África: mangues que alimentam aqüicultura de camarões

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De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, 38% da faixa costeira da África e 68% de suas áreas marinhas protegidas estão ameaçadas pelo desenvolvimento não regulamentado. Preocupantes são as operações de criação de camarões mal planejadas ou mal regulamentadas.

Até o início da década de 90 houve relativamente pouca criação de camarões na África, mas o continente representa uma nova fronteira potencial para a indústria e grandes áreas de mangues estão sendo objetivadas por empresários, atraídos pelos ricos recursos naturais, a mão de obra barata e o baixo custo das terras. Os camarões africanos são valiosos devido a sua boa qualidade, em comparação com os camarões asiáticos que são menores.

A atual produção de camarões na África é de aproximadamente 106.000 toneladas, e apesar de que 29 países africanos são produtores de camarões, apenas poucos deles estão envolvidos no mercado global: a Nigéria, com 20.500 toneladas por ano, a República Malgaxe (antigo Madagascar), com 17.000 toneladas em fazendas aqüícolas em grande escala, e Marrocos, com 13.000 toneladas. Em Moçambique, as fazendas de criação de camarões em grande escala estão planejadas perto de Maputo (7.500 hectares), Beira (19.500 hectares) e Quelimane (6.000 hectares). As fazendas de criação de camarões também operam numa variedade de zonas costeiras e interiores da Guiné, da Gâmbia, da Eritréia, do Egito, da África do Sul, de Seicheles e do Quênia. No Gabão, a companhia Amerger está completando uma fazenda de criação de camarões com uma produção potencial de 2.000 toneladas por ano, enquanto em Quelimane, Moçambique, a companhia Aquapesca, com financiamento francês, construiu um viveiro e uma fazenda de criação de camarões a escala piloto (20 hectares).

Três grandes deltas de rios biologicamente ricos e culturalmente importantes estão entre áreas que têm sido objetivadas para novos empreendimentos de aqüicultura: o Delta do Níger, o Delta do Tana e o Delta do Rufiji.

O Delta do Níger. As florestas de mangues da Nigéria são as maiores da África e as terceiras maiores do mundo. As comunidades locais dependem das florestas para obter materiais de construção e alimentos, e estima-se que 60% dos peixes apanhados entre o Golfo da Guiné e Angola se reproduzem nos mangues do Delta do Níger. A criação industrial de camarões apoiada pelo Governo da Nigéria foi proposta no delta.

O Delta do Tana é o maior ecossistema de zonas úmidas no Quênia, abrangendo florestas, mangues, planícies aluviais e pradarias ribeirinhas. Alocaram-se terras à companhia Coastal Aquaculture Limited (CA) no início da década de 90 para desenvolver fazendas de camarões. No entanto, as comunidades locais também alegaram direitos ancestrais às terras. Depois de extensas manifestações, o governo do Quênia, através de um decreto presidencial, deteve o projeto. O litígio entre a CA Ltd. e o governo não foi resolvido e sabe-se que a companhia está atualmente pressionando o novo governo para reiniciar o projeto e desenvolver a criação de camarões.

O Delta do Rufiji contém a maior floresta de mangues estuarina na costa este da África e tem considerável importância econômica e de conservação. No final da década de 90 a African Fishing Company (AFC, gerida por um comerciante de armas irlandês, R. J. Nolan) planificou o maior projeto para criação de camarões do mundo no delta. O projeto, uma fazenda de criação de camarões de 10.000 hectares ia ocupar um sítio de 19.000 hectares, incluindo unidade de alimentação, viveiro, unidade de processamento, etc. no maior bloco contínuo de mangues na África Oriental (53.000 hectares). O projeto foi aprovado pelo governo em 1998 sob um acordo que também permitia Nolam importar mais de meio milhão de dólares de armas para a Tanzânia anualmente. No entanto, uma revisão da Avaliação do Impacto Ambiental (EIA), achou que continha erros substanciais, omissões e declarações falsas, incluindo a supressão de riscos do projeto. Trinta e três mil pessoas moravam na área proposta em 19 povoados e sub-povoados espalhados registrados, enquanto o EIA estabelecia que a área estava quase desabitada. Depois de uma ampla oposição ao projeto pelas comunidades locais, organizações ambientais e acadêmicos e em decorrência da ação legal promovida pelos povoadores com o apoio da Lawyers Environmental Action Team e do Professor Issa Shivji, a proposta foi finalmente rejeitada e a AFC liquidou-se em agosto de 2001. Declarou-se uma moratória sobre toda aqüicultura comercial na Tanzânia até o governo estabelecer diretrizes adequadas. Além disso, declarou-se que a aqüicultura não deveria ser praticada em áreas ecologicamente sensíveis, tais como mangues.

As “florestas do mar” estão enfrentando épocas difíceis em todo o mundo, atormentadas por interesses criados e lucros rápidos. Parece que apenas a forte resistência de aquelas pessoas conscientes da riqueza inestimável dos mangues –especialmente os povos locais que dependem deles- garantirá sua sobrevivência.

Artigo baseado em informação de: EJF. 2004. “Farming The Sea, Costing The Earth: Why We Must Green The Blue Revolution”, Environmental Justice Foundation, Londres, Reino Unido, http://www.ejfoundation.org/pdfs/farming_the_sea.pdf ; “Crevettes: la ruée vers l’or rose d’Afrique”, Yolande S. Kouamé, 17/04/2003, http://www.rfi.fr/fichiers/MFI/EconomieDeveloppement/968.asp