elevados interesses corporativos sobre terras e “recursos”. Ao ocupar imensas quantidades de terras e poluir os solos e cursos d’água próximos, as árvores transgênicas exacerbam direta ou indiretamente o deslocamento de mais comunidades de seus territórios, destruindo seus meios de subsistência, sua soberania alimentar e seu controle sobre seus próprios territórios.

- Riscos para a saúde humana: entre os impactos potenciais estão a exposição a produtos químicos perigosos que são aplicados às plantações de árvores transgênicas e efeitos nocivos da inalação de pólen de árvores que produzem uma toxina Bt (que produz proteínas mortais aos insetos). Os pínus, por exemplo, são conhecidos por sua polinização pesada, espalhando o pólen por centenas de quilômetros. O estabelecimento de plantações de pínus que produzem pólen Bt poderia levar a surtos generalizados de doenças. Os impactos sobre a vida selvagem e os seres humanos que consomem plantas Bt ainda não foram cuidadosamente pesquisados​​. Contudo, estudos com animais concluíram que a Bt permanece ativa em mamíferos que a tenham consumido e pode, na verdade, aderir ao intestino, levando a “perturbações estruturais significativas e tumores intestinais”.

- As árvores transgênicas não podem ajudar a reverter a mudança climática: a ideia de que plantar árvores pode ajudar nessa reverão é baseada na falsa suposição de que o carbono liberado pela queima de carvão ou de óleo pode ser considerado equivalente ao carbono “absorvido” em uma árvore. O carbono fossilizado guardado sob o solo é estável e, a menos que se escave para retirá-lo e ele seja queimado, ele não vai entrar na atmosfera. Além disso, as árvores transgênicas só vão aumentar o número de plantações, e o desmatamento de florestas para plantações é um dos principais motores do desmatamento. As plantações não são florestas!

- As pesquisa com árvores transgênicas segue a lógica do “crescimento” constante: seja para fins de produção de celulose para produzir papel, etanol líquido como combustível, biomassa para energia ou maior absorção de carbono, as árvores transgênicas agravam a violência atual do sistema econômico.

É fundamental que nos oponhamos à expansão das monoculturas de árvores e participemos da luta contra as árvores transgênicas. Para mais informações sobre os impactos das plantações de monoculturas de árvores, consulte o site do WRM; e sobre as árvores transgênicas, em particular, consulte “Árvores geneticamente modificadas: A ameaça definitiva para as florestas”, escrito por Chris Lang e produzido por WRM e Amigos da Terra-Internacional; e visite o site da campanha contra as árvores transgênicas, STOP GE trees campaign.