A Iniciativa de Mumbai- Porto Alegre para as florestas

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Muitos dos participantes do Fórum Social Mundial de 2004 se encontraram em Mumbai com a certeza de que as problemáticas florestais são principalmente sociais e políticas e que as comunidades florestais vêem-se cada dia mais atingidas pela globalização - e por novas formas de comércio e liberalização econômica que são decorrentes dela. Eles concordaram na necessidade de criarem um movimento mundial para garantir a conservação das florestas e os direitos dos povos sobre as florestas. Os princípios em que esse movimento deveria estar embasado foram acordados e circularam entre os grupos como a Inciativa de Mumbai para as Florestas - Declaração de Princípios.

Um ano depois, o grupo e alguns outros participantes do Fórum Social Mundial de 2005 se encontraram em Porto Alegre, Brasil, reconsideraram e revisaram a iniciativa de Mumbai para as florestas. O resultado é a Iniciativa de Mumbai - Porto Alegre para as Florestas. A seguir, são colocados seus 12 princípios com uma breve explicação de cada um.

1. As populações indígenas e outras comunidades dependentes das florestas que habitam nas florestas e usam seus recursos para suas necessidades de sobrevivência são as verdadeiras protetoras e governantes dessas florestas e gozam de direitos inalienáveis sobre elas.

A questão incial é que as florestas e as comunidades dependentes das florestas têm direitos inalienáveis sobre suas florestas. Esses direitos foram subvertidos durante a colonização e os novos estados independentes mantiveram a mesma legislação que tinha sido imposta às comunidades pelo poder colonial. Ao mesmo tempo, este princípio reconhece o papel que as comunidades têm- e pretendem ter- na proteção das florestas que satisfazem suas necessidades de sobrevivência e o fato de elas deterem o conhecimento de manejá-las adequadamente.

2. A proteção e a conservação das florestas exigem que esses direitos sejam garantidos.

A destruição florestal, na maioria dos casos, não foi provocada pelas comunidades mas por decisões tomadas fora das áreas florestais (por exemplo as concessões de extração de madeira outorgadas pelos governos). Se as florestas devem ser protegidas e conservadas, o primeiro passo é garantir que os direitos das comunidades sobre seus territórios sejam reconhecidos legalmente. O passo complementar é garantir que esses direitos sejam integralmente respeitados.

3. Os mecanismos institucionais de controle social das florestas pelas populações das florestas- incluídas as populações indígenas e outras comunidades que delas dependem- vão evoluir de acordo com as necessidades econômicas e sócio- ecológicas e econômicas das comunidades e adotarão formas diferentes conforme os variados perfis culturais das comunidades nas diversas partes do mundo.

Este princípio dá ênfase à diversidade cultural e biológica que existe entre as florestas e salienta que mecanismos diferentes serão implementados por diferentes comunidades florestais em diferentes tipos de florestas e que esses mecanismos evoluirão através do tempo a fim de se adaptarem às mudanças. Ao mesmo tempo, adverte contra a imposição de receitas homogêneas provindas de agentes governamentais ou não governamentais.

4. O papel histórico e a contribuição positiva das mulheres quanto ao governo e cuidado das florestas deve ser reconhecido e deve ser garantida sua participação integral na tomada de decisões.

Se as mulheres são consideradas "invisíveis" em muitas áreas, não há outro lugar em que elas sejam mais invisíveis do que nas florestas, tanto a respeito do papel delas na proteção da floresta quanto nos impactos diferenciados que estão forçadas a suportar como resultado do desflorestamento e da degradação florestal. O reconhecimento desse papel deve estar necessariamente acompanhado pelo direito de participar plenamente das decisões sobre essas florestas.

5. Os governos devem garantir a existência de um meio ambiente propício para o controle comunitário das florestas.

Os governos têm um novo e crucial papel na criação das condições para a adequada proteção das florestas. Não apenas devem garantir que os direitos sobre as florestas sejam colocados a salvo- e legalmente- nas mãos das comunidades locais como também devem implementar mecanismos para sustentar o controle comunitário das florestas. Esse "meio ambiente propício" estende-se em direção a responder aos pedidos das comunidades quanto a suporte específico e a implementar políticas que realcem as habilidades das comunidades com o intuito de conseguir a proteção da floresta.

6. Os governos devem garantir que a legislação e as políticas respeitem os princípios acima mencionados.

Em muitos casos, a legislação e as políticas aparentemente muito distantes das florestas têm como conseqüência a destruição da floresta. Por exemplo, a mineração e a legislação sobre o petróleo vinculadas a políticas de energia podem ser contraditórias com políticas florestais embasadas nos princípios anteriores e podem resultar no despejo de comunidades florestais locais e na degradação florestal. Portanto, todas as políticas governamentais e as leis deveriam ser analisadas previamente atendendo a um possível impacto sobre as florestas e as populações florestais e ser alteradas ou retiradas se necessário em virtude de evitar o fato de tais impactos ocorrerem.

7. A sociedade que se beneficia amplamente pela extensa variedade de produtos e serviços fornecidos pelas florestas deve apoiar as comunidades em seus esforços de governar e conservar as florestas.

A opinião pública tem cada dia mais conciência do papel que as florestas têm na própria vida, especialmente quanto à importância ambiental que as florestas têm na conservação da água, diversidade biológica e clima em nível local, regional e mundial. O apoio da sociedade é essencial, especificamente neste palco, em que não foram ainda concedidos às comunidades florestais os direitos sobre as florestas e as florestas estão desaparecendo em alarmante proporção em muitos países.

Apoiar as lutas das comunidades para manejar e proteger suas florestas deveria, portanto, constituir um passo importante no estabelecimento das condições que devolvessem o poder sobre as florestas a quem tem mais direito de garantir a conservação das florestas: as comunidades da florestas em si mesmas.

8. As ONGs e outras organizações da sociedade civil em nível nacional e internacional comprometidas com a conservação das florestas e a proteção dos direitos das populações das florestas deveriam apoiar as inciativas dos povos para o governo das florestas e ser responsáveis por elas.

As organizações da sociedade civil tanto podem ter um papel positivo quanto negativo para as florestas e existem exemplos disso. A primeira questão que precisam colocar é se elas estão comprometidas apenas com a conservação das florestas ou se estão comprometidas com os direitos das populações das florestas e com a conservação da floresta. Caso a resposta seja a última, é necessário que entendam que o que as comunidades precisam é apoio- e não uma liderança exterior- e que garantir uma proteção da floresta a longo prazo implica um verdadeiro empoderamento das comunidades florestais. O papel dessas organizações deve, portanto, ser percebido como um envolvimento no curto prazo a fim de apoiar a criação das condições para as comunidades florestais obterem o próprio manejo.

9. Nós nos opomos a ONGs e outras organizações da sociedade civil envolvidas em atividades que afetem ou prejudiquem os direitos e interesses das populações das florestas.

Apesar de não significar uma situação generalizada, um grupo de grandes organizações internacionais de conservação- que agem em parceria com alguns poucos parceiros locais- escolheram menosprezar os direitos e as capacidades das comunidades das florestas e procuram vigorosamente- com a colaboração de alguns governos e corporações- obter o dominio e/ ou o controle dos direitos sobre as florestas que pertencem às comunidades locais. Tais organizações receberão toda a oposição que merecem.

10. A extração industrial de madeira e as plantações em grande escala bem como os denominados projetos de desenvolvimento e conservação que conduzem ao desmatamento, à degradação florestal e ao deslocamento das comunidades das florestas e seus meios de subsistência não podem ser permitidos.

A experência já mostrou mais do que suficientemente que muitos dos chamados projetos de "desenvolvimento" têm apenas servido para desenvolver a riqueza dos ricos enquanto empurrava as populações das florestas ao empobrecimento e perda de meios de vida. A extração industrial de madeira é, talvez, o exemplo mais óbvio, entretanto, há muitos outros tais como as represas, as plantações de monoculturas de árvores, rodovias, mineração, exploração de petróleo, criação de camarões e assim por diante. Se as florestas devem ser protegidas, nenhum desses projetos deve ser permitido. O verdadeiro desenvolvimento não resulta na destruição da floresta; ao contrário, para as comunidades da floresta, o desenvolvimento significa o melhor e permanente acesso aos recursos e serviços florestais e portanto implica a conservação da floresta.

11. Somos contra qualquer envolvimento do Banco Mundial, FMI, OMC e outras instituições financeiras internacionais em políticas e projetos que possam atingir as florestas e as populações das florestas.

O Banco Mundial tem uma longa história de destruição de florestas. Muitos dos mais destrutivos projetos na floresta foram financiados por essa instituição que ainda faz isso. Como aspectos postivos de suas políticas florestais passadas está o fato de nunca terem sido implementados e serem solucionados com o afastamento da própria política em virtude de continuar realizando "negócios como sempre". O Fundo Monetário Internacional nunca teve sequer uma política florestal ou reconhecimento dos enormes impactos de suas políticas de ajuste estrutural sobre as florestas. A Organização Mundial do Comércio está fazendo tudo o possível para garantir que nenhum barreira ao comércio internacional seja imposta e ainda define algumas medidas de proteção florestal como “medidas não tarifárias” ilegais. A conclusão é que a fim de proteger florestas e comunidades das florestas, essas instituições devem manter-se bem afastadas e que suas políticas e projetos devem ser cuidadosamente selecionados para evitar possíveis impactos sobre as florestas.

12. A tentativa das corporações, governos, instituições internacionais e algumas ONGs de transformar a natureza e as florestas em mercancia é inaceitável.

Enquanto as comunidades das florestas estão tentando afirmar seus direitos sobre as florestas como um meio de garantir a conservação da floresta e seus meios de vida, o neoliberalismo está tentando criar mecanismos de comércio para tirar ainda mais proveito da natureza. A natureza não está à venda e estão colocando uma etiqueta de preço em tudo o que for vendível. Até o carbono armazenado na madeira está sendo vendido; assim como a capacidades das florestas de reciclar água ou as propriedades medicinais de ínumeras plantas. Isso deve ser visto como o que é realmente: um passo a mais na privatização da vida que- se permitir- resultará em uma apropriação empresarial de quase tudo. Por esse motivo, essa iniciativa conclui que tal processo é totalmente inaceitável.

Esta declaração de princípios pretende contribuir para o início de um processo mundial de solidariedade construido entre os movimentos, grupos e pessoas que trabalham nos problemas florestais em nível local, nacional e internacional. Fazemos um apelo a todos para se juntarem a nós neste processo.

Porto Alegre, 30 de janeiro de 2005

World Rainforest Movement, Delhi Forum, National Forum of Forest People and Forest Workers of India, Jharkham/Save the Forest Movement (India), New Trade Union Initiative (India), Friends of the Earth International, WALHI/Friends of the Earth (Indonesia), Tebtebba Foundation (Philippines), Coecoceiba/Friends of the Earth (Costa Rica), CENSAT/Friends of the Earth (Colombia), Rede Alerta Contra o Deserto Verde (Brasil), FASE (Brasil), Sobrevivencia/Friends of the Earth (Paraguay), International Forum on Globalisation (USA), Accion Ecologica/Oilwatch (Ecuador)

Se quiser assinar, você pode enviar um e- mail para wrm@wrm.org.uy (incluindo nome, organização e país) ou acessar nossa home page http://www.wrm.org.uy/declaraciones/Mumbai/formulario_Mumbai2.html

Comentários dos 12 princípios feitos por Ricardo Carrere, e-mail: rcarrere@wrm.org.uy